Sem Forma - Capítulo 23
Vários dias se passaram. A mãe de Heewoon estava indo para a casa da tia em Cheonan depois de amanhã. Ela disse que voltaria em cinco dias e, por isso, ele teria que ficar sozinho em casa durante toda a viagem.
Se tivesse tempo, talvez pudesse ir até a casa de sua tia e ajudá-la com alguma coisa. Dormir lá parecia um pouco estranho, então ele pensou em levar um presente e fazer uma visita, já que ele não via há muito tempo,e também dar os parabéns a Sunyoung noona.
Enquanto Heewoon descia as escadas depois da aula, ele pensou consigo mesmo: Mas que presente eu poderia comprar? Tenho que dar um presente para minha tia e para a minha noona. Ele decidiu não ir ao casamento porque sabia que muitas pessoas ficariam incomodadas com o fato de ele e sua mãe terem dívidas ilegais com pessoas perigosas.
Já estava quase anoitecendo quando Heewoon saiu do prédio e sentiu um pouco de frio. Embora estivesse usando uma camisa de algodão e um moletom grosso de capuz com zíper ele estava tremendo. Heewoon esfregou o nariz e fechou o zíper até o fim, se sentindo melhor ao cobrir o pescoço.
A parte superior de seu corpo estava bem, mas agora seus tornozelos estavam congelando. Ele olhou para o tornozelo sob a calça jeans e percebeu que ainda não havia lavado os sapatos. Quando viu a sujeira do calçado ele pensou que deveria lavar os sapatos quando a mãe fosse para a casa de sua tia.
Heewoon olhou rapidamente para o relógio. Eram 16h35. A aula normalmente terminaria às 16h50, mas hoje ela terminou mais cedo. Kangwoo provavelmente ainda não havia chegado, então ele planejou caminhar lentamente pela escola e ir para o estacionamento às 17h00.
Enquanto caminhava pelo campus, passando pelo gramado espaçoso, ele sentiu uma vibração no bolso. Se assustou, pensando que era Kangwoo, e seu coração acelerou antes de perceber que era uma ligação de sua tia. Ao perceber isso, ele soltou um suspiro de alívio. Mas o que minha tia quer?
— Alô?
[Uh, Heewoon, como você está?]
— Bem. E a tia, como tem passado?
Heewoon respondeu com um sorriso, virando-se e olhando ao redor. Com cada passo que ele dava, as folhas secas estalavam. Certamente seria uma ligação longa, já que ela parecia querer cumprimentá-lo e contar sobre o casamento de sua noona.
Eles continuaram a conversar sobre como estavam e o tópico mudou para sua vida na escola e outras coisas. Era hora de dar os parabéns e perguntar se poderia fazer algo para ajudar. Heewoon disse o que estava pensando antes.
— Quando minha mãe estiver na casa da minha tia, acho que vou fazer uma visita.
[Huh? Quando?]
— Bem? Depois de amanhã.
— Depois de amanhã?
A ansiedade floresceu no coração de Heewoon quando ele ouviu a voz de sua tia perguntando como se ela não fizesse ideia. TUM-TUM. Seu coração começou a bater rapidamente.
— Sim. Minha mãe disse que ia ajudar a tia… Talvez fosse uma visita surpresa.
Heewoon acrescentou e riu. A risada soou estranha e forçada.
[… Heewoon.]
Ele ficou ainda mais ansioso quando ouviu seu nome ser chamado por uma voz semelhante à de sua mãe. O vento soprou forte, deixando a mão que segurava o telefone rígida, Heewoon trocou de mão e colocou a mão fria no bolso.
— Sim, tia?
A mão dentro do bolso macio não se aqueceu rapidamente como ele esperava. Em vez disso, ficou tão fria quanto gelo com as próximas palavras de sua tia.
[Você não sabe que a sua mãe vai fazer uma cirurgia?]
O coração de Heewoon, que estava batendo rapidamente, parou por um momento e depois pareceu afundar em seu peito. Sua mente ficou em branco.
— Cirurgia… Que tipo de cirurgia? Eu… eu não ouvi nada sobre isso.
Ele gaguejou. Sua voz refletia claramente sua confusão. Do outro lado da linha, ele pôde ouvir um suspiro.
[Ah, meu Deus. Eu senti que tinha algo estranho… tsk.]
Minha tia estalou a língua.
Os olhos de Heewoon se arregalaram em confusão. Ele se lembrou do momento em que sua mãe foi diagnosticada com câncer. Foi uma época muito difícil e assustadora, quando ele teve que enfrentar a ausência de sua mãe, algo que nunca havia experimentado antes.
— Que cirurgia é essa?
A voz de Heewoon tremeu um pouco quando ele perguntou vagarosamente.
[Oh, é apenas um mioma no útero.]
— Um mioma?
Heewoon interrompeu a tia, com a voz embargada. Lágrimas se formaram rapidamente em seus olhos.
[Sim, é só um mioma, você não precisa se preocupar. É uma cirurgia de rotina que requer anestesia geral, mas ela nem contou ao filho. E se eu não tivesse ligado…]
As palavras de sua tia foram rapidamente transformadas em murmúrios para Heewoon. Sua mente estava trabalhando rapidamente. Se não há motivo para preocupação, por que minha mãe escondeu isso? A maneira casual como sua tia estava falando sobre isso também parecia estranha. Se não é nada demais, por que ela tem que receber uma anestesia geral?
Por que minha mãe contou para a tia, mas…?
[Acho que ela não quis te dizer porque não queria que você ficasse preocupado. Por isso, não se preocupe demais, Heewoon.]
Heewoon ouviu a voz de sua tia, mas estava em transe.
[Se você pesquisar, verá que não é nada demais e que ela vai se recuperar rapidamente…]
Heewoon, que ainda estava atordoado, finalmente abriu a boca.
— Tia.
[Huh?]
— Minha mãe pediu dinheiro emprestado?
[…….]
Ele sabia que deveria verificar antes, mas uma cirurgia com anestesia geral era definitivamente cara. No entanto, o dinheiro que Heewoon costumava dar a sua mãe era pouco, pois ela não teria como economizar. Desde que descobriu sobre as dívidas, eles não tinham mais seguro de saúde.
[Heewoon, sua mãe sabe que você trabalha duro, então provavelmente ela não quis sobrecarregar você. E não se trata de uma cirurgia aberta: é apenas uma operação muito simples…]
Sua tia disse severamente.
Heewoon pensou: minha mãe escondeu porque não queria que eu ficasse preocupada com ela? Ou porque não queria que eu me preocupasse com o dinheiro?
— Sim….. Sim, tia. Eu sei. Tudo bem. Obrigado, tia.
Heewoon baixou os olhos e continuou a responder. Depois de desligar o telefone, ele foi direto para a barra de pesquisa, enxugou as lágrimas levemente acumuladas com as costas da mão e pesquisou. Era uma palavra estranha para ele, mas os resultados da pesquisa foram abundantes. Heewoon olhou para eles por um bom tempo.
Ele leu avaliações e perguntas sem restrições. Era exatamente como sua tia havia dito: havia pessoas que tinham medo, mas ninguém estava com medo de morrer.
No entanto, ele ainda estava ansioso. Não podia pensar levianamente em uma cirurgia que exigia anestesia geral.
E minha mãe escondeu isso de mim.
Ela planejou ir sozinha para a casa de sua tia, fingindo estar indo ajudar, para que ele não se preocupasse. Ela também pediu dinheiro emprestado à sua tia.
As lágrimas escorreram pelo visor do celular.
Tudo estava uma bagunça.
Ele estava com medo de que sua mãe ficasse doente de novo, o que o deixava com raiva de si mesmo. Sentia-se triste ao pensar nos motivos que sua mãe tinha para esconder isso dele e ficou injustamente chateado com a situação por estarem passando por tudo isso devido a algumas centenas de milhões de wons que não tinham.
E.
Ele começou a se sentir desconfortável por ter ouvido sobre a doença de sua mãe e perguntado para sua tia se ela havia emprestado dinheiro.
Heewoon baixou a cabeça e enxugou as lágrimas com força. Eu deveria ligar para minha mãe. Preciso perguntar a ela o que aconteceu e preciso saber mais sobre a cirurgia.
Foi então que a voz apareceu.
— O que está fazendo aqui?
Ele levantou a cabeça, surpreso com a voz de repente.
— O que está fazendo aqui fora? Você não vem…
Kangwoo, que estava se aproximando, parou de falar quando viu o rosto de Heewoon. Sua sobrancelha se franziu e ele disse friamente.
— Por que você está chorando?
Heewoon esfregou as lágrimas e balançou a cabeça, dizendo que não era nada com uma voz trêmula. Sem que percebesse, o sol já estava se pondo. Quando olhou para o relógio, já eram mais de cinco horas.
— Ah… eu nem sabia que era tão tarde.
— Esqueça. Por que você está chorando?
Na frente de Heewoon que estava sentado no banco, Kangwoo falou como se estivesse irritado. Seu olhar frio chegou às bochechas e ao nariz vermelho dele. Heewoon hesitou, depois abriu a boca.
— Minha mãe…
Sua voz estava tremendo demais, então ele engoliu a saliva.
— Ela está doente. Ela nem sequer me contou…
O canto de sua boca se contraiu, e outra lágrima escorreu por sua bochecha. Kangwoo, parado a um metro de distância, soltou um longo suspiro.
— E, então, você está chorando aqui fora?
— …….
— Um homem adulto chorando na frente dos outros assim?
Heewoon fungou e inclinou a cabeça para baixo. Kangwoo olhou para a cabeça redonda e depois desviou o olhar. A mão que segurava o telefone estava vermelha, assim como os tornozelos finos que apareciam por baixo da calça jeans.
— Vamos embora.
Kangwoo agarrou o pulso de Heewoon e o puxou para cima.
— Eu… acho que devo ir para casa.
— Eu entendi. Vamos para o carro primeiro.
Uma mão grande cobriu completamente as costas da mão de Heewoon que estava segurando o celular. O dorso de sua mão ficou quente rapidamente e Heewoon foi arrastado por Kangwoo de cabeça baixa.
Quando entrou no carro, que já estava quente por causa do aquecedor ligado, percebeu que estava tremendo de frio. Kangwoo olhou para Heewoon tristemente e entregou-lhe um lenço de papel.
— Eu quase perdi a paciência porque não sabia para onde meu sunbae tinha ido.
— Hã?
Enquanto ele limpava o nariz, seus olhos redondos ficaram vermelhos. Kangwoo olhou para as roupas de Heewoon e murmurou.
— Hoje você está parecendo um coelhinho.
Enquanto descansava o cotovelo no encosto e apoiava a cabeça com a mão, Kangwoo olhou para Heewoon, que estava tremendo. Quando Heewoon sentiu o olhar dele, olhou para o homem. Ele esfregou os olhos com as costas da mão e Kangwoo lhe entregou mais lenços de papel.
Heewoon pegou o lenço e pensou consigo mesmo. Chorar na frente de sua mãe era algo que ele segurava com força, mas chorar na frente de Kangwoo parecia algo natural.
Seo Kangwoo apenas olhou para ele sem dizer nada e não fez mais nada. Heewoon respirou fundo. Um pequeno chiado escapou de vez em quando, mas parecia estar tudo bem.
— Kangwoo, posso ir então?
Ele levantou a mão para a maçaneta, pronto para sair do carro.
Kangwoo respondeu com um resmungo, puxando o pescoço de Heewoon. O aperto no pescoço fez com que Heewoon soltasse um pequeno pigarro, tossindo fracamente.
Kangwoo segurou o rosto de Heewoon com uma das mãos sem demonstrar nenhum arrependimento. As bochechas, que estavam mais vermelhas devido à diferença de temperatura, se esmagaram na mão dele.
Seus olhos arregalados ainda estavam molhados e vermelhos nas bordas.
— Você não pode ir a lugar nenhum assim.
Kangwoo estalou a língua enquanto olhava para o rosto de Heewoon e, quando Heewoon lhe lançou um olhar inquieto, ele suspirou e soltou o rosto dele.
— Eu vou te levar para casa.
— O que? — Os olhos de Heewoon se arregalaram. — Por quê?
Kangwoo respondeu calmamente.
— E se alguém zombar de você por chorar na rua?
— …Não estou mais chorando. Agora… eu não vou mais chorar.
— Isso mesmo. Você tem que parar.
Kangwoo murmurou baixinho e seus olhos permaneceram no rosto de Heewoon por um longo tempo.
***
Heewoon abriu a porta da frente. A casa estava escura por dentro. Ele ficou parado com a mão na maçaneta e respirou fundo, pegou o celular e tirou uma selfie de seu rosto. Seus olhos estavam um pouco vermelhos, mas não parecia que ele estava chorando.
— …Se eu contar a ele sobre isso, a criança que já está passando por momentos difíceis vai ficar ainda mais preocupada, então, o que posso fazer?
A voz de sua mãe veio do quarto. Heewoon estava prestes a fechar a porta da frente quando parou. Sua mãe parecia estar ao telefone com sua tia.
— Se Heewoon soubesse, ele também não teria deixado eu receber sua ajuda. Ele teria tentado economizar e ganhar dinheiro de alguma forma. Mesmo agora, trabalhando menos, ele está tão magro e…
Sua mãe ficou tão emocionada que não conseguiu terminar de falar. O silêncio se prolongou um pouco, como se sua tia estivesse dizendo alguma coisa.
Heewoon ficou ali em silêncio, olhando para o vidro fosco. A fita amarela na janela quebrada parecia ainda mais mal colocada hoje.
— *Eonni, você não sabe do que está falando. Por acaso sabe como é perder seu marido? Imagina como é ter uma dívida que nunca poderia pagar em toda a sua vida. Você sabe o que é viver usando o dinheiro que seu filho ganha?
N/Rize: Eonni (언니) Irmã mais velha.
A mãe levantou a voz. Tudo o que sua mãe disse atingiu o coração de Heewoon.
— Eu sei. Eu odeio quem eu sou agora.
Heewoon mordeu os lábios.
— Eu só…
A voz do outro lado da porta estava abafada. Seu tom era baixo, carregado de tristeza e resignação.
A escuridão do crepúsculo lançou sua última luz. A janela translúcida estava tingida de vermelho, revelando vagamente a silhueta da sua mãe.Uma voz quase inaudível, como se sussurrasse, ecoou claramente pela entrada.
— No meu coração eu só penso em morrer…
— Estou de volta.
Heewoon interrompeu as palavras de sua mãe e falou. Bum! Ele fechou a porta com força de propósito e tirou os sapatos.
— Vou desligar.
Sua mãe disse em voz baixa do lado de dentro da porta. Heewoon respirou fundo e abriu a porta de correr e a mãe, com o celular na mão, sorriu para ele.
— Heewoon já está em casa?
O quarto estava escuro, iluminado apenas pelo brilho do sol poente, mas Heewoon não se preocupou em acender a luz, já que, no escuro, tanto sua mãe quanto ele conseguiam esconder os olhos vermelhos.
Ele colocou sua bolsa no chão e fechou os olhos. Uma dor atravessou seu peito, como se tivesse sido esfaqueado por algo muito afiado.
— A tia disse que… me contou?
— Sim.
Heewoon tirou lentamente o casaco e o pendurou em um cabide. Ele precisava de tempo para ter certeza de que, mesmo que abrisse a boca, nenhuma lágrima ou ressentimento sairia.
Foi só depois de um tempo, sentado na frente da mãe em silêncio, que ele conseguiu falar.
— Por que você não me contou?
— ….Porque achei que tornariam as coisas mais difíceis para você.
Agora estava claro. A mãe estava escondendo a situação por causa do dinheiro. Heewoon respirou fundo, tentando acalmar sua respiração agitada. Sua mãe pôs a mão no dorso da mão dele e falou suavemente.
— Não é nada sério. Eu não queria que meu filho se preocupasse com isso.
Sua voz era completamente diferente da que mostrava a raiva e tristeza a sua tia antes. As emoções que mal haviam sido reprimidas surgiram. Quando abriu a boca, palavras precipitadas saíram.
— Você já pensou no que aconteceria se eu descobrisse mais tarde? Você sabe como estou me sentindo agora? E… não importa o quanto tente justificar. Mesmo que seja com a tia, o que acontecerá se pedir dinheiro emprestado? Só vai aumentar sua dívida novamente…
As palavras cheias de emoção pararam abruptamente porque lágrimas quentes inundaram o rosto de sua mãe. A mãe apertou a mão de Heewoon com força, que olhou para o rosto de seu filho e disse com uma voz suave.
— São 1 bilhão… 1 bilhão de wones. Você acha que isso faz diferença quando estamos falando de várias dezenas de milhões aqui?
As palavras, misturadas com desespero, feriram o coração de Heewoon novamente. Um breve suspiro escapou por entre seus lábios entreabertos.
— Estou trabalhando duro para pagar de volta.
Heewoon falou baixinho, as palavras misturadas com sussurros eram como o som do vento.
— Eu posso pagar tudo. Só precisamos nos animar e trabalhar um pouco juntos. Mas… mas se você disser isso… mãe, o que eu devo fazer agora?
Sua voz tremia lamentavelmente.
As coisas que Heewoon estava tentando segurar com todas as suas forças continuavam escapando por entre seus dedos. Sua mãe, talvez, fosse uma delas. Se ele relaxasse um pouco o aperto em sua mão, ela poderia simplesmente desaparecer a qualquer momento.
A única pessoa que está se esforçando para que as coisas dêem certo sou eu.
— Por que você é sempre assim, mãe…?
Heewoon se calou abruptamente ao ver a expressão distorcida de sua mãe. Respirando pesadamente, ele fechou os olhos. As lágrimas que escorriam pelo rosto de sua mãe caíam na ponta de seus dedos.
Era por isso que tanto ele quanto sua mãe escondiam seus verdadeiros sentimentos.
‘No meu coração eu só penso em morrer…’
As palavras ecoaram dolorosamente.
— … Eu vou voltar para a aula.
Heewoon se levantou da cadeira. A mão de sua mãe, que estava cobrindo a dele, escorregou suavemente. Segurando suas roupas e sua mochila, ele saiu rapidamente e sua mãe assistiu em silêncio enquanto seu filho saía correndo.
°
°
Continua…
Tradução Rize
Revisão MiMi