Sem Forma - Capítulo 06
Heewoon segurou a maçaneta da porta e respirou fundo. Sua expiração estava trêmula. Mordendo os lábios, ele olhou para suas roupas. A poeira branca havia sido lavada com água no banheiro da estação de metrô, então as roupas pareciam limpas o suficiente.
Passava um pouco das sete da manhã, então sua mãe provavelmente já estava acordada. Ele passou as pontas dos dedos sobre a bochecha machucada e puxou a maçaneta da porta.
A casa era pequena. Ao abrir a porta da frente, à esquerda, havia uma pequena cozinha, à frente, um banheiro e, à direita, um quarto.
A casa estava escura e quieta. Parado na entrada, Heewoon olhou para a porta deslizante translúcida. Sua mãe parecia ainda estar dormindo. Ele respirou lentamente, sentindo um cheiro familiar no ar morno.
— Heewoon, você está em casa?
A voz da mãe, que parecia ter acordado de repente, ecoou de dentro da casa. Uma onda de emoção subiu do peito de Heewoon. Ele fechou os olhos firmemente e abriu a boca.
— Sim. Vou me lavar.
Sua voz soou estranha, como se ele estivesse segurando as lágrimas mesmo para si mesmo, então ele entrou rapidamente no banheiro. O som da porta correndo foi ouvido.
— Você não pode chegar a essa hora sem me avisar.
— … estou com o estômago ruim.
Ele disse enquanto fechava a porta do banheiro. Sua voz, tentando conter as lágrimas, soava como se estivesse segurando um vaso que estava prestes a se partir.
— Você andou bebendo? Ah… esse garoto também…
O som de chinelos colando no chão se dissipou ao longe. O som da geladeira abrindo e o da água enchendo um copo se misturaram.
Heewoon, que estava ouvindo o som vindo do lado de fora da porta do banheiro, se sentou e suspirou.
— Ha…
Quando ele abaixou os olhos, as lágrimas caíram pesadamente. Ele estava tentando parecer bem, mas seu corpo inteiro tremia como se estivesse quebrado. Com medo de que seus soluços escapassem, ele mordeu os lábios.
Ele estava vivo. Ele voltou para casa vivo.
Heewoon fechou os olhos e soluçou silenciosamente. Seu peito doía como se fosse explodir de tanto chorar.
Os eventos da noite anterior passaram por sua mente.
A visão embaçada, a fábrica, os gritos, os beijos violentos, o sangue vermelho, os olhos do homem moribundo suplicando freneticamente para ser salvo e ele chupando desesperadamente o pênis de outro homem…
De repente, a náusea aumentou. Heewoon se arrastou até o vaso sanitário e vomitou. Não havia comida em seu estômago, então apenas o suco gástrico, que parecia estranhamente semelhante a esperma, saiu.
Com as mãos trêmulas, ele puxou a descarga para baixo e depois lavou o rosto na pia. Enquanto olhava para seu rosto inchado e molhado refletido no espelho, ele ouviu uma voz vinda do lado de fora da porta.
— Heewoon, você está bem?
Ele cuspiu e limpou a garganta.
— Sim. Depois de vomitar, estou um pouco melhor.
— Você deve beber com moderação. Deixei suas roupas na porta.
— Obrigado.
Toda vez que ouvia a voz da sua mãe, a imagem da senhora morrendo vinha à sua mente. Era assustador. Era como se Seo Kangwoo pudesse aparecer a qualquer momento e matar a todos.
— Está tudo bem, está tudo bem…
Heewoon murmurou isso como um mantra e ligou o chuveiro.
Shuaaaa.
Ele olhou para os jatos de água caindo do chuveiro como se visse o sangue do homem se derramando no chão.
Que nojo. Ele fechou os olhos firmemente. Depois de um tempo, abriu os olhos e tirou a roupa. Era estranho ver suas mãos tremendo ao desabotoar a camisa. Ele levantou a cabeça e, evitando o reflexo de seu corpo machucado no espelho, o único lugar para olhar no minúsculo banheiro era o chuveiro.
— … A conta de água provavelmente vai ser alta.
Seu sussurro era vazio.
Heewoon levantou ainda mais a cabeça. Uma luz brilhante cintilou em seus olhos. A lâmpada redonda e branca era a coisa mais confortável de se olhar naquele momento.
Se a minha mãe descobrir o que aconteceu ontem, ela pode desmaiar novamente. Seria demais para ela lidar com isso estando tão fraca.
— ……
Então eu devo engolir isso.
Vamos agir como se nada tivesse acontecido. Ninguém vai perceber o que aconteceu. Assim, o Kangwoo não vai me matar.
Preciso lidar com isso sozinho.
Finalmente, seu corpo machucado entrou debaixo da ducha de água que havia se tornado quente. Entre os pingos da água, ocasionalmente, escapavam gemidos abafados.
***
Naquele dia, Heewoon foi para sua sessão noturna de aulas particulares. Toda vez que movia seu corpo sentia fortes dores, tanto musculares quanto entre as nádegas.
Quando sua mãe viu seu rosto, obviamente machucado, ela perguntou com surpresa o que havia acontecido e Heewoon deixou escapar que havia caído. A mãe, com um ar sutil, disse: — Tenha cuidado — e se virou.
Não era a primeira vez que Heewoon era agredido. Recentemente, ele havia sido espancado por cobradores de dívidas algumas vezes. Sua mãe havia chorado e dito que não deixaria que eles saíssem impunes, mas não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. Como resultado, ela acabou se contentando em fingir que não notava.
Quando Heewoon voltou para casa tarde da noite, depois da aula particular, sua mãe lhe perguntou calmamente: — Se você não tem dinheiro suficiente, sua mãe pode te ajudar com algum.
— Não, não precisa. Um dos alunos melhorou muito suas notas e me pagou mais.
A mãe franziu os lábios por um momento e depois assentiu. Vendo o rosto exausto de sua mãe, Hee-woon comentou: — Por que ainda não está dormindo? Eu vou tomar banho. Melhor a senhora dormir primeiro.
— Está bem.
A mãe, então, se deitou na cama. A casa de um quarto era tão pequena que mal havia espaço suficiente para a mãe e Heewoon se deitarem. Após dar uma olhada no futon que sua mãe havia preparado, Heewoon pegou suas roupas e foi para o banheiro.
Ele sabia que sua mãe não iria dormir.
Após tomar banho e voltar para a cama, ele fechou os olhos e respirou profundamente. Em seguida, ele se inclinou silenciosamente para pegar a pomada que havia escondido debaixo das cobertas.
Com cuidado, ele aplicou o creme enquanto reprimia suas lágrimas.
Desta vez, ele não havia sido espancado por agiotas. Em vez disso, ele se lembrou de uma experiência muito mais assustadora: a dívida que ele calculou repetidamente, as palavras de seu irmão de que ele voltaria quando conseguisse um emprego, o dinheiro que a mãe secretamente enviou para seu irmão e o tapa que ele levou por causa desse dinheiro.
— Meu pequeno Heewoon…
Uma mão quente acariciou sua testa.
Às vezes, Heewoon desejava que sua mãe fosse muito, muito mais dura.
***
A segunda-feira chegou. Ele não havia dormido bem, seu rosto estava inchado e os hematomas haviam piorado, então decidiu cobrir as marcas roxas na bochecha com um grande curativo.
Enquanto caminhava para a escola, Heewoon se viu várias vezes desejando fugir. Durante todo o fim de semana, ele desejou que segunda-feira não chegasse, mas, ao mesmo tempo, queria que ela chegasse o mais rápido possível. Ele tinha sentimentos conflitantes: queria evitar o encontro com Seo Kangwoo, mas, também, queria ter certeza de que ele não o mataria. Infelizmente, a primeira aula do dia era uma aula que Kangwoo também frequentava.
Nessa aula, Kangwoo geralmente se sentava no assento da janela do canto, na segunda ou terceira fileira do fundo. Sendo assim, para sair da sala sem chamar a atenção, Heewoon precisaria se sentar em um assento próximo à porta dos fundos. E pensando nisso, ele chegou à escola mais cedo do que o normal.
No entanto…
Ao entrar na sala vazia, viu Kangwoo sentado, sozinho. O rapaz quase ficou congelado de medo e passou direto pela porta aberta da sala de aula. Ele ouviu um som de cadeira sendo movida e aumentou o ritmo dos passos, em direção ao andar inferior. Só após descer as escadas apressadamente, percebeu estar correndo. Mesmo depois de verificar que Seo Kangwoo não estava seguindo-o, ainda assim, estava com medo e entrou na cantina as pressas. Ele, então, vagou perto de uma área movimentada, enquanto algumas pessoas o olhavam estranhamente, mas ele não lhes deu atenção.
Heewoon saiu da lanchonete às 8:57hrs para poder chegar à sala de aula exatamente às 9h em ponto.
Essa aula era importante para a sua adesão e a presença era crucial. Ele costumava chegar com pelo menos 15 minutos de antecedência, pois uma diferença de até 0,01% na nota poderia afetar sua bolsa de estudos. No semestre passado, ele não conseguiu a bolsa de estudos e teve de fazer um empréstimo estudantil, portanto, neste semestre, precisava obtê-la a todo custo.
Era extremamente cansativo ter que pensar em dinheiro mesmo quando estava sob ameaça de morte. Heewoon soltou um suspiro amargo e abriu a porta da sala de aula. Por sorte, havia um assento vazio perto da porta. Porém, o rosto de Heewoon se endureceu quando ele colocou sua bolsa sobre a mesa e olhou para o lado.
Kang-woo estava olhando para ele.
— Venha aqui — disse Kangwoo, movendo levemente os lábios enquanto tirava sua bolsa do assento ao lado dele. Heewoon fingiu não entender e se sentou em seu lugar, pegando um livro. Embora sentisse o olhar de Seo Kangwoo fixo nele, essa sensação se dissipou quando o professor começou a chamar a lista de presença dos alunos.
Depois da aula, ele saiu da sala mais rápido do que qualquer outra pessoa e se escondeu no banheiro no segundo andar antes de seguir para a próxima aula. Durante o horário de almoço, ele foi até a loja de conveniência perto da porta dos fundos para evitar Kangwoo.
Foi bom conhecer toda a programação de Seo Kangwoo. Graças a sua experiência como perseguidor, conseguiu evitar qualquer encontro com ele até todas as aulas terminarem.
Na segunda-feira, as aulas de Seo Kangwoo terminavam às 6 horas. Heewoon suspirou ao olhar para o relógio de pulso que marcava 5 horas.
Mais um dia correu bem. Só preciso suportar mais dois meses assim. Este é o último semestre com Seo Kangwoo.
— Haa….
Eu deveria tirar uma licença.
Se eu tirar uma licença agora, quanto do valor da matrícula poderei receber de volta? Pensando bem, se eu tirar uma licença e conseguir mais um emprego de meio período, vou ganhar muito mais dinheiro.
Afinal, ganhar mais dinheiro significa que eu poderia pagar as dívidas.
‘Seu irmão está administrando um negócio e disse que está com um pouco de dinheiro…’
O rosto sorridente e sem jeito da sua mãe veio à mente.
Heewoon ficou parado no lugar e cobriu os olhos. Não havia dormido bem e estava nervoso o tempo todo. Como resultado, seus olhos estavam muito cansados. A aula extracurricular de hoje começaria às 8:30hrs e, finalmente, seria hora de ir para casa e dormir um pouco.
Enquanto baixava a cabeça e cobria os olhos, várias pessoas passaram ao seu lado. Mas ele respirou fundo, aliviado, e tirou a mão dos olhos, lembrando-se que no dia seguinte não teria aulas matinais e que não se encontraria com Kangwoo.
— Oh, desculpe.
No entanto, ele quase esbarrou em alguém que vinha à sua frente e o evitou se movendo para o lado, mantendo a cabeça baixa. Mesmo assim, as pernas do homem não se moveram nem um centímetro. O rosto perplexo de Heewoon ficou branco quando ele olhou para cima.
— Você está dormindo?
— Ah…
Um som de gemido escapou de sua boca escancarada. Heewoon cambaleou para trás e olhou em volta.
Este lugar não é uma fábrica abandonada sem ninguém: aqui é um campus onde centenas de pessoas pegariam seus telefones para gravar se alguém demonstrasse qualquer comportamento estranho. Aqui, ele não pode me machucar.
— O quê? Alguém chamou o Sunbae? — Seo Kangwoo perguntou com curiosidade, seguindo meu olhar.
— … Não.
— Então?
— Hã?
— Por que está olhando para outro lugar? Seu idiota…
O tom era tão calmo que ele momentaneamente duvidou de seus ouvidos.
Quando Heewoon virou a cabeça, viu o rosto frio e abaixou rapidamente a cabeça. Um silêncio aterrorizante se seguiu por um tempo.
— Venha comigo.
— Na verdade, eu tenho um trabalho de meio período…
— Mas ainda é 8:30.
O rosto de Heewoon se contorceu de confusão, pois não esperava que Kangwoo soubesse de tal coisa. Ele abriu a boca para dar outra desculpa, mas Seo Kangwoo respirou fundo e Heewoon perguntou em voz baixa.
— Se eu for, o que você vai fazer?
— Eu só queria conversar um pouco… — Kangwoo disse, olhando para Heewoon, que estava olhando de um lado para o outro, como se quisesse pedir ajuda. — Se continuar agindo desse jeito, vou ter que bater em você.
Aterrorizado, Heewoon se moveu rapidamente e, devido ao impulso, bateu o rosto no ombro firme de Kangwoo. Kangwoo riu enquanto agarrava os braços agitados de Heewoon e o puxava em direção à saída.
Eles saíram pela porta da frente. Para mostrar que estava disposta a segui-lo, Heewoon andou perto das costas de Kangwoo.
— Venha para o lado.
Kangwoo virou a cabeça, olhando para o rosto baixo de Heewoon.
— Certo.
Caminhando lado a lado, Heewoon ficou próximo a Kangwoo, roçando ocasionalmente seus braços e mãos. Cada vez que isso acontecia, Heewoon se assustava e encolhia o corpo, enquanto Kangwoo olhava para ele com indiferença.
Havia um carro importado estacionado na rua estreita. As pessoas que o admiravam disfarçaram e se afastaram quando o dono do carro apareceu.
— Entre, Heewoon.
Kangwoo abriu a porta traseira e apontou para dentro. Heewoon entrou, hesitante, no carro e Kangwoo o seguiu. Heewoon olhou em volta, assustado. As janelas estavam completamente escuras, impossibilitando a visão do interior.
Com um baque, a porta do carro fechou e Heewoon percebeu a realidade. Agora não havia mais inúmeros celulares para protegê-lo.
Kangwoo olhou silenciosamente para Heewoon. Seus cabelos caíam pesadamente sobre a testa, quase cobrindo seus olhos. Havia uma gaze branca presa à sua bochecha estreita e suas orelhas redondas estavam vermelhas, talvez devido ao nervosismo. Um leve hematoma avermelhado era visível ao observar melhor o capuz que cobria seu pescoço. Kangwoo, que notou até mesmo o leve tremor das duas mãos apoiadas em suas coxas magras, falou.
— Levante a cabeça.
Heewoon ergueu a cabeça. Seus olhos estavam bem fechados e os dentes cerrados.
— Me diz, você quer que eu te bata?
Diante do comentário grave de Kangwoo, Heewoon arregalou os olhos.
— Ah, não!
As palavras eram apressadas e estridentes. Heewoon balançou a cabeça e olhou cautelosamente para Kangwoo, cujo olhar fixo parecia estar em dúvida sobre se deveria bater nele ou não.
— Achei que você quisesse ser esbofeteado de novo.
— Não.
— Você esteve agindo como um idiota o dia todo. — a voz suave soava estranhamente áspera. Heewoon apertou os lábios. — Eu não sou um vírus. Por que você está fugindo assim de mim?
— Bem, e que…
— Você me usou e agora vai me descartar?
— Não, não é isso!
— Ah, não?
Heewoon acenou com as mãos em sinal de negação. Ele se sentia mal tanto mentalmente como fisicamente em pensar que ele havia dormido com Kangwoo.
Tinha sido uma noite desesperada de sobrevivência. Para Heewoon, não era como se aquilo fosse sexo.
— Então?
Com as mãos trêmulas firmemente apertadas, Heewoon fez o possível para não deixar sua voz tremer enquanto falava. — Achei que seria melhor para você se fosse discreto. Eu estou só… com medo.
Kangwoo olhou para as íris escuras e as pupilas esbranquiçadas. Quando ele levantou a mão, os ombros de Heewoon tremeram. Parecia um gato assustado. Kangwoo rastejou com o polegar sobre a bochecha de Heewoon, onde o inchaço estava.
Heewoon fechou os olhos abruptamente e uma voz suave ecoou em seu ouvido.
— Você ficou tão assustado… por acaso vai chorar de novo?
— … Não, só fiz isso no sábado.
Quando ele hesitou ao falar, um breve riso soou. A ponta dos dedos arredondados passou como uma pluma sobre as sobrancelhas e chegou ao canto dos seus olhos.
— Você só chorou no sábado? Não chorou ontem nem hoje?
Ele falou como se estivesse lidando com uma criança. Heewoon assentiu com a cabeça levemente, abrindo os olhos, sabendo que não levaria um tapa por enquanto. A mão grande acariciou gentilmente sua bochecha.
Seus olhos se encontraram. Os olhos pálidos de pálpebras duplas se fecharam em forma de círculo crescente.
Era um sorriso doce. Parecia não ter nenhuma relação com coisas ruins ou sujas, o que tornava tudo ainda mais assustador.
— Eu pensei muito no sunbae esse fim de semana.