O Primeiro Mandamento - Capítulo 21
Alexei balançou a cabeça.
— Eu já disse que não dá com você.
— Estou dizendo para usar só o meu corpo.
As palavras de Yuri, tratando-se como um objeto sem nenhuma preocupação, acabaram sendo o estopim. Ele não merecia esse tipo de tratamento. A voz de Alexei, antes contida, agora estava cheia de frustração.
— Eu tentei, mas não dá.
Respirando com dificuldade, Alexei encontrou o olhar de Yuri. Por muito tempo ele evitou essa conversa, mas agora não podia mais fugir.
— Você é uma pessoa muito importante para mim, Yuri, então pensei que poderia me apaixonar por você de uma maneira diferente. Tentei me esforçar, mas, Yuri, para mim você é apenas um alfa. Como um alfa pode gostar dessa maneira de outro alfa?
Os olhos azul-violeta de Yuri continuaram fixos em Alexei, sem desviar.
— Aqui pode ser um lugar diferente, mas eu simplesmente não consigo.
— Você está dizendo que é uma questão de gênero?
Yuri o desarmou com uma pergunta. Alexei sabia que, se continuasse, inevitavelmente o nome de Valery viria à tona. Decidindo evitar isso, ele se levantou da cadeira.
— Vamos conversar sobre isso depois.
— Já se passaram dois anos, Alyosha. Em comparação com o tempo que esperei por você, não é nada, e eu posso esperar ainda mais. Mas você…
Yuri pegou o frasco de remédio vazio e o colocou na mesa.
— Você está sofrendo.
O olhar do homem carregado de dor, tornou impossível para Alexei desviar os olhos.
— Está sofrendo porque não consegue esquecer.
— Altor disse que no máximo em um ano eu vou ficar bem.
— E nós dois sabemos que isso não é verdade.
Yuri derrubou o frasco na mesa. O som leve do plástico rolando sobre a superfície pareceu ensurdecedor naquela tensão.
— Quando você acha que será capaz de esquecer?
A pergunta, feita em um sussurro carregado de sofrimento, encurralou Alexei.
— Eu já esqueci de tudo.
Antes que Yuri pudesse contestar, ele continuou explicando:
— Já me viu falar sobre Lerusha? Não, né? Porque já esqueci de tudo. Você e o T-mac estavam certos, era uma perda de tempo, eu que fiquei obcecado sozinho. Eu não sou tão generoso assim, por que continuaria pensando em alguém que me odiava e desprezava? Alguém que me apagou de sua vida com muita facilidade? Eu também já esqueci, não penso mais nele como família.
Yuri permaneceu em silêncio, olhando fixamente para o frasco de remédio por um longo tempo. Quando Alexei se aproximou da mesa para encará-lo e tentar convencê-lo, Yuri finalmente quebrou o silêncio.
— Não sei.
Desviando o olhar do frasco, Yuri encarou Alexei por alguns segundos. Seus olhos estavam tristes, como se tentasse, de alguma forma, reconsiderar a ideia de que eles nunca poderiam ser mais do que amigos. Porém, só a possibilidade desse pensamento já fazia Alexei sentir uma intensa rejeição. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, mas antes que pudesse falar algo, Yuri disse algo inesperado:
— Acho que ele não te esqueceu.
— … O quê?
Alexei franziu a testa, surpreso com a declaração repentina, e perguntou:
— Eu não ia dizer nada. T-Mac também disse que você não pareceu muito interessado. E, na verdade, é melhor assim. Achei que se passearmos a vida toda assim… só eu e você, quem sabe um dia você começasse a me enxergar de verdade. Eu estou disposto a esperar. Esperar pacientemente é algo que eu sei fazer melhor do que ninguém.
Apesar das palavras, o tom de Yuri não era de resignação.
— Mas há uma coisa que eu ignorei.
Ainda sentado, ergueu os olhos para Alexei e sussurrou:
— Durante toda essa espera, perceber que você está sofrendo sem que eu possa fazer nada para ajudar… Isso é algo que eu não consigo suportar.
— Altor disse que eu vou ficar bem, Yuri. Eu já disse para não se preocupar à toa.
— Vê? Você ainda não entende. Você sempre foi assim. —Yuri se levantou da cadeira. — No dia em que seus pais morreram, você também não sabia como chorar. Eu entendo… Somos pessoas que não podem admitir que estamos machucados.
Ele se aproximou, olhando para Alexei de cima como se estivesse enxergando direto na essência dele.
— Desde que chegou aqui, nunca te vi sorrir de verdade.
— Não é verdade.
Alexei não entendeu o que Yuri queria dizer. Ele ria das piadas de T-Mac com frequência, e ainda há poucos minutos, ao entrar em casa, ele tinha sorrido para Yuri, não tinha?
— Você está claramente vivendo mais como um ser humano do que antes, mas nunca sorri de verdade.
— Para com isso.
— A última vez que você sorriu daquele jeito, como quando estava com Valery Sorokin, foi há dois anos.
Alexei tentou rebater, mas as palavras do amigo o deixaram sem resposta. Yuri, como se já soubesse disso, ficou em silêncio ao lado dele.
— …Valery Belov. Não Sorokin.
Essa foi a única resposta que Alexei conseguiu dar.
— Mas você ainda o considera como Sorokin, não é?
— Esse nome foi algo que eu tirei dele.
— Então, Alyosha…
Yuri estendeu o braço com calma e puxou um pequeno envelope de papel pardo que estava sobre a mesa, o qual Alexei não havia notado antes. Com um leve toque dos dedos, ele empurrou o envelope para frente.
— Leia isso e decida. Se você está realmente pronto para deixar isso para trás ou se….
‘O que diabos isso significa…?’
— Meu pai pediu que eu resolvesse algo, então vou sair por um tempo. Se, quando eu voltar, você ainda estiver aqui, eu vou acreditar em você. E vou simplesmente esperar o seu tempo…. Porque, para mim, isso já será o suficiente…
Deixando apenas confusão para trás, Yuri pegou seu casaco. Alexei, ainda atordoado, olhou para o fino casaco de inverno, tão diferente do que costumava usar em Saratov. Antes de sair, Yuri disse suas últimas palavras:
— Pessoalmente, eu gostaria que você ainda estivesse aqui quando eu voltar.
No entanto, o rosto do homem, ao dizer isso, parecia amargo, como se estivesse expressando um desejo impossível.
— Yuri, me explica direito antes de ir.
— Quando você abrir, vai entender.
Como alguém que se força a ir embora, Yuri suspirou suavemente, olhou para Alexei mais uma vez e, em seguida, curvou os lábios em um sorriso leve antes de virar de costas. Alexei ficou observando enquanto Yuri passava pela sala de estar, fechava a porta e, por fim, ouviu o som da chave girando na fechadura. Só então ele lentamente, se virou.
A cor do envelope, feito de papel reciclado, lembrava vagamente aquele que Valery havia deixado cair no depósito. Ele ficou olhando para o envelope fino e leve, sem saber o que havia dentro, mas com a certeza de uma coisa: se eu abrir isso algo mudará.
Como um animal cauteloso diante do desconhecido, Alexei permaneceu parado por um longo tempo, com o envelope deixado por Yuri bem diante dele. Ele sabia que nada de bom viria ao abri-lo, mas a ansiedade continuava a se espalhar por todo o seu corpo. As palavras de T-Mac sobre o artigo envolvendo Valery gritavam incessantemente em sua mente.
‘Ignore isso, Alexei.’
Ele sussurrou para si mesmo. Era evidente que aquele envelope continha algo relacionado a Valery, e Alexei sabia que, ao olhar, acabaria reagindo de alguma forma. Por isso, ele havia se forçado a manter distância, evitando qualquer interesse.
‘Você não precisa saber. Não faça nada que possa te prejudicar. Pelo menos agora, você decidiu assim. Essa obsessão por Valery é como despejar água em um balde furado — não importa o quanto você queira preenchê-lo, ele continuará vazio. E você, estupidamente, desejará que Valery queira apenas você, alimentando sua obsessão até causar outro desastre.’
Mesmo com esses pensamentos, Alexei não conseguiu resistir. No final, estendeu a mão. Era inevitável. Tremendo de hesitação, ele abriu o envelope. Dentro havia um pequeno recorte de jornal, a data era de dez dias atrás. Parecia ter sido retirado de uma revista de fofocas, com uma matéria surpreendentemente detalhada. Mas antes mesmo de ler o título, os olhos de Alexei encontraram uma frase específica.
[Valery Belov está em estado crítico após acidente de trânsito.]
A força sumiu das mãos de Alexei, que segurava o recorte de jornal. O envelope caiu no chão com um leve som seco, e por um momento, sua mente ficou completamente vazia. Quando percebeu o que estava fazendo, Alexei já estava dentro de um táxi a caminho do aeroporto.
Dentro do envelope que Alexei deixou cair, havia uma passagem de avião com destino a Nova York.
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Continua….