O Primeiro Mandamento - Capítulo 11
“Não terás outros deuses além de mim.”
“Êxodo 20:1-17”
Não é como se Valery não tivesse sobrenome desde o início. Antes de Alexei lhe dar o sobrenome Sorokin, Valery também tinha o nome de sua família, ele não era uma criança abandonada. Só que Alexei não se preocupou em encontrar os pedaços perdidos de memória.
O nome original da criança era Valery Belov.
Embora os Belov fossem russos, eles não estavam sob o comando de Igor como a família de Alexei. Porém, também não eram muito sortudos. Quando Saratov estava se tornando a cidade de Igor, eles ouviram que era um bom lugar para os russos e decidiram se mudar para lá. Foi uma espécie de força maior. Como se fosse um destino predeterminado, apenas uma escolha foi dada aos imigrantes.
Igor realmente ajudou as pessoas a se estabelecerem. Ele reuniu seus compatriotas como um líder de uma pequena vila, organizando uma comunidade onde não era necessário aprender uma língua estrangeira para viver. Foi nessa época que o casal Belov conheceu o casal Sorokin.
Ao contrário dos pais de Alexei, que não tinham muita formação educacional, os pais de Valery eram pessoas qualificadas. Maksim Belov era professor de matemática e Alisa Belov era bailarina. Mesmo em um país em colapso, eles teriam sobrevivido, mas decidiram buscar a liberdade na América. Até aí tudo bem, mas o problema era o dinheiro.
O dinheiro é sempre o problema.
Apesar de terem adotado uma abordagem melhor do que os pais de Alexei, o casal Belov rapidamente se viu afundando no lamaçal de Igor. Eles gastaram rapidamente todo o dinheiro que tinham, isso porque o custo de vida era diferente, e, ao contrário da sua terra natal, era difícil encontrar um emprego decente. Não havia muitos lugares interessados em contratar russos, o que era compreensível.
Mesmo que fosse melhor do que tentar se estabelecer em Nova York, Dakota do Norte era pequena demais para oferecer empregos adequados ao casal Belov. Sem um certificado de ensino, não podiam sequer lecionar, e se fossem pegos, a deportação seria certa. Quando finalmente chegaram a um acordo, o dinheiro já havia acabado. Havia muitas despesas. Mesmo após comprarem uma casa e um carro, ainda faltava muito. Seguro de saúde, impostos… tudo isso.
Quando finalmente conseguiram um emprego, já estavam no limite. Não tinham dinheiro nem para comprar comida para o dia seguinte. Não podiam pedir adiantamento, nem tinham crédito para um empréstimo, assim, o casal vagou até parar em frente a Igor. Como muitas pessoas em Saratov, os Belov chegaram às suas fronteiras. Igor, fingindo ser um líder benevolente, ofereceu sua ajuda financeira sem cobrar nada, e o que o casal aceitou sem questionar, eles eram ingênuos e desesperados o suficiente para não perceber que essa ajuda se transformaria em dívida enorme.
O papel do pai de Alexei, Mikhail, era vigiar o casal. Para ser mais preciso, era função dele gerenciar pessoas como os Belov. Portanto, inicialmente, o relacionamento não era bom, para dizer o mínimo.
As coisas mudaram quando sua mãe, Nina, e Alisa começaram a se aproximar. Mais precisamente, quando Nina descobriu que Alisa estava grávida de Valery e, por fim, deixou transparecer a compaixão que estava reprimindo. Talvez tenha sido o fato de que Nina também tinha um filho pequeno, ou porque simpatiza com uma vida que involuntariamente, estava escorregando para o abismo. Ou talvez ela simplesmente invejasse a ingenuidade e a graça de Alisa, que veio de um mundo completamente diferente. Afinal, era isso que Alexei também sentia por Valery.
Valery, desde a essência, era simplesmente diferente de Alexei.
Ao contrário de Nina, que deu à luz Alexei com apenas Mikhail ao seu lado, Alisa deu à luz sob o olhar atento de muitas pessoas, inclusive de seus alunos. Valery, que herdou a linda aparência da mãe e os lindos cabelos loiros do pai, foi diferente de Alexei desde o nascimento. Ele foi abençoado por todos, em uma cena tão bela quanto a descrição do nascimento do Salvador em *ícones.
(A expressão faz referência à arte sacra cristã, onde “ícones” são representações religiosas, geralmente pinturas, que retratam figuras sagradas como Jesus Cristo, a Virgem Maria, santos e outros. Neste caso, a frase está comparando o nascimento do personagem Valery à forma como o nascimento de Cristo é tradicionalmente representado de maneira bela e reverente nos ícones religiosos.)
Alisa e Maksim, sendo pessoas ingênuas e sem malícia, expressaram sua gratidão a Mikhail, que começou a ajudá-los, e pediram que ele fosse o padrinho de Valery. Fez isso justamente para alguém que trabalhava sob o comando de Igor. E, talvez por causa dessa ingenuidade contagiante, o pai de Alexei aceitou a proposta do casal Belov, assim, Mikhail Sorokin tornou-se o padrinho de Valery Belov.
Claro, isso não podia ser divulgado abertamente, então tornou-se um pequeno segredo entre as famílias. Após o nascimento de Valery, Alisa e Maksim recuperaram a esperança. Eles se esforçaram ao máximo para sobreviver e trabalharam arduamente para impedir que as dívidas crescessem, nina também os ajudou.
Enquanto o casal saía para trabalhar, Nina cuidava de Valery, e Alexei, que ainda não frequentava a escola, naturalmente conheceu Valery. Isso deve ter acontecido quando Alexei tinha seis anos. Em vez de aprender algo no jardim de infância como as outras crianças, ele costumava ir ao local de trabalho do pai para levar recados, onde via armas e facas. Ele não tinha amigos da sua idade por perto, e Yuri, o único que havia, não era alguém com quem ele pudesse brincar facilmente. Cercado por adultos assustadores, o primeiro contato de Alexei com a vida comum foi Valery.
Valery era uma criança extremamente dócil, sempre sorrindo para Alexei, independentemente do que ele fizesse. Ele raramente chorava e, quando o fazia, era apenas por fome. Normalmente, bebês recém-nascidos têm o rosto enrugado e não são tão bonitos, mas Valery era tão branco e fofo que era preciso ter cuidado ao tocá-lo. Quando Alexei, curioso, cutucou Valery, Nina sorriu e disse: “Ele é seu irmãozinho, então você deve cuidar bem dele.”
Essa foi a primeira revelação que Alexei recebeu. Seu pai sempre lhe dizia para escutar sua mãe, e que a família era algo que sempre devia ser protegido. Portanto, Valery, apesar de ser um “estranho”, não era um estranho. Desde o nascimento, ele era o irmãozinho de Alexei. A devoção cega que as crianças têm geralmente surge de pequenas coisas como essa, e assim, proteger Valery tornou-se um dever e uma alegria para ele.
Embora cuidar de uma criança não fosse o tipo de atividade mais divertida, era algo que lhe trazia alegria. Talvez fosse porque isso deixava sua mãe feliz, mas havia mais do que isso. Em primeiro lugar, gostava de visitar a casa de Alisa, que era preenchida por uma atmosfera acolhedora. Estar em uma casa onde o cheiro doce de biscoitos assando e a elegante valsa tocando no rádio se misturavam fazia com que ele se sentisse como se estivesse vivendo a vida comum que ele sonhou desde que tinha idade suficiente para começar a pensar.
Valery era o único que fazia Alexei ser daquele jeito, era diferente de seu amigo Yuri. Embora Yuri também fosse muito importante para ele, era mais alguém em quem Alexei poderia confiar no mundo onde precisava viver. Mas Valery representava a própria palavra “alegria”, apenas tê-lo por perto fazia surgir motivos para sorrir. Desde então, Alexei sentiu o consolo proporcionado pela inocência e beleza que uma criança traz consigo. Quão lindo é o amor demonstrado por alguém que foi criado e amado sem hesitação.
Um irmãozinho sem qualquer escuridão, com um rosto sempre sorridente, uma linda vida que Alexei devia proteger. Sempre que olhava para Valéry, que apenas olhava para ele inocentemente, sem nenhum propósito, Alexei pensava que, mesmo sem as ordens de sua mãe, ele teria protegido o garoto a qualquer custo. A presença de um ser tão fofo ao seu lado simplesmente o fazia feliz.
Toda vez que seus pais brigavam, toda vez que sentia o cheiro de sangue no corpo do pai, toda vez que sua mãe soltava um choro sombrio por causa das dívidas que não diminuíam, Alexei saía de casa para ver Valery. A criança que cresceu de forma tranquila, sem preocupações, sempre se desvencilhava dos braços dos pais e corria para ele, quando ele chegava. Desde que começou a andar e a falar, Valery o recebia calorosamente. Abraçando Valery, que cheirava a leite fresco, Alexei sempre esquecia as coisas que o incomodavam.
Mesmo após muito tempo e acontecimentos que ele preferiria não mencionar, os sentimentos de Alexei não mudaram. Foi por isso que Alexei trabalhou duro para sobreviver mesmo no dia em que seus pais morreram. Tenho que proteger Valery, não posso deixá-lo sozinho, tenho que mantê-lo ao meu lado.
Não importa o que acontecesse, Valery precisava de Alexei.
Quando Ryan terminou de falar sobre o passado, Alexei piscou lentamente. Então, olhou para o rosto arrogante que mencionou o segredo. Ryan franziu a testa, incapaz de decifrar o que ele estava pensando, e Alexei permaneceu em silêncio, observando a delicada testa se enrugar. Quando não recebeu uma resposta, Ryan continuou:
—O silêncio é uma confirmação.
Apesar das palavras cortantes, Alexei não reagiu. Apenas observou o ômega enquanto pensava consigo mesmo. Como ele descobriu? Algo que nem Vasily, que salvou Alexei na época, nem seu filho Yuri sabiam ao certo, como alguém de fora, como Ryan, conseguiu desenterrar isso? Se Ryan sabia disso, então será que Igor também sabe?
Se for esse o caso, até que ponto? Embora sempre tenha estado sob o controle de Igor, hoje ele sentia como se estivesse especialmente submisso. Talvez a razão pela qual estou sendo empurrado para a morte certa junto com Yuri esteja relacionada a este dia. Mas Yuri não tem nada a ver com isso. Além disso, esse tipo de punição é ineficiente. Seria menos arriscado matá-los sem ter que alimentá-los e criá-los desnecessariamente dentro da organização por todos esses anos.
—Se você tem alguma consciência, não há nada que possa dizer.
Como se o silêncio fosse insuportável, Ryan falou mais uma vez. Alexei, que estava perdido em pensamentos, baixou os olhos. O que Ryan havia descoberto não era exatamente correto, mas era o suficiente para causar problemas. A tentativa de desenterrar algo que deveria ter permanecido escondido era um sinal de perigo.
Não era necessário que Valery soubesse disso. Na verdade, se ele descobrisse, certamente não conseguiria suportar. A imagem de Valery chorando e se desmoronando passou pela mente de Alexei. Valery começaria a chorar como se tivesse feito algo errado, embora na verdade tenha sido culpa de Alexei como sempre. Seu irmão era vulnerável a sentimentos de culpa, ele só estava ao lado de Alexei, porque se sentia culpado por tê-lo engravidado.
Devo simplesmente matá-lo?
Alexei realmente pensou nisso. Ele imaginou quanto esforço seria necessário para quebrar o pescoço fino de Ryan. Não era uma escolha ruim. Afinal, matar Ryan era uma missão que lhe fora dada, e considerando os vários problemas causados por ele, parecia ser uma solução adequada.
Talvez criminosos sejam realmente assim. Ao perceber que estava pensando isso sem emoção, Alexei finalmente relaxou sua expressão impassível. Ele sorriu com um sorriso seco e deu uma risada baixa, —hahaha—. Ele apertou e relaxou a mão, que estava com as veias salientes devido à tensão. Alexei respirou fundo e deixou escapar uma pergunta.
—Diz quem matou?
—O quê?
Ryan franziu a testa diante da pergunta de Alexei, que parecia deslocada em relação à conversa anterior.
—Nos documentos enviados por Igor. Diz quem matou seu pai?
Ryan respondeu com uma expressão cautelosa.
—Por que você acha que eu deveria te dizer isso?
—Bem, eu não sou o responsável, certamente. Se fosse eu, você já teria me dado um soco, tenho certeza. Mas pelo que vejo, você não parece tão furioso assim. Em vez disso…
Alexei se inclinou para frente, encontrando os olhos de Ryan.
—Você está bravo por ter perdido o alfa que queria?
Ele tentou dar um leve toque no queixo de Ryan com a ponta do dedo indicador, mas foi impedido. Ryan afastou a mão com um gesto brusco e recuou. Embora a saída estivesse bloqueada, Alexei se afastou de forma pacífica. Não tinha o hobby de intimidar aqueles que eram mais fracos do que ele.
—Você está tão mal-humorado.
Enquanto ele falava com um sorriso suave, Lian esfregou rudemente a área onde seu queixo foi tocado.
—Não mude de assunto. Pelo jeito que você está agindo agora…
Ryan respirou fundo e esboçou um sorriso distorcido.
—Você acha que Lerusha não tem ideia do que seus pais fizeram?
Ele olhou para Alexei com um olhar de desprezo, como se estivesse olhando para algo sujo. Esse olhar não foi doloroso para Alexei, que estava acostumado com esse tipo de expressão ao longo da vida. No entanto, o que foi dito era irritante.
—Não sei do que você está falando. Lerusha e eu somos irmãos.
Alexei encolheu os ombros e zombou. Mesmo diante de uma resposta tão inusitada, Ryan não vacilou.
—Mesmo que veja claramente que não parecem irmãos, ao longo do tempo, parece que você inventou bem uma história para enganar as pessoas.
Alexei balançou a cabeça ao ouvir as provocações de Ryan.
—Ouvindo o que está dizendo agora, parece que você também não sabe muito.
Os olhos azuis de Ryan brilharam ferozmente ao ouvir a afirmação como se fosse algo novo para ele. Talvez, mesmo com o sangue da família Winter, ele carregasse um veneno em seu corpo frágil. Talvez ele tenha considerado voltar aqui com uma intenção venenosa, mas se fosse apenas para matar Igor, seria bom.
—Então você finge saber tudo sobre a Lerusha, mas na verdade não sabe nada?
Ao ser desafiado com uma observação sobre Valery, Ryan imediatamente se irritou.
—Não adianta tentar contornar a situação dessa forma. Eu não vou te dizer o que você quer saber. Já fiz minha proposta, então o assunto está encerrado. Resolva isso ainda hoje, eu sei que a situação não está boa, como você disse. Eu já deixei claro: se eu não tiver notícias de Valery amanhã, contarei tudo o que acabei de dizer.
Mesmo Alexei, que geralmente mantinha uma frieza calculada, não teve escolha a não ser se agitar diante das últimas palavras. Ele havia aprendido ao longo da vida que ceder a provocações do aniversário era uma forma de derrota, e mesmo tendo enfrentado poucas situações assim, não conseguia se manter firme neste momento.
—Você realmente acha que ele vai acreditar nisso?
Ahhhh. Ele mal conseguiu controlar suas emoções por um momento.
—Sim. Tenho certeza.
Ryan, agora com a vantagem, falou com firmeza.
—Porque o que Valery mais odeia é esse tipo de comportamento seu. Ele só confiaria em você se você agisse de modo a merecer essa confiança. Mas você nunca foi de confiança.
Embora as suposições de Ryan estivessem erradas em muitos aspectos, ele estava claramente certo sobre a relação entre eles. As palavras acertaram o ponto exato, e Alexei ficou em silêncio. Perdeu a compostura num instante quando sua inegável fraqueza foi descoberta. Ele poderia simplesmente ignorar, mas não conseguia manter a calma porque o assunto estava relacionado a Valery.
‘Não.’
Ele queria responder assim, mas seus lábios não se mexeram. Negar simplesmente não parecia suficiente, especialmente com as lembranças constantes das queixas e súplicas de Valery. Se ele tivesse falado a verdade quando Valery lhe perguntou se eles poderiam ir embora, se tivesse explicado o motivo pelo qual o havia tratado daquela forma, talvez a relação dos dois pudesse ter tomado um rumo diferente, mas quem arrastou a situação até este ponto foi ninguém menos que Alexei. Ryan mencionou uma situação que Alexei sempre temeu, a terrível possibilidade de Valery o abandonar por causa das mentiras. Ryan conhecia bem esse medo.
—Agora, por favor, deixe o pobre garoto ir.
Ryan sussurrou:
—Pare de manter Valery por perto para sua própria satisfação. Se não fosse por você, ele já estaria vivendo feliz há muito tempo. Se você realmente se importa com Valery, não deveria mantê-lo em um lugar perigoso, mas sim deixá-lo partir comigo, não é?
A resistência surgiu dentro de Alexei. O que você sabe? Agora, seu relacionamento com Valery havia mudado. Alexei havia dito a maior parte da verdade, e Valery também tinha aberto o coração para ele novamente. Eles não apenas conversaram sobre o futuro, mas Valery, com uma voz cheia de carinho, sussurrou, “Vamos embora juntos, Alyosha.”O som da voz afetuosa do garoto escoou em seus ouvidos, no entanto, quando ele tentou usar isso como prova para refutar Ryan, as mentiras que havia contado surgiram.
—E mesmo sabendo disso, se você ainda assim não o deixa ir, o que é isso senão puro egoísmo?
As palavras de contrariedade que estavam na ponta da língua de Alexei se dissiparam. Embora fosse Ryan Winter quem estava encurralado, ele se sentiu como se estivesse em um beco sem saída. Para ser sincero, não havia uma razão real para ele não aceitar a proposta de Ryan. Se, como Ryan disse, Igor tivesse dado essa ordem apenas para eliminar Alexei e Yuri, e se ele pudesse partir em segurança com Valery, não haveria necessidade de se colocar contra isso.
Se Alexei não fosse tão ganancioso como Ryan havia insinuado.
A resposta ‘Entendi’ subiu até sua garganta. Racionalmente, era o certo a fazer, mas ainda assim, ultrapassar essa última linha era difícil. A voz de sua mãe, Nina, sussurrou na cabeça de Alexei.
“Você deve cuidar de Valery.
A voz de Nina seguiu persistentemente como um fantasma, e logo a voz de seu pai, Mikhail, também se sobrepôs.
“Você deve proteger sua família.”
As alucinações auditivas se misturaram, grudando o prendendo. Naquela noite em que correu para encontrar Valery escondido, essas mesmas vozes ecoaram em sua mente. Respirar se tornou difícil. Ele continuou tentando respirar, mas sentiu como se sua garganta estivesse sendo apertada. Com dificuldade, Alexei deu a Ryan uma resposta que ele não queria.
—Lerusha decidiu ir embora comigo.
Mesmo sabendo que essa não era a resposta certa.
—Pare com isso!
Ryan, aparentemente incapaz de suportar mais, levantou a voz de uma maneira que não combinava com sua postura geralmente calma. Alexei parecia ter um talento natural para esgotar a paciência de todos ao seu redor. O rosto de Ryan mostrou claramente seu desdém pela atitude do homem.
—Lerusha é minha família. Eu tenho que proteger a minha família.
Ao ouvir a resposta repetitiva de Alexei, Ryan soltou um gemido, seus olhos refletiam uma frustração esmagadora. Era a mesma expressão que Yuri e outros já haviam mostrado para ele tantas vezes. Mas o que eu posso fazer?
O mundo é tão cruel comigo, pelo menos Valery ele poderia me deixar ter.
—É por isso mesmo, que você não pode fazer isso!
Eu já perdi tudo, então pelo menos ele…
—O que você está fazendo agora é uma farsa. Se alguém do seu sangue matou os pais de Valery, a última pessoa que deveria estar ao lado dele é você!
Por favor, deixe Valery estar ao meu lado.
Por um momento, Alexei não via mais Ryan, em vez disso, ele apenas via pessoas do passado que tentaram separar Valery dele. A raiva que ele tinha mantido sob controle explodiu, ele nunca havia ficado tão irritado. Diferente das vezes em que discutiu com Valery e explodiu, algo ferveu dentro dele. Ele estava cansado das pessoas, aquelas que o julgavam sem realmente tentar entender, aquelas que, por pura curiosidade irresponsável, desenterravam verdades que ele preferia manter ocultas, o irritavam ao extremo.
Quando sua razão se partiu, sua mão se estendeu. Desta vez, a força foi muito maior e mais rápida do que quando ele agarrou o pescoço de Ryan anteriormente. O ômega se assustou e tentou se desvencilhar, mas não havia para onde ir. Ambas as mãos de Alexei apertaram o pescoço dele com força. Ouviu-se um engasgo vindo dos lábios vermelhos e finos, foi uma sensação ao mesmo tempo estranha e familiar. A temperatura quente do corpo fluiu sob suas mãos como se o sangue encharcasse sua palma, o pescoço suave e frágil parecia que poderia ser quebrado, como um delicado osso de veado. Se ele fizesse isso, todas as perturbações desapareceriam. As verdades ameaçadoras, a realidade, tudo sumiria.
Enquanto pensava nisso, o som de algo caindo foi ouvido por trás. Foi o som de algo pesado dentro da sacola de reciclagem caindo no chão. Quando a porta foi aberta? A razão que havia sido perdida, voltou lentamente pedaço por pedaço graças ao som estranho vindo de fora. Houve muitos gritos, então seria estranho se alguém não tivesse ouvido. Deveria ter calado Ryan antes e o levado para outro prédio, mas acabou agindo com pressa, temendo cruzar o caminho de Valery.
Enquanto pensava nisso por instinto, um sentimento familiar tomou conta dele. Dentro do almoxarifado, onde permanecia o forte cheiro de água sanitária, sentiu um aroma que não se esperava sentir neste lugar quase deserto. Parecia exatamente o cheiro de Valery.
As mãos que apertavam o pescoço de Ryan lentamente perderam a força. A parte de trás da sua cabeça ficou fria e um pressentimento sombrio percorreu sua espinha. Ele se virou lentamente. Mesmo desejando que não fosse, seu corpo já sabia quem estava atrás dele.
Quando Alexei se virou, uma luz dourada brilhou em sua visão. A luz azulada que iluminava os azulejos cinza-claro refletia em Valery, que parecia muito mais pálido do que de costume. Ao invés da expressão alegre e vibrante de sempre, ele estava com os olhos bem abertos, olhando para Alexei de uma maneira estranha e desconhecida.
—…Lerusha?
Valery tinha uma expressão difícil de descrever. Alexei sentiu uma sensação de déjà-vu ao olhar para o rosto dele. Apesar de ter se passado muito tempo, ele se lembrava claramente daquela expressão em Valery. Não há como esquecer isso.
—…Agora.
Exatamente como no dia em que o atingi de forma cruel na frente de Igor.
—O que está fazendo?
Foi exatamente assim que Valery olhou para mim naquela época.
—E sobre essa história dos meus pais… o que é isso?
Com olhos cheios de confusão, ele o encarou intensamente, querendo desesperadamente que ele negasse a realidade. Valery perguntou a Alexei com a mesma expressão que tinha naquela época, embora a aparência dele tivesse mudado completamente, Alexei sentiu como se estivesse diante do mesmo menino.
Era como se o tempo tivesse parado, o ar, os sons, tudo ao redor de Alexei parecia ter congelado. Se ele tivesse esse poder, seria maravilhoso. Alexei, esquecendo até de respirar, olhou fixamente para os olhos verdes de Valery, mas sua mente ficou em branco. Sentiu como se seus segredos mais sombrios tivessem sido completamente expostos. Uma sensação de vergonha, que ele nem sequer havia experimentado mesmo quando agia como um cão para Igor, o dominou.
A última pessoa no mundo para quem ele queria mostrar esse lado era Valery.
É um pensamento paradoxal, mas era a verdade. Desde o momento em que ele começou a se aproximar de Valery, Alexei havia mostrado o pior de si, mas ainda assim se agarrava a uma justificativa insignificante. Ele sempre disse a si mesmo que fez tudo isso para proteger Valery, mesmo quando fazia coisas horríveis com ele. No entanto, o que acabara de fazer com Ryan tinha uma motivação completamente diferente.
Movido por um puro desejo de matar, ele agiu contra um civil.
Alexei revelou seu pior lado, a ponto de fazer parecer ridícula sua antiga determinação de manter pelo menos um mínimo de decência. A pequena parte de sua consciência, preservada por causa de Valery, riu da cara dele. No fundo, você sempre foi um monstro, não é? O eco de sua própria mente o atingiu. A força em sua mão, que ainda segurava Ryan, começou a diminuir gradualmente. Apenas a mera presença de Valery parado, fez com que suas forças o abandonassem e no mesmo instante, sentimentos de aversão e autodesprezo tomaram o lugar.
Assim que soltou a mão que estrangulava Ryan, este se curvou, tossindo com força e com os olhos vermelhos de lágrimas, olhou para Alexei por um momento, mas logo desviou o olhar e correu em direção a Valery. No momento em que Ryan passou ao lado de Alexei, seus dedos tremeram, mas ele apertou os punhos e se conteve.
—Lerusha…!
Ryan chamou urgentemente por Valery e se colocou ao lado dele, tossindo repetidamente. Cambaleando, o ômega se agarrou no braço de Valery que não o afastou. Ele apenas continuou a olhar fixamente para Alexei.
—Alyosha.
Valery o chamou calmamente, enquanto Alexei permanecia incapaz de dizer uma palavra.
—Me dê uma resposta.
De uma forma baixa, mas clara, Valery exigiu uma explicação.
—Por que você fez aquilo com Ryan?
Valery parecia estar tentando entender. Sua expressão vazia e pálida começou a se transformar. Suas belas sobrancelhas se arquearam em confusão, e seus olhos se estreitaram, como se não conseguissem acreditar no que viam.
—Você não queria machucar o Ryan de verdade, certo?
—Não.
Alexei, com grande esforço, conseguiu mover sua língua paralisada para negar as palavras de Valery. Ele não estava tentando machucar Ryan. Se quisesse matá-lo, já o teria feito. Era só que… simplesmente…
—Mentira.
°
°
Continua…