O Primeiro Mandamento - Capítulo 15
Alexei contou tudo o que sabia para Khaleesi Winter. Primeiro, o sistema deles, incluindo o livro de contabilidade das refinarias no porão da pizzaria que T-mak e ele administravam, além de outras instalações de lavagem de dinheiro em diversos lugares. Ele também mencionou o contador especializado de Igor, o arsenal administrado por Sergey, e, o mais importante, as fábricas.
O clube administrado por Ivan era apenas um dos locais de distribuição, mas havia três fábricas no total. A maior delas era administrada por Bogdan e Vadim, e Alexei não tinha acesso a elas. No entanto, ele era responsável por receber os produtos deles, distribuí-los ilegalmente pelo país e encontrar transportadores, foi nesse momento que Alexei percebeu que estava à deriva. Ele não sabia exatamente onde ficavam as fábricas, mas tinha uma ideia de uma delas. Uma vez, quando Vadim e Bogdan tiveram problemas na fábrica e Ivan o usou como guarda-costas, Alexei ouviu claramente Ivan, bêbado, dizer para um ele: “Um cara como você nunca colocaria os pés no leste.” Além disso, Vasily havia mencionado que Igor, no passado, construiu uma fábrica em uma área estratégica próxima à estação ferroviária de Saratov.
Alexei também se lembrava do cheiro que Vadim ou Bogdan traziam quando voltavam das fábricas. Era o cheiro de serragem fresca, algo que ele associava às memórias de infância com seu pai. E pelo que ele lembrava, a única fábrica que lidava com madeira e móveis em Saratov ficava no leste, na Moyakh. A fábrica de Moyakh foi construída após a TJ Maxx deixar um enorme edifício na região e já tinha muitos anos de existência.
Aqui está a tradução mais coerente possível para o português:
As outras duas fábricas também foram informações que ouviu por acaso. Ele sabia com certeza que havia uma no norte, mas não sabia a localização exata, e a outra era uma instalação menor, que cultivava maconha de baixa qualidade. Provavelmente ficava no sul. Não é fácil cultivar maconha adequadamente, e é ainda mais difícil melhorá-la se não for um especialista a localização era muito importante, e era por isso que aconteciam tantos problemas até mesmo no México.
A gravação estava em andamento, e Khaleesi Winter, junto com outros policiais de Saratov, anotava o depoimento de Alexei. Assim que o depoimento terminou, Khaleesi que foi informada de algo saiu apressada. Alexei, então, foi levado por outros policiais e, em seguida, transferido para a cela da delegacia. Independentemente da situação, ele havia se entregado com drogas, então seria formalmente acusado de crime relacionado a entorpecentes. Mesmo que houvesse outras acusações a seguir, o julgamento seria rápido e ele seria considerado culpado. Como a quantidade em posse correspondia a um crime grave e Alexei estava associado a Igor Volkov, o Estado provavelmente designaria um defensor público para ele, e após todo o trâmite burocrático, ele acabaria na prisão, sem dúvidas.
Claro, se ele não morresse antes.
Foi colocado em uma cela especial na delegacia, separado dos infratores menos graves, era uma pequena sala com um beliche para duas pessoas. Enquanto ele olhava para as paredes cinzentas manchadas de sujeira, um policial jogou-lhe um cobertor e um travesseiro. Ao seguir o gesto desdenhoso do policial, ele percebeu que já sabiam quem ele era. Ele se perguntou se não deveria ter ao menos a oportunidade de fazer uma ligação, mas pensou na sua situação e aceitou o fato de que não faria diferença.
Então ele adormeceu profundamente, sem saber exatamente quando, depois de mais de 24 horas acordado, seu corpo finalmente cedeu à exaustão. Seu cérebro já ansiava por escapar, e ele sabia que o mais sensato seria descansar um pouco. Ele apagou como se tivesse desmaiado, deitado na cama dura sem colchão.
Por um longo tempo, tudo ficou escuro. Ele não sonhou. Apenas acordava brevemente quando os policiais traziam comida, que ele ignorava antes de voltar a dormir. Ouviu alguns xingamentos e barulhos, mas ninguém o acordou à força. Ele conseguia ouvir sons de rádio e passos apressados, sinais de que as informações que havia fornecido estavam causando movimento, parecia que todos estavam ocupados demais para se preocuparem com ele. Afinal, não era uma grande cidade, e um caso desse tamanho mobilizou quase todo o efetivo da polícia.
Teria sido melhor se Alexei tivesse simplesmente caído de novo em um sono profundo, como antes de acordar, mas sua mente exausta trouxe de volta lembranças de 15 anos atrás. Aquela noite, aquele momento, referidos de forma vaga, sem que ninguém falasse diretamente sobre ‘aquela noite’. Retornou às memórias do dia em que seus pais morreram. Memórias que ele havia enterrado por tanto tempo, nunca surgindo durante todo o tempo que passou com Valery, mas que foram finalmente trazidas à tona pela investigação de Ryan Winter.
Naquela noite, a neve caía intensamente. Tinha começado a nevar desde a tarde, cobrindo o céu com um cinza espesso, como uma névoa que escondia toda a cidade. Seu pai havia acabado de receber a ordem de Igor para matar Maksim Belov e levar Alisa Belov, o prazo era até aquele dia, e, desde o amanhecer, o pai de Aleksei estava sentado na sala de estar, em silêncio, olhando para uma garrafa de vodca à sua frente.
Na manhã em que seu pai finalmente tomou uma decisão, Alexei foi acordado cedo pelo toque de sua mãe. Enquanto ele piscava os olhos ainda sonolentos, sua mãe bagunçou seu cabelo e, com uma expressão que ele nunca havia visto antes, falou suavemente com ele.
“Alyosha, você sempre disse que não gostava de lugares frios, não é?”
Agora que pensava nisso, parecia que ele realmente havia dito isso muitas vezes quando era pequeno. “Sim” sua mãe disse isso com carinho.
“Sim, não gosto.”
“Então, vamos para um lugar mais quente, meu querido. Lá, você poderá ir à escola mais confortável e não precisaremos mais viver dessa forma.”
Sem entender a situação que jamais imaginou, Alexei ficou apenas olhando para ela com os olhos arregalados. Sua mãe acariciou sua cabeça com ternura.
“Mas temos que ir em silêncio. Você não pode contar para Yuri, nem para mais ninguém, entendeu?”
“Vamos só nós? E o Lerusha?”
“Claro que vamos levar seu irmão também.”
Embora todos soubessem que Valery não era do mesmo sangue, Alexei e sua mãe sempre o chamavam de irmão. Ao ouvir que os Belov iriam juntos, ele sorriu, sem ter ideia do que estava para acontecer. O sono desapareceu de repente, e ele ficou completamente desperto.
“Podemos ir agora?”
“Não.”
Com essa resposta, sua mãe o agarrou pelo pulso, com firmeza.
“Nós vamos encontrar o Lerusha à noite. Você se lembra da prefeitura, onde o Rio Vermelho passa? Vamos nos encontrar lá e partir, então aguente firme até lá.”
Aleksei, que imaginava que pegariam um ônibus como o Greyhound, um trem ou talvez até um avião, ficou um pouco decepcionado. Naturalmente, ele achou aquilo estranho. Um sentimento de inquietação começou a surgir inconscientemente, já que seus pais sempre haviam dito que era impossível deixar aquele lugar.
No entanto, em vez de fazer perguntas, ele decidiu seguir o que sua mãe disse. Ele amava seus pais, e seguir a decisão de quem se ama parecia ser o mais natural a se fazer. Acima de tudo, tinha certeza de que seus pais jamais fariam algo que pudesse prejudicá-lo. A confiança era uma das virtudes que seu pai sempre enfatizava como algo a ser mantido. Seguindo fielmente esses ensinamentos, Alexei começou a arrumar as malas com sua mãe enquanto seu pai estava fora, eles não podiam levar muita coisa. Exceto por maços de dinheiro, as roupas que estavam vestindo e algumas roupas extras, Alexei teve que deixar para trás todos os brinquedos que tanto gostava. Ele também lamentou o fato de não ter tido tempo para se despedir de Yuri.
Mas, ao menos, Valery estava indo com eles.
Essa ideia foi suficiente para Alexei deixar de lado qualquer frustração. O tempo parecia passar devagar. Sua mãe verificava o relógio repetidamente, dizendo que partiram assim que seu pai voltasse. Quando finalmente o ponteiro do relógio da sala apontou para o nove, seu pai entrou em casa com botas grossas, coberto de neve. Ele rapidamente os apressou, dissipando o silêncio anterior.
A saída foi cheia de tensão, eles se certificaram de que nenhum vizinho os visse ao sair pelas vielas. A família Sorokin manteve-se agachada, com os capuzes de seus casacos grossos puxados para baixo. Usando apenas becos, eles levaram 40 minutos para percorrer o que normalmente fariam em 20. No destino, havia rostos conhecidos esperando. O casal Belov, que já estava lá, se assustou ao ouvir passos, mas logo ficou visivelmente aliviado ao ver quem se aproximava.
‘Muito obrigada, Misha. Muito, muito obrigada.’
Alisa agradeceu com uma voz quase apagada. Foi nesse momento que Alexei percebeu que não estavam em uma divertida aventura, como havia imaginado. O medo apertou seu coração com força. O que o acalmou foi a pequena mão que segurou a sua.
‘Alyosha!’
Valery, com uma voz clara, segurou sua mão com um rosto adorável. Alexei, que havia crescido rapidamente e era mais alto que seus colegas, pegou Valery facilmente no colo. O encantador menino loiro sorriu brilhantemente e segurou o rosto dele com suas pequenas mãos.
“Alyosha! Estava com saudades!”
“Eu também, Lerusha.”
A ansiedade de Alexei se dissipou. O calor suave e o rosto adorável de Valery fizeram-no esquecer suas preocupações, e ele deu um beijo suave no garoto. Valery riu alegremente, aconchegado nos braços de Alexei. Maksim, que observava a cena com uma mistura de culpa e gratidão no rosto, disse a Alexei:
“Desculpe, Alyosha. Se não for incômodo, poderia cuidar bem da Lerusha?”
“Claro, eu sempre vou cuidar dele.”
Alisa, com os olhos vermelhos de chorar, sorriu ao ver os dois juntos.
“Acho que a Lerusha gosta mais de você do que de mim.”
“Não é verdade.”
Mesmo dizendo isso, Alexei não se importava. Como se confirmasse as palavras de Alisa, Valery se aconchegou ainda mais nos braços dele, ao ouvi-lo murmurar baixinho, Alexei o apertou mais forte e soprou suavemente o ar quente em sua orelha vermelha. Valery riu e esfregando a orelha, mas sem tentar escapar. Mikhail, ao lado, alertou:
“A partir de agora, temos que ficar quietos, Alyosha. Você também deve manter a Lerusha em silêncio. A partir de agora, sua irmão é sua responsabilidade.”
Com um tom severo, Mikhail parecia preocupado por Alexei, mas Maksim interveio:
“Mikhail, não precisa ser tão duro…”
“Sou o padrinho de Valery, e Alexei é praticamente seu irmão. Então, é responsabilidade dele cuidar do garoto, não se preocupe.”
Embora o tom de Mikhail fosse rígido, Maksim não pareceu se importar e assentiu. Após a breve conversa, todos seguiram contornando o edifício da prefeitura, caminhando em direção ao rio, onde as sombras dos prédios cobriam a margem. Disseram que em dez minutos, ao final daquele caminho, encontrariam o carro que os esperava. Até então, estava tudo tranquilo.
Havia aquela sensação tranquila no ar que só vem em dias de neve. Uma noite tranquila, sem pessoas por perto, onde apenas o som da neve caindo preenchia o ambiente. O calor dessa serenidade envolvia seus corpos. Alexei pensou que, quando Valery crescesse mais, ele faria bonecos de neve com ele, o ensinaria a jogar guerra de bolas de neve e como andar de trenó e patinar.
Enquanto pensava nisso, Alexei continuou caminhando sem soltar Valery de seus braços. O menino, que antes estava animado, logo adormeceu, pendurado nele. Embora Valery fosse um Alfa como ele, naquele momento ele parecia tão adorável quanto um Ômega. Não, ele era simplesmente adorável. Alexei deu um beijo suave no topo de sua cabeça, que cheirava a sabonete, e silenciosamente seguiu os adultos.
O primeiro infortúnio apareceu exatamente 10 minutos depois, sem qualquer sinal de alerta, como um ataque inesperado. Mikhail, que ia à frente, parou de repente. À distância, um carro apareceu. À primeira vista, parecia ser o carro que eles estavam esperando, e Alexei não percebeu nada de estranho.
“Aquele é o carro?”
Perguntou Alisa com uma voz cansada. Mikhail fez um gesto de silêncio, criando uma sombra com a mão para enxergar melhor através da nevasca. Ele ficou em silêncio por um momento, depois se virou para Alexei e falou:
“Alexei, leve Valery e vá para outro lugar por enquanto.”
“…Misha?”
Alisa e Nina o chamaram ao mesmo tempo, confusas. Ainda hesitante, Alexei ficou parado por um instante, mas Mikhail repetiu com firmeza:
“Só por precaução, afaste-se por enquanto. Vá para o oeste, de volta pelo caminho que viemos, e siga até a rua. Lembra-se daquele beco tranquilo onde você e Yuri pularam a cerca e se machucaram? Vá para lá.”
“Misha, o que está acontecendo?”
“Aquele não é o carro da pessoa com quem combinamos. À primeira vista, parece da mesma cor, mas é um modelo diferente. Talvez Smirnov tenha trocado de carro, mas não podemos ter certeza.”
“Não podemos simplesmente voltar todos juntos?”
“Eles já nos notaram. Se todos nos virarmos agora, o carro nos alcançará mais rápido. Alisa, temos que mandar as crianças primeiro.”
A voz de Mikhail ficou mais severa, mostrando sua decisão. Nina, que estava ouvindo, foi a primeira a agir. Com os lábios firmemente cerrados, ela olhou para trás com o rosto tenso. Em seguida, segurou o ombro de Alexei com força e olhou diretamente em seus olhos.
O instinto de Alexei sussurrou em seu coração: aquilo era uma despedida.
“Alyosha, lembre-se disso.”
Os olhares de Alisa e Maksim se cruzaram com o de Alexei.
“Você precisa cuidar de Valery,” disse Alisa, com a voz embargada por um soluço de angústia. Ela estendeu a mão, chamando “meu querido,” mas Maksim a segurou firmemente. Com uma expressão dura, Maksim olhou para Alexei e falou:
“Vá, Alyosha.”
A voz grave de Mikhail empurrou Alexei, que hesitava.
“Vá agora, Alexei!”
Embora não houvesse força física naquela ordem, Alexei começou a recuar, seus pés obedecendo mesmo que suas mãos tremessem. Seu olhar, no entanto, buscava desesperadamente um lugar para se esconder. Como se para protegê-los, Mikhail voltou a liderar o caminho, seguido por Nina, enquanto Maksim, segurando a relutante Alisa, acompanhava logo atrás. Alexei olhou para trás várias vezes, mas logo mordeu os lábios e começou a correr. Apesar da dor crescente nos braços de carregar Valery por tanto tempo, ele resistiu e, escondido nas sombras, correu para o local que seu pai havia indicado.
O beco estava silencioso. Alexei, ainda segurando Valery com força, se escondeu entre enormes latas de lixo, onde a comida e embalagens eram descartadas por restaurantes próximos. As latas, maiores que um adulto, eram suficientes para esconder os dois. Sem fôlego, ele começou a contar o tempo em sua mente, contou os segundos, que se tornaram minutos, e depois horas…
Mas seus pais não apareceram.
O medo de que poderiam morrer de frio surgiu quando a sonolência começou a dominá-lo. Alexei, lutando contra o cansaço, deu um tapa no próprio rosto e soprou nas mãos geladas para aquecê-las. Mesmo apertando Valery com força, o corpo dele também estava ficando frio. Nesse momento, Valery despertou. Com seus longos cílios dourados piscando, elr olhou para Alexei.
“Alyosha…”
“Sim, Lerusha,”
“Onde está a mamãe?”
Com uma voz inocente, Valery fez a pergunta, e Alexei fez uma expressão desconfortável.
“Ela foi comprar algo para comer. Se esperarmos aqui, ela virá nos buscar.”
“Hummm..”
Valery começou a resmungar logo em seguida. Se ele já estava com frio, imagine Valery, que era bem mais novo. Alexei desfez o cachecol que usava e o enrolou no pescoço do menino que se calou imediatamente, mas logo perguntou:
“Você não está com frio, Alyosha?”
“Não.”
“Mas está frio…”
Quando Valery tentou devolver o cachecol, Alexei sentiu uma onda de emoção tomar conta dele. Não sabia por que aquele sentimento surgiu tão de repente, mas ver Valery, que não sabia de nada e ainda assim se preocupava com ele, o fez sentir um desespero avassalador.
‘E se todos estiverem mortos?’
Esse pensamento o atingiu. Alexei já sabia, há muito tempo, a qual tipo de mundo seu pai e sua mãe pertenciam, e sempre que seu pai fazia aquela expressão, algo grave acontecia.
“Alyosha, você está machucado?”
Naquele momento, uma pequena mão tocou sua bochecha. O calor daquela mão contra sua bochecha gelada e dormente o fez morder os lábios com força. Lutando para afastar as imagens sinistras que passavam por sua mente, Alexei balançou a cabeça. Ele queria acreditar que tudo ficaria bem. Mas não podiam esperar mais ali; estava muito frio. Ainda assim, ele não podia desobedecer à promessa que fez aos pais, então não podiam ir embora. E era impossível mandar Valery ir verificar as coisas, ele era muito novo para isso…
“Não, eu estou bem. Mas, Lerusha, há algo que você precisa fazer.”
“Sim!”
Valery inclinou a cabeça de lado, mas respondeu de maneira obediente. Alexei respirou fundo e, com esforço, se levantou, puxando Valery com ele. Ele abriu uma grande caixa de reciclagem, cheia de caixas de papelão, era grande o suficiente para caber três ou quatro adultos e, lá dentro, estava mais quente do que do lado de fora.
“Fique aqui dentro e não faça nenhum barulho até eu voltar.”
Pela primeira vez, Valery fez uma expressão triste. Mesmo quando estava com fome, ele não chorava. Mas agora, seus olhos verdes se encheram de lágrimas.
“Aonde você vai…?”
Alexei rapidamente deu um beijo na bochecha de Valery, que estava prestes a chorar. Ele acariciou os cabelos do garoto com suavidade e colocou seu próprio chapéu na cabeça dele.
“Eu volto logo. Vou procurar sua mamãe e a minha.”
“Posso ir junto?”
“Está muito frio, então não pode. Você confia em mim, não é, Lerusha?”
Mesmo sabendo que Valery ainda era jovem demais para entender completamente o que era confiar, Alexei fez a pergunta. Valery, com os olhos marejados, engoliu o choro e acenou com a cabeça, ainda que de forma hesitante.
“…Sim.”
“Você sabe que eu te amo, certo?”
Essas palavras fizeram o menino sorrir imediatamente. Seus olhos, ainda brilhando com lágrimas, iluminaram-se de novo.
“Sim!”
“Então eu vou voltar para te buscar. Não saia daqui de jeito nenhum, Lerusha.”
Alexei segurou as mãos do garoto e deu um beijo nas costas das suas mãos. Valery acenou com a cabeça. Embora um traço de medo passasse pelo seu rosto, ele não demonstrou e apenas deixou Alexei fazer o que fosse necessário. Alexei pegou Valery no colo e, com algum esforço, colocou-o dentro do compartimento de coleta, ele precisava ser rápido, verificar a situação e voltar. Ao se afastar, um sentimento de apreensão o fez olhar novamente para dentro. Valery estava encolhido abraçando os joelhos, olhando para cima. Quando seus olhos se encontraram na escuridão, os cabelos loiros do garoto pareciam brilhar, ele inclinou a cabeça e acenou com a mão.
Dizendo para que ele fosse logo.
Com isso, Alexei começou a correr, correu com toda a força por uma rua deserta. Suas botas de couro com forro de peles eram pesadas demais para correr, e ele caiu várias vezes, mas se levantou e continuou e finalmente, chegou ao local onde esteve com sua família. Ele tinha uma esperança ilógica de que encontraria seus pais esperando por ele.
Mas o que viu foram apenas dois adultos.
A cena parecia estranha, eles estavam deitados na neve. Não, a neve não era branca e à medida que Alexei se aproximava, a neve se tornou manchada de vermelho. O cheiro de sangue, congelado pelo ar frio, perfurou suas narinas. Alexei sabia quem eram, sem precisar ver os rostos. Os cabelos loiros de Alisa e os castanhos de Maksim eram inconfundíveis. Suas roupas, a neve ao redor deles, tudo estava coberto de sangue, havia mais sangue espalhado do que poderia haver nos corpos de apenas duas pessoas. Pouco depois, Alexei avistou o cachecol de sua mãe caído nas proximidades, nesse momento sua mente ficou completamente em branco.
Foi a primeira vez que Alexei viu alguém morto naquele dia. E não era apenas uma pessoa conhecida. Não, era muito mais do que isso…
Completamente congelado, Alexei ficou ali, olhando fixamente para a cena. Nem pensou em verificar para onde iam as marcas dos pneus ao redor deles. Hoje, ele teria feito isso, mas, naquela época, Alexei não conseguia pensar em nada.
‘Para onde foram meus pais, o que devo fazer de agora em diante, o que devo fazer agora… ?’
Sem conseguir respostas, ele começou a tremer. Instintivamente, seu corpo estremeceu e seus dentes bateram, seu estômago embrulhou, e suas pernas fraquejaram. As pernas, que mal conseguiam sustentá-lo, finalmente cederam, e Alexei caiu no chão, vomitando violentamente. Ele expeliu o ácido estomacal com dor, tentando engolir o choro. Mesmo diante de uma cena tão horrível, o pensamento de que estava congelando o deixava ainda mais apavorado.
Ele ficou assim por um longo tempo. Queria se levantar, mas o medo do que tinha acabado de testemunhar o impedia. Foi então que ele pensou em Valery. No instante em que imaginou o garotinho sentado, congelando, Alexei conseguiu reunir um pouco de força, e foi um movimento puramente instintivo.
Cambaleando, ele começou a andar, com grande dificuldade, não conseguia mais correr como antes. Depois de tanto tempo exposto ao ar gelado, seu corpo começava a esquentar devido ao esforço, mas Alexei arrastou os pés dormentes até a rua onde estava o cartaz da companhia de balé.
‘E se Valery também estiver morto?’
Esse pensamento o apavorou. Suas mãos começaram a tremer ao lembrar de Alisa, que sempre o acolhia com carinho, e o sorriso de Maksim, que lhe ensinava xadrez e pôquer e no menino que estava no centro dessas pessoas, que haviam trazido calor à sua vida pela primeira vez… e se ele estivesse morto, como os outros?
Alexei mal conseguia se mover.
Mas, segundos depois, ele ouviu um som.
“Alyosha?”
A voz suave de Valery ecoou de dentro da caixa de coleta. Era um som muito baixo, mas ele ouviu claramente. Alexei soltou um suspiro que parecia um grito e correu até lá. Cambaleando como um louco, ele tropeçou várias vezes antes de finalmente abrir a porta da caixa. E lá, ele encontrou uma luz.
“Você veio.”
Valery sussurrou baixinho, sorrindo como se já estivesse esperando por ele. Apesar de parecer que deveria estar nervoso ou assustado, o garoto sorria abertamente, como se tivesse certeza de que Alexei voltaria. Ao ver aquele rosto cheio de confiança, Alexei desabou por dentro. Mordendo os lábios, ele estendeu a mão para Valery. O menino, que se apoiava nas caixas para se levantar, abriu os braços para ser pego, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e Alexei o abraçou, soltando um longo suspiro.
‘Obrigado, Lerusha.’
Ele sussurrou para si mesmo enquanto apertava Valery com força. Sentindo o peito trêmulo e agitado, Valery perguntou, confuso, ao seu ouvido:
“Alyosha, você está machucado?”
Alexei balançou a cabeça. Queria dizer algo, mas tinha medo de que, se falasse, começaria a chorar, então, ele apenas segurou Valery com mais força, respirando ofegante. ‘Obrigado por não ter morrido. Obrigado por me esperar. Lerusha, eu vou estar sempre com você.’
‘Eu vou te proteger.’
‘Não importa o que aconteça, eu prometo.’
* * *
—Ei, acorde!
A sensação de calor que estava em seus braços desapareceu, e Alexei abriu os olhos. As emoções eram tão intensas que ele ainda sentia uma dor no peito. Seus olhos estavam secos, e sua garganta estava áspera. Quando ele mexeu os dedos, uma voz do outro lado das grades da cela chamou sua atenção, dessa vez, parecia que estavam falando com outra pessoa.
—Parece que ele não está morto. Deixei a ambulância de prontidão.
A voz era de um homem, não parecia ser Khaleesi Winter, e Alexei também não o reconhecia. Ignorando a dor de cabeça que começou a aparecer, ele se levantou devagar, não tinha noção de quanto tempo havia passado, mas parecia ter sido um bom tempo. Quando virou a cabeça lentamente, viu um homem com cabelos de um tom suave de cinza do outro lado das grades. Ele era bonito, com uma aparência gentil, apesar de ser alto e ter uma constituição robusta, não parecia alguém envolvido em atividades violentas.
—Finalmente acordou. Estava prestes a jogar água em você, mas desisti, pensei que estava morto, já que não acordava há quase um dia, mas ainda bem. Caso contrário, a chefe teria me matado.
Uma voz animada ecoou. A voz era tão gentil quanto a aparência suave da pessoa. Alexei limpou a garganta rouca e chamou pelo nome dele.
—…Dante Rieri.
Agora que via bem, percebeu que ele era um dos subordinados de Khaleesi, o alvo que Yuri deveria eliminar. Havia rumores de que sua rápida promoção, apesar da pouca experiência, era por causa do treinamento de Khaleesi. Quando ouviu seu nome, Dante ergueu as sobrancelhas e fez uma cara séria.
—Você me conhece? Isso me incomoda. Como sabe meu nome?
Alexei, ao esticar o pescoço dolorido, respondeu brevemente.
—Recebi a ordem de te matar.
O silêncio tomou conta do ambiente por um instante. Dante fez um “hum” e deu um passo para trás, colocando a mão na cintura. Vendo isso, Alexei soltou uma risada debochada.
—Está com medo?
—Essa piada foi longe demais.
—Parece piada para você?
Dante novamente assumiu uma postura de alerta. Alexei bocejou rapidamente e saiu da cama, embora fosse difícil acreditar que tinha dormido por mais de um dia, seu estado físico sugeria que era verdade.
—Agora vão acrescentar a acusação de ameaçar um policial.
—Não se preocupe. Meu alvo não era você, e sim outra pessoa.
—Você nunca aprendeu a não fazer declarações incriminatórias ou a exercer o direito ao silêncio? Até na escola ensinam isso.
Alexei deu de ombros, sem se dar ao trabalho de responder, e começou a olhar ao redor. Queria lavar o rosto, também estava começando a sentir fome. Ao entrar na cela, suas algemas já tinham sido removidas, então ele podia se mover sem grandes dificuldades. Ele foi até a pia rudimentar e abriu a torneira. Apenas um filete de água, fraco como um jato de urina, saiu, não era o ideal, mas era a vida à qual teria que se acostumar a partir de agora.
Ah…
Vou ter que viver assim?
Um pensamento estranho surgiu novamente. Não faço ideia de onde foi parar aquela versão de mim que, aterrorizada, repetia que precisava sobreviver de qualquer maneira. Alexei, durante o tempo em que dormiu, não sentiu melhora alguma, apenas um vazio ainda maior, e isso o fez rir de si mesmo. No entanto, o trabalho ainda não havia terminado, então não era hora para esses pensamentos. Ao revisitar aquele dia, uma onda de emoções se agitou dentro dele, mas o sonho se interrompeu pela metade, o que foi um alívio. Depois de pegar Valéry e ir encontrar Vasily, coisas ainda mais terríveis o aguardavam. Se tivesse lembrado até aquele ponto, teria ficado com uma sensação terrivelmente desagradável.
—Já marcaram a data do julgamento? Achei que ainda teria que esperar um pouco mais.
Enquanto lavava o rosto, Alexei perguntou a Dante o que observava, encostado no corredor.
—Quem te ouvir falando assim vai pensar que você está louco para ir para a prisão.
—Se for possível, peça para me colocarem no mesmo lugar que Igor. Assim vou poder matá-lo.
Embora dito de forma leve, era uma verdade. Esse era um desejo maligno que ele mantinha em segredo há muito tempo. Ele nunca o havia expressado em voz alta, pois precisava reprimi-lo para sobreviver, no entanto, à medida que seu passado reprimido começava a emergir lentamente, as emoções começaram a transbordar.
—Acho que Khaleesi estava certa.
Dante murmurou como se achasse interessante. Parecia alguém que falava demais.
—Falta de lealdade é comum, mas alguém que quer matar tanto outra pessoa assim é raro. Quem ouvir vai pensar que Igor é seu maior inimigo.
Mesmo dizendo por dizer, Dante acertou.
—Na verdade, isso é surpreendente comum.
Alexei decidiu responder da mesma forma. Ele não tinha cabeça para pensar profundamente. Estava tonto e não se sentia bem, parecia estar pegando um resfriado.
—Você sabe que eu sou um policial.
Com os braços cruzados, Dante continuou.
—Geralmente, caras como você, que foram abandonados, têm medo de morrer e acabam cooperando. Alguns ficam furiosos, mas olha, essa é a primeira vez que vejo alguém se entregar e falar tudo tão facilmente.
—Não é como se isso nunca acontecesse.
—Esse não é o comportamento esperado de alguém que trabalhou a vida toda para um só homem.
Dante encerrou a conversa unilateral e se endireitou.
—De qualquer forma, prepare-se para sair daqui a pouco. Khaleesi tem algumas perguntas para te fazer. Surpreendentemente, a maior parte do que você disse era verdade, então tivemos mais resultados do que o esperado.
Disse Dante enquanto se aproximava das grades. As luzes piscaram atrás dele. Um apagão? Quando havia uma nevasca forte, isso costumava acontecer, e estava nevando desde ontem, então fazia sentido.
—Ainda está nevando lá fora?
Dante balançou a cabeça.
—Não. Parou.
Algo parecia errado. Talvez fosse o ambiente hostil no qual Alexei havia sobrevivido, mas ele geralmente tinha um bom instinto quando se tratava de perigo. Pensar que alguém como ele poderia enganar os olhos de Igor enquanto tirava pessoas de lá parecia uma piada, mas algo o estava incomodando.
—Com ‘resultados’ você quer dizer… encontraram a fábrica?
Dante assentiu enquanto tirava as algemas.
—Demorou um pouco para achar, mas conseguimos nos adiantar.
A inquietação aumentou, Alexei pensou que o corredor estava perigosamente silencioso. Parecia que mais pessoas estavam por lá quando Dante começou a falar. Normalmente, havia dois guardas em turnos, vigiando o lugar, não? Mesmo na fábrica, havia sempre alguém de olho. O fato de não haver ninguém vigiando na delegacia parecia absurdo.
De repente, Alexei lembrou-se daquele homem que entrou aqui orgulhosamente no passado, matou o pai de Ryan Winter e foi embora. Khaleesi Winter achava que tinha sido Yuri, mas todos na organização sabiam quem realmente tinha sido. Bogdan e Vadim haviam trazido Noah William da delegacia onde ele trabalhava, e depois o arrastaram até o lugar onde estavam Ivan e Igor, o torturando brutalmente antes de mutilar seu corpo.
Então… não sabia exatamente por que, mas esse pensamento o incomodava.
Era claro que Igor não ficaria em silêncio e aceitaria de braços cruzados o ataque de Khaleesi Winter. Ainda que tivesse feito um recuo temporário, sacrificando ele e Yuri como peões, perder a fábrica não fazia parte do plano. O que Igor provavelmente imaginou era que a polícia prenderia um falso culpado, ficaria tranquila por um tempo, e nesse intervalo, ele desviaria as operações, subornaria os superiores e transferiria sua base, ele com certeza não havia previsto que Alexei se entregaria e revelaria tudo. Provavelmente acreditava que, com Valéry como refém, Alexei não ousaria agir descuidadamente.
—Não é estranho?
Dante olhou diretamente para Alexei ao ouvir suas palavras. Ele tinha uma altura semelhante à de Yuri, talvez um pouco mais alto. Dante abriu ligeiramente os lábios, piscando logo em seguida.
—O quê…?
Percebendo o tom de surpresa, Alexei também ficou atento. No entanto, o que saiu da boca de Dante foi algo completamente diferente.
—Você não é alfa? No seu registro e na certidão de nascimento, está claro que você é alfa…
Ah, o efeito do neutralizador de feromônios provavelmente deve ter passado. Quando foi revistado, tiraram todos os seus pertences, incluindo o neutralizador. Alexei franziu o cenho.
—Eu sou um alfa.
—Então por que seus feromônios parecem de um ômega…?
Dante interrompeu a fala abruptamente, como se tivesse percebido algo, e se virou rapidamente. Alexei também sentiu. Seu pressentimento ruim estava se concretizando, no instante em que viu a sombra avançando sobre Dante, foi atacado por um forte feromônio à esquerda, assim que percebeu a presença, Dante tentou reagir, mas o adversário foi mais rápido. Um braço musculoso e ameaçador agarrou o pescoço de Dante por trás, apertando com força. Dante tentou lutar, golpeando com o cotovelo para trás, mas o problema era que não havia apenas um inimigo.
Paf!
Um som alto, como se algo estivesse quebrando, ecoou pelo corredor. Dante foi atingido na cabeça por alguém que apareceu logo depois. Seus olhos reviraram, e ele caiu, seu corpo perdeu as forças instantaneamente, o sangue começou a escorrer de sua testa, Alexei que observava a cena de dentro das grades disse.
—Bogdan.
Mesmo com Dante já desmaiado, Bogdan continuou apertando o pescoço dele com o braço. Para envergonhar a tatuagem da Virgem Maria em sua cabeça, Bogdan parecia estar tentando matar Dante. Vadim, que bateu na cabeça de Dante, caminhou até ele.
—Que belo espetáculo.
Disse Vadim com um sorriso sarcástico. Alexei o ignorou e falou com Bogdan.
—Deixe o policial vivo. Você não vai conseguir escapar dessa como antes, deixando tantas provas à vista.
—Isso não é da sua conta.
—Olhe para mim.
Alexei segurou as grades e aproximou o rosto.
—Depois de trabalhar feito um cachorro a vida toda, fui descartado em um instante. Você acha que com você será diferente?
Vadim retrucou:
—Como pode nos comprar a um traidor desde criança como você?
—As coisas mudaram, seu idiota.
Alexei sorriu com desdém, fazendo a expressão de Vadim endurecer.
—Pelo fato de você ter vindo até aqui pessoalmente, parece que Igor está realmente furioso. Você ainda não percebeu isso? O mundo está mudando. Igor vai perder.
Bogdan continuou apertando o pescoço de Dante, que estava ficando tão pálido que quase parecia azul. Observando aquilo, Alexei xingou.
—Me mate no lugar dele. Não foi por isso que vocês vieram?
Só depois dessas palavras Bogdan finalmente começou a soltar o pescoço de Dante, que caiu no chão com um baque pesado, não estava claro se ele ainda estava vivo. Vadim zombou.
—Ser preso pela polícia você passou a ter simpatia por eles?
—Eu sempre fui um maldito bonzinho, seu filho da puta.
Ignorando a discussão entre Vadim e Alexei, Bogdan vasculhou a cintura de Dante e encontrou a chave da cela, ele a inseriu silenciosamente na fechadura e abriu a porta, aproximando-se. Alexei deu um passo para trás mesmo que o último confronto tivesse sido no passado, havia uma coisa da qual Alexei tinha certeza: os socos de Bogdan eram letais.
—De qualquer forma, como você entrou aqui…?
Alexei tentou desviar a atenção por um momento com a pergunta, mas Bogdan avançou de repente, lançando um soco direto. O impacto forte reverberou por seu crânio, atingindo-lhe o rosto com força. Normalmente, ele teria contra-atacado de alguma forma, mas, tendo acabado de acordar e ainda sentindo os efeitos da febre, Alexei perdeu a oportunidade de reagir. Sua visão começou a girar, e seu corpo enfraqueceu. Ele caiu, desabando de cara no chão, enquanto sua consciência lentamente se esvaía. A última coisa que ouviu foi Vadim sussurrando em seu ouvido.
—Agora que penso nisso, ouvi uma conversa interessante antes…
Ah, maldito neutralizador de feromônios…
—Então, você é mesmo um ômega?
Com esse pensamento, Alexei perdeu a consciência.
Continua….