Registros Transitórios de Dinghai - Capítulo 2
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- Capítulo 2 - Primeiro Encontro
Após o tempo que leva para um incenso queimar completamente:
Uma enorme discussão já havia irrompido na mansão do governador a respeito da identidade de Chen Xing. Todos expressaram que as intenções desse jovem eram bastante duvidosas e deviam ser investigadas minuciosamente.
Zhu Xu disse: “O documento oficial emitido por Xie An não pode ser falso! O que vocês querem que eu faça?”
Um general respondeu: “Apenas um documento não é suficiente para justificar levar um prisioneiro condenado à morte!”
“Ele pode ser um espião infiltrado na cidade!” outra pessoa disse. “Prisioneiros do corredor da morte são capazes de cometer todos os tipos de atrocidades. Mesmo que a cidade caia, definitivamente não podemos deixá-los viver!”
◈ ◈ ◈
No quarto de hóspedes no andar superior da mansão:
Chen Xing colocou o homem na cama e ficou ofegante, sentando-se no batente da porta. Ele limpou o rosto, saiu para buscar água, abriu a bolsa de remédios que pendia em sua cintura e retirou um comprimido vermelho-carmesim. Tentou abrir a boca do homem, mas seus dentes estavam cerrados e trêmulos, impossibilitando a administração do remédio. Chen Xing refletiu por um longo momento até que, sem alternativa, mastigou o comprimido, bebeu um pouco de água fria para dissolvê-lo, apertou o maxilar do homem e, à força, lhe deu o medicamento pela boca.
É ele? Chen Xing franziu a testa, estudando o rosto do homem enquanto tentava recordar o que vira no sonho: a cidade de Xiangyang coberta por uma tempestade de neve, e no centro, aquele edifício que era, sem dúvida, a mansão do governador — exatamente como em sua visão. A Lâmpada do Coração havia piscado três vezes agora há pouco — a primeira vez foi para guiá-lo até a masmorra, a segunda vez foi em frente à masmorra, e a terceira quando ele adentrou a cela mais profunda da prisão.
“Quem é você, afinal?” Chen Xing limpou o rosto e murmurou, “Por que você foi escolhido pela Lâmpada do Coração?”
Do lado de fora, um mensageiro anunciou: Zhu Xu queria vê-lo. Chen Xing ainda não tinha terminado de cuidar do homem, então queria pedir a Zhu Xu que esperasse um pouco, mas o mensageiro não foi embora e esperou teimosamente do lado de fora da porta. Chen Xing não teve escolha a não ser seguir o mensageiro apressadamente.
◈ ◈ ◈
A neve continuava a cair. Zhu Xu estava no terceiro andar da mansão do governador, com vista para toda a cidade de Xiangyang.
Chen Xing aproximou-se de Zhu Xu por trás e encarou a cidade que estava repleta de luzes. Ao longe, o som de uma flauta intermitente ecoava, como se o flautista estivesse chorando em lamento.
“Explique-me claramente”, disse Zhu Xu, “Caso contrário, não posso deixá-lo levar o prisioneiro, independentemente de você ser um ‘exorcista’ ou não.”
Chen Xing observou Zhu Xu atentamente e, de repente, perguntou: “Senhor, o senhor acredita que existem deuses e demônios neste mundo? Acredita que eu possuo poderes sobrenaturais? Imagino que não, não é mesmo?”
Zhu Xu suspirou e, relutante, admitiu: “Minhas ações hoje foram apenas uma encenação para manter o moral das tropas. Diga a verdade agora — chega de mentiras. Seu real objetivo é este prisioneiro, não é? Acertei? Quem o enviou para buscá-lo? Não pode ter sido Xie An. Você foi mandado pelo povo Hu¹?”
Zhu Xu tornou-se severo novamente ao falar, e enunciou cada palavra claramente:
“Pense bem antes de responder. Um único erro, e sua cabeça rolará. Mesmo que esta cidade não resista até amanhã, hoje ainda sou seu governador — e posso executá-lo quando eu quiser.”
Chen Xing encarou a espada na cintura de Zhu Xu, depois seu olhar. Ele sabia que Zhu Xu havia começado a sentir que algo estava errado — aos olhos dos outros, ele era apenas um jovem que se vestia de deus para bancar o diabo². Antes, ele havia usado um pano preto sobre os olhos para sentir a Lâmpada do Coração com mais clareza, não para enganar intencionalmente os outros. Na verdade, nem mesmo Chen Xing poderia imaginar que a pessoa que ele procurava era um prisioneiro condenado à morte.
Chen Xing respondeu: “Tudo bem, vou contar tudo. Se quiser sacar sua espada, espere até eu terminar.”
Zhu Xu virou-se e encarou Chen Xing nos olhos, dizendo com frieza: “Fale. Estou curioso para ver que tipo de mentira você vai inventar!”
“Essa história precisa ser contada desde o começo, e ela realmente resume aquele ditado: ‘a vida é curta, mas a história é longa’. Já que o Senhor Governador insiste em ouvir, não vejo problema em contar. A magia de fato existiu neste mundo… mas apenas até trezentos anos atrás.”
Zhu Xu franziu levemente a testa. Ele não esperava que Chen Xing começasse a mencionar a tal “magia” novamente.
“Trezentos anos atrás, este mundo ainda tinha monstros, magia… e aqueles que a dominavam.” Chen Xing fingiu não notar a expressão de ceticismo de Zhu Xu e, afastando-se um pouco, começou a explicar lentamente.
Naquele ano, o Imperador Zhangdi da Dinastia Han estava no poder, e Ban Chao³ foi enviado às Regiões Ocidentais⁴ em uma missão diplomática para estabelecer uma política de cem anos. Todos viviam uma vida próspera e contente por toda a Terra Divina; fangshi, guerreiros e danshis⁵ eram profissões prósperas. Segundo a lenda, as chamadas “tribos yao⁶” foram banidas por poderosos exorcistas para as 10 mil montanhas selvagens no sudoeste de Yizhou⁷ e do Reino de Yelang⁸. Eles lançaram camadas sobre camadas de encantamentos para prendê-los até que perecessem por conta própria, para que não pudessem mais se intrometer nos assuntos das Planícies Centrais⁹.
Com os yao finalmente erradicados, restou à humanidade apenas uma missão: a busca pela imortalidade.
Os Fangshis acreditavam que, ao comungar com o céu e a terra, absorver o qi espiritual e cultivar sua magia, poderiam alcançar a vida eterna. Mas então, um dia, toda a “magia” do mundo desapareceu da noite para o dia.
Tudo desapareceu sem aviso. Em um piscar de olhos, todos os artefatos mágicos sob os céus transformaram-se em ferro velho, e as armas divinas usadas para exorcizar yaos tornaram-se armas comuns. Todos os feitiços — desde os grandiosos, capazes de mover montanhas e drenar mares¹⁰, até os simples como o ‘Cinco Fantasmas Transportando Fortuna¹¹’ — perderam seu poder. Por mais que se tentasse ativá-los, nada mais funcionava.
“Sumiu.” Chen Xing fez um gesto vago diante de Zhu Xu. “Desde então, nenhum vestígio de magia restou na Terra Divina. É o que os exorcistas chamam de ‘o Silêncio de Todas as Magias’.”
“Oh?” Zhu Xu sorriu sem humor. “E agora, o que acontece?”
Chen Xing falou com pesar: “Alguns dizem que o ‘Portão Xuan’, que liberava o qi espiritual do céu e da terra, que se fechou.”
Laozi¹² certa vez disse: “Do Mistério nasce o Mistério mais profundo — este é o Portal do Segredo de Toda a Vida¹³”. Os sábios daquele tempo acreditavam que o qi espiritual do mundo emanava do invisível “Portão Xuan”, suspenso no vazio celestial. Quando a magia desapareceu, conjecturaram que o Portão Xuan talvez houvesse se fechado. Então sacrificaram aos céus, adoraram montanhas e rios, esgotando todos os rituais possíveis… mas nada funcionou.
Felizmente, a tribo yao não incitou revoltas em larga escala. Afinal, nos anos em que os exorcistas estavam ativos, os monstros já haviam sido incapacitados. Para que novas bestas terrestres e voadoras se tornassem yaos, elas precisavam absorver o qi espiritual do céu e da terra. Sem o qi espiritual, naturalmente não tinham como causar problemas. No fim das contas, usar apenas a energia yao para fazer maldades — sem o consumo parasitário da energia alheia — gastar energia sem sustento seria uma tarefa muito cansativa.
O Silêncio de Todas as Magias trouxe vantagens e desvantagens. Sem yao, naturalmente não haveria necessidade de exorcistas no mundo humano.
No entanto, o problema estava em outro lugar — os yao não podiam mais ser cultivados, mas o mesmo não necessariamente se aplicava aos “demônios”.
“Os mo* nada mais são que o ressentimento acumulado do mundo”, explicou Chen Xing. “Aqueles que morrem em circunstâncias trágicas carregam ódio. Todas as coisas nascem do céu e à terra retornam, entrando no ciclo de reencarnação celestial — mas seu ressentimento permanece. Falando claramente: quanto mais pessoas morrem em pragas, guerras e fomes, mais fácil é o rancor se acumular.”
(n/t: Mo vs. Yao: enquanto yao são criaturas, mo são manifestações puras de emoções humanas negativas(demônios).)
Durante o reinado do Imperador Hui, a família real Sima disputou o trono, e um total de 800 mil pessoas morreram na guerra civil. Ao longo dos anos de severa seca nas planícies de Guanzhong, a fome foi frequente, e mais de 2 milhões de pessoas pereceram de inanição e doenças.
Durante o período Yongjia¹⁴, Liu Yuan, dos povos Xiongnu, rompeu as defesas de Huguan e capturou Luoyang, enquanto Liu Yao invadiu Chang’an. Nas regiões de Guanzhong, Guanlong, 1,8 milhões de pessoas pereceram. Os sobreviventes de Jin fugiram para o sul, em direção a Jiankang¹⁵ — onde, protegidos pela barreira natural do Rio Yangtze¹⁶, estabeleceram um novo governo.
Shi Le¹⁷, dos povos Jie, esmagou as defesas de Jinyang, deixando a província de Bingzhou em ruínas, causando mais de 2 milhões de mortes e feridos.
O Clã Murong do povo Xianbei e o general Jin, Heng Wen¹⁸, travaram uma enorme batalha, matando 400 mil pessoas. As tribos Xianbei, Xiongnu e Jie saquearam desenfreadamente as Planícies Centrais. Eles nunca traziam provisões consigo e chamavam o povo Han de “ovelhas de duas pernas” que podiam substituir as provisões militares ao longo do caminho. Há vinte anos, a dinastia Jin registrava uma população de 20 milhões nas Planícies Centrais. Quando Ran Min¹⁹ assassinou Jie Zhao e refez a contagem, restavam menos de 4 milhões de pessoas.
Porém, os bons tempos não duraram. A cidade de Ran Min caiu, e ele foi morto pelo Clã Murong. Jizhou foi perdida, e o povo foi massacrado e saqueado mais uma vez.
“Termine o cálculo e remova o resto”, disse Chen Xing a Zhu Xu, “Então, Lorde Governador, definitivamente haverá pelo menos 20 milhões. Mais de 10 milhões nesta conta são Han que morreram sob a cavalaria dos Cinco Bárbaros. Milhões de Hu se mataram entre si, o que só alimentou ainda mais o ressentimento.”
Mesmo sabendo que Chen Xing estava mentindo, Zhu Xu ouvia como se estivesse hipnotizado e respondeu: “O mundo está em turbulência, e uma vida mortal é tão frágil quanto a grama.”
Chen Xing disse: “Se recuarmos ainda mais no tempo, quando os Clãs Wei, Shu e Wu dividiram o território sob os céus, guerras intermináveis assolaram esse período de cem anos, e o número de mortos chegou a dezenas de milhões. Assim, nos últimos 300 anos, mais de 30 milhões de pessoas pereceram na Terra Divina. O ressentimento desses 30 milhões vaga entre o céu e a terra, sem jamais se dissipar, e já ultrapassou em muito o limite que a Terra Divina pode suportar. Se continuar assim, em poucos anos, ‘demônios’ começarão a surgir. Quanto à origem dos ‘demônios’, nunca a vi pessoalmente; os registros históricos são escassos. Deixando isso de lado por agora, vou direto ao ponto: o fato é que alguém precisa estar preparado com antecedência, sempre vigilante contra o surgimento dessa ameaça.”
“Meus ancestrais eram de Jinyang, e meus pais morreram cedo. Após a batalha de Huguan entre Fu Jian²⁰ e o Clã Murong, mudei-me para o Monte Hua²¹ para viver em reclusão.”
Chen Xing ainda se lembrava vividamente da guerra de nove anos atrás, embora ele tivesse apenas 7 anos na época. Sua casa foi incendiada, e sua avó ordenou que um servo leal o levasse a um velho amigo e subordinado nas profundezas do Monte Hua, para estudar as divindades e as estrelas e cultivar a magia de exorcizar demônios. Nesta era atual, onde a magia havia sido silenciada, textos antigos transmitidos por gerações estavam agora todos cobertos de poeira e não serviam mais para nada.
Aos dezesseis anos, Chen Xing teve um sonho — ele sonhou com uma grande cidade que nunca havia visitado. Depois de ouvir isso, seu Shifu ponderou por um longo tempo e suspeitou que fosse a cidade de Xiangyang, então lhe disse que sonhos eram orientações da Lâmpada do Coração. Seu Deus²² Marcial Protetor o aguardava naquela cidade. Ele tinha que encontrar seu Protetor primeiro, pois só seria capaz de completar sua missão com a ajuda de seu Protetor.
“E então, eu vim, para estar aqui diante de você”, disse Chen Xing finalmente.
“Terminou de falar?” Zhu Xu lentamente desembainhou sua espada. “Esperei por tanto tempo, e no final, o que eu ganho é essa história absurdamente ridícula que você inventou?”
Chen Xing não recuou. Enfrentou a ponta da espada de Zhu Xu de frente, colocou a mão direita sobre o lado esquerdo do peito, sobre o coração. Então levantou a mão — e uma luz branca resplandecente irrompeu de sua palma, arremessando-se em direção a Zhu Xu!
Zhu Xu achou que o jovem ainda estava tentando blefar, mas não esperava que a luz irrompesse do nada — e ficou instantaneamente tão ofuscado que não conseguia abrir os olhos.
“Que… que tipo de truque é esse?” Zhu Xu segurou firme sua espada, mas por um instante não conseguiu abaixá-la.
“Esta é a Lâmpada do Coração”, respondeu Chen Xing.
Zhu Xu ficou pasmo. “Então você é… mesmo um mago? Pode emitir luz? Mas para que serve essa luz?”
Chen Xing respondeu com honestidade: “Não serve para nada. Só consigo emitir luz de vez em quando.”
Zhu Xu: “……”
Zhu Xu ficou instantaneamente desconfiado. Chen Xing encolheu os ombros, resignado, enquanto a luz se dissipava, e explicou: “Li nos registros históricos que uma grande calamidade atingirá o mundo. Quando a Terra Divina estiver à beira da ruína, o guardião da Lâmpada do Coração, acompanhado pelo Deus Marcial Protetor, surgirá para exorcizar os demônios. O retorno da Lâmpada significa que o renascimento dos ‘demônios’ é iminente. Preciso encontrar o Deus Marcial, despertar seu poder e ajudar o mundo a resistir à calamidade da descida de Mara²³.”
“Os conflitos entre os povos Hu e Han são insignificantes. Quando Mara surgir, toda a Terra Divina será arrasada, todos os seres vivos serão aniquilados, e a terra será purificada e retornará aos tempos primordiais. Tudo recomeçará do zero. Seja você Hu ou Han, ninguém escapará.”
“Você… você…” Zhu Xu ficou momentaneamente sem palavras.
Chen Xing respondeu, exasperado: “Eu também não queria isso, está bem? Senhor Governador, tente entender um pouco — acha que eu quis vir para Xiangyang?”
“Depois que meu Shifu morreu, rapidamente arrumei minhas coisas, deixei o Monte Hua, aluguei uma carruagem e corri para Xiangyang. De alguma forma, entrei em um barco e cheguei à cidade sem encontrar perigo algum, vim direto para a mansão do governador e pensei: ‘Este é realmente o lugar’. De todas as pessoas, eu tinha que ser o escolhido para herdar a grande missão de unificar e restaurar a profissão de exorcista no mundo humano — e aceitei. Mas, por algum motivo, todos os homens capacitados e disponíveis foram ignorados, e acabei tendo que ir à masmorra encontrar um sujeito que sofre de tuberculose! E agora ainda estou tentando descobrir como sair desta cidade!”
Naquele momento, o escrivão apresentou o registro de prisioneiros. Zhu Xu embainhou a espada, pegou o documento e o examinou.
O escrivão informou: “Encontramos a identidade do prisioneiro. Seu nome é ‘Xiang Shu’ — um homem do povo hu.”
Zhu Xu franziu a testa profundamente. Por causa da ‘luz emitida’ por Chen Xing, ele decidiu acreditar nele — pelo menos por enquanto.
Chen Xing hesitou por um breve momento antes de responder: “Se ele é um Hu ou Han… realmente não é tão importante para mim. Ok, eu realmente não gosto muito de pessoas Hu. Bem, isso será difícil de lidar, mas ele não parece ser um… membro dos Hu, não é? Hu tem sobrenome Xiang? De qual tribo ele é?”
Zhu Xu virou o registro até a última página — uma folha suplementar do diretório de detenções trazida pelo oficial de escolta há meio ano. As primeiras palavras saltaram aos olhos: “Yaoren²⁴, Xiang Shu.”
O escrivão continuou: “No primeiro ano da era Taiyuan, o Zhonglang Jianwei pretendia escoltar este homem para Jiankang e decapitá-lo após um interrogatório detalhado. Porém, não importava o quão severamente ele fosse torturado durante a viagem — o prisioneiro jamais proferiu uma única palavra. O oficial responsável pela escolta faleceu de doença ao passar por Xiangyang, e Xiang Shu foi então preso nesta cidade. O plano original era transferi-lo para Jiankang, mas ele acabou esquecido entre tantos outros condenados. Desde então, permanece aprisionado.”
“Meio ano atrás, ele massacrou pessoas inocentes em Guanzhong oferecendo como sacrifícios de sangue aos céus”, disse Zhu Xu. “No total, 2 mil pessoas foram mortas em seis aldeias — tanto Hu quanto Han. Homens, mulheres, idosos e crianças, até mesmo galinhas e cães domésticos não foram poupados. Depois ainda travou uma batalha feroz contra nossos soldados Jin. Foi preciso muito esforço para finalmente capturá-lo.”
Zhu Xu relutantemente acreditou na questão da Lâmpada do Coração, mas surgiu uma nova dúvida: “Por que você escolheria essa pessoa?”
Chen Xing respondeu, incrédulo: “Por que ele foi escolhido? Eu também não sei, ah!”
Ao ouvir tudo isso, Chen Xing sentiu um frio na espinha. Será que a luz que vira diante dos olhos tinha sido apenas uma alucinação?
Ele pegou o registro e leu apenas algumas linhas: “Xiang Shu — massacrou mais de 2 mil pessoas, homem Hu, general feroz, suspeita-se que fosse um oficial militar, tribo desconhecida… Isso é sério?!
“Eu já dei meu remédio a ele, e agora você me diz que ele carrega milhares de vidas nas costas?” Chen Xing protestou, indignado.
Zhu Xu retrucou, exasperado: “Eu te avisei para não soltá-lo! Melhor… escolher outro.”
Chen Xing respondeu: “Dá pra mudar isso? Acho que não, né! Espera, acho que vou ter que… reconsiderar essa situação. Vou interrogá-lo em detalhes quando ele se recuperar — e se ele tiver sido injustiçado?”
Chen Xing, sentindo-se desconfortável, virou-se e saiu apressadamente. Zhu Xu franziu a testa profundamente. Ele se virou para olhar para baixo. Da mansão na parte norte da cidade, observou ao longe, além das muralhas: uma massa densa de tropas do reino de Qin cobria toda a extensão do horizonte.
◈ ◈ ◈
No mesmo instante, no quarto de hóspedes da mansão do governador, o homem de repente suspirou profundamente e voltou à vida.
Chen Xing voltou para o quarto, fechou a porta, olhou para fora e depois de volta para o homem. Ele estava vivo agora. O que eu faço? Devo estrangulá-lo até a morte? Mas, independentemente do que os outros digam, ele pelo menos merece uma chance de se defender, não? E ele é meu Protetor! Chen Xing já tratava aquele homem chamado Xiang Shu como “minha coisa”, então não poderia simplesmente matá-lo.
Ele decidiu que iria interrogá-lo assim que o homem pudesse falar. Chen Xing pediu uma bacia de água quente e começou a limpá-lo cuidadosamente.
“Seu nome é Xiang Shu?” Chen Xing observou o rosto do homem e murmurou: “Um homem Hu?”
O homem tinha um nariz alto, olhos fundos e traços faciais marcantes. O rosto, emaciado pela fome, parecia ainda mais angulado. A barba, não aparada por seis meses, e os cabelos emaranhados completavam o visual. Seu corpo inteiro estava coberto de cicatrizes — todas eram ferimentos antigos.
Chen Xing limitou-se a limpá-lo superficialmente — o resto da limpeza ficaria a cargo do próprio Xiang Shu quando se recuperasse. Enquanto o limpava, notou que o homem tinha dedos longilíneos, articulações marcadas, membros alongados, pés grandes e pernas que pareciam incrivelmente robustas e fortes.
Meu Protetor parece ser ótimo em combate, Chen Xing ficou bastante satisfeito.
Ele pegou uma agulha de prata da bolsa de medicamentos e inseriu-a em um ponto de acupuntura na cintura do homem. De repente, os olhos dele se abriram.
Chen Xing recuou levemente e levantou a agulha até o nariz para cheirá-la.
“Você foi envenenado”, disse ele, cauteloso. “Te dei uma pílula da revitalização. Nas próximas 12 horas, você não conseguirá se mover e nem falar. Amanhã à noite, a essa hora, seu corpo voltará ao normal, e você poderá se recuperar gradualmente comendo alguma coisa quando chegar a hora.”
O homem mantinha os olhos abertos, fixos em Chen Xing. Seu olhar era intenso, mas carregava uma perigosa ferocidade, como o de uma fera. Chen Xing inclinou levemente a cabeça, franziu a testa e lembrou-se das palavras de um Protetor Esquerdo.
“Você foi escolhido pela Lâmpada do Coração”, disse Chen Xing. “A partir de agora, você é um Deus Marcial Protetor. Eu sou o Grande Exorcista Chen Xing, nome de cortesia Tian Chi. Mas ouvi dizer que… você matou muitas pessoas. Isso é verdade?”
“Não importa o que você fez antes”, Chen Xing pensou por um momento e disse, relutante: “Se eu não tivesse te salvado, você não teria sobrevivido depois que esta cidade caísse em alguns dias. Isso você deveria saber, né? Você não pode fazer nada contra mim²⁵.”
O homem não podia falar, mas desviou o olhar para outro lugar. Chen Xing puxou a colcha e o cobriu com cuidado, ajustando as bordas. Enquanto fazia isso, sua mente divagava: Será que eu não deveria amarrar ele junto com a colcha para evitar surpresas? Se ele for um assassino e recuperar os movimentos assim que o remédio passar, seria difícil controlá-lo… A ideia de se tornar o primeiro exorcista da história morto pelo seu próprio protetor era patética demais para considerar.
Mas depois de pensar bastante, ele era, no fim das contas, o benfeitor desse cara — e ele não parecia um cachorro raivoso, então provavelmente não atacaria seu salvador… Chen Xing bocejou. Estava exausto. Sentou-se à mesa, apoiou-se nela e virou a cabeça para olhar para Xiang Shu.
Meio mês após deixar o Monte Hua, ele atravessou terras e águas para chegar a Xiangyang, cercada por todos os lados pelo exército de Qin. Gastou tanta energia só para entrar na cidade e, após dias de ansiedade e medo, ainda precisava pensar em um jeito de sair o mais rápido possível. Chen Xing estava exausto demais — nem tinha forças para encontrar uma corda para amarrar Xiang Shu. Só queria descansar um pouco, mas acabou adormecendo.
◈ ◈ ◈
Ele não sabia há quanto tempo dormia quando um som estridente o acordou bruscamente.
“O exército Qin está atacando a cidade—”
“A cidade caiu—”
Chen Xing ainda estava atordoado quando se levantou. Um barulho ensurdecedor ecoava lá fora — gritos, choros e o clamor da batalha misturavam-se num caos.
Impossível! Como pode ser tão coincidente? Chen Xing levantou-se rapidamente e saiu. O que ouviu foram gritos de luta e morte invadindo o pátio. Um vaso de fogo assobiou enquanto voava por cima e se espatifava no telhado da mansão do governador, que logo pegou fogo. Quando avançou mais, deparou-se com homens e mulheres em chamas na rua, contorcendo-se como dançarinos enlouquecidos enquanto corriam.
“A cidade caiu!” Um soldado irrompeu na sala, gritando: “Fujam! O governador correu para o lado sul da cidade! Ele está enfrentando os inimigos lá! Vão! Não percam tempo!”
Localizada ao norte, a mansão do governador foi o primeiro alvo a sofrer o impacto. Assim que as muralhas foram rompidas, a cavalaria inimiga desferiu ataques consecutivos contra o local.
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Notas:
1 “Cinco Bárbaros”, ou “Wu Hu”, é um exônimo histórico chinês para antigos povos não-chineses que imigraram para o norte da China durante a dinastia Han Oriental e, posteriormente, derrubaram a dinastia Jin Ocidental para estabelecer seus próprios reinos nos séculos IV e V. Os povos categorizados como os Cinco Bárbaros eram os Xiongnu, Jie, Xianbei, Di e Qiang. Desses cinco grupos étnicos tribais, os Xiongnu e os Xianbei eram povos nômades das pastagens do norte. A identidade étnica dos Xiongnu é incerta, mas os Xianbei parecem ter sido mongóis. Os Jie, outro povo pastoril, podem ter sido um ramo dos Xiongnu, que podem ter sido ienisseianos. Os Qiang eram das terras altas do oeste da China e eram predominantemente pastores que falavam línguas sino-tibetanas (tibeto-birmanesas). Enquanto isso, os Di eram agricultores que podem ter falado uma língua sino-tibetana ou turca.
2 Vestir-se de Deus para bancar o diabo = tentar enganar/trapacear pessoas.
3 Um notável diplomata e militar Han.
4 O termo da Dinastia Han para as regiões além do Passo Yumen é 西域 (Xī Yù), que se traduz como Regiões Ocidentais.
5 Fangshi = elaboram pílulas da imortalidade + curandeiros + adivinham através da astrologia. Danshi é um tipo de fangshi que apenas elabora pílulas.
6 Como yōkai. Traduzir como demônios/monstros seria muito específico.
7 O nome de um antigo estado no atual Sichuan.
8 Um pequeno reino bárbaro no sul da China durante a dinastia Han é conhecido como Yelang (夜郎).
9 Zhongyuan, Chungyuan ou a Planície Central (também conhecida como Zhongtu, Chungtu ou Zhongzhou, Chungchou) é a área nas baixas terras do Rio Amarelo que formou o berço da civilização chinesa. Ela faz parte da Planície do Norte da China.
10 O enchimento dos mares vem de uma antiga história chinesa sobre um pássaro Jingwei, a encarnação da filha de um deus que morreu afogada. Ela atirava pedras e grama no mar para ‘enchê-lo’, pois não queria que outras pessoas morressem afogadas como ela.
11 … Você consegue os “cinco fantasmas” para mover dinheiro para você, kkkkk.
12 Um filósofo chinês e fundador do Taoísmo.
13 Tradução retirada de Lin Yutang, 1948, “A sabedoria de Lao Tsé”. Nova York: The Modern Library. Pp. 41-42.
14 O período de reinado (307-313) do Imperador Huai da Dinastia Jin.
15 Um nome antigo para Nanjing é Jiankang (建康).
16 Dizia-se que o Rio Yangtze era uma fortaleza natural fácil de defender e intransponível.
17 O fundador do Zhao Posterior dos Dezesseis Reinos.
18 O genro do Imperador Jin.
19 Ran Min, também conhecido como Shi Min, homenageado postumamente por Yan Anterior como Rei Celestial Wudao de Wei, nome de cortesia Yongzeng, apelido Jinu, foi um líder militar durante a era dos Dezesseis Reinos na China e o único imperador do breve estado Ran Wei.
20 O Imperador de Qin Anterior, reinando de 357 a 385, foi Fu Jian (苻堅).
21 Em Shaanxi, a montanha ocidental das Cinco Montanhas Sagradas é o Monte Hua (华山 – Huà Shān).
22 Um termo para aqueles que protegem o Budismo.
23 Uma tradução literal seria “Demônio Divino”. Da Wikipedia: Mara, no Budismo, é o demônio que tentou o Príncipe Siddhartha (Gautama Buda) tentando seduzi-lo com a visão de belas mulheres que, em várias lendas, são frequentemente ditas serem filhas de Mara. Na cosmologia budista, Mara está associado à morte, ao renascimento e ao desejo. Nyanaponika Thera descreveu Mara como a “personificação das forças antagônicas à iluminação”.
24 Bem similar a fangshi, mas este é o termo pejorativo.
25 HAHAHAHAHAHA a frase que ele usou pode ser tanto começar uma briga com ele quanto dar uma cantada nele HAHAHA