O Primeiro Mandamento - Capítulo 08
O perdão não estava em seus planos.
Pelo menos não no início e tinha que ser assim. Era a coisa certa a fazer. Não era um rancor que desapareceria tão rapidamente. Afinal, foram 8 anos acumulando ódio e desprezo.
A raiva que cresceu ao longo do tempo foi a base que sustentou Valery Sorokin. Essa força fez ele se mover, se tornar implacável e se esforçar. Desde o momento em que começou a dançar balé, ele sempre usou esse sentimento como motor para ir em frente.
Quando decidiu enganar Alexei, Valery não tinha certeza. Seu irmão era um criminoso sob o comando de Igor, então não parecia provável que ele caísse em truques como esse. Afinal, o que eles faziam era desconfiar de tudo e de todos.
Mas, surpreendentemente, Alexei concordou com suas palavras. E não só isso. Ele soltou suas algemas com uma condição incrivelmente trivial.
“Me chame de Alyosha.”
No momento em que ouviu isso, Valery pressentiu que seu plano não sairia como o esperado. Alexei sempre foi assim. Sempre mostrava um lado que Valery não podia prever, ele esperava algo diferente. Algo mais cruel, perturbador ou até mesmo repugnante. Não sabia exatamente o que, mas esperava um pedido típico de um criminoso.
Mas um apelido carinhoso?
Não era difícil. Embora se sentisse desconfortável e detestasse dizê-lo, era apenas uma palavra. Mesmo com a dor inesperada que o atingiu no peito, Valery fingiu não sentir nada. Até aí, tudo bem. Mesmo hesitando, ele pronunciou o apelido e achou que seria o suficiente.
Mas tudo mudou no momento em que Alexei olhou para ele e sorriu.
A expressão cínica e fria de Alexei se desfez. Seus olhos, sob as grossas sobrancelhas, brilharam com uma tonalidade azulada, e seus caninos, que ele tanto amava, apareceram sob os lábios vermelhos. Quanto tempo fazia que ele não o via sorrir assim? Parecia uma eternidade. Desde que Valery decidiu odiá-lo, Alexei sempre tinha um sorriso cansado no rosto.
Um sorriso cheio de pura alegria como esse era algo que ele só tinha visto no passado, que pensava ter esquecido. Na verdade, é ainda mais bonito do que antes.
Sim.
Bonito.
Isso deixou Valery confuso. Uma sensação diferente da que ele sentia ao olhar para o Alexei do passado surgiu em seu coração. Ele começou a notar mudanças que o deixaram surpreso por não ter percebido antes. Olhando para Alexei, que o abraçava, ele percebeu os detalhes um a um.
Alexei era menor do que ele.
Aquele olhar que sempre fora de baixo para cima agora se dirigia para baixo. Uma verdade tão clara que ele se perguntou como não tinha percebido antes, apesar de vê-lo todos os dias. Alexei, embora fosse um alfa robusto, agora parecia diferente aos olhos de Valery. O cheiro envolvente e perfumado que emanava quando o abraçava era estranho. A cintura que se encaixava em um braço parecia estranhamente provocante, era uma sensação que não se podia perceber apenas olhando para seus ombros fortes e bem definidos. Essa diferença sutil fez sua cabeça girar.
E então, enojado com os sentimentos que sentia, Valery tentou de todas as maneiras recuperar o controle de suas emoções e parecia estar conseguindo. Ele se esforçou para não se abalar com as histórias que Alexei contava sobre seus pais e fingia não sentir nada mesmo quando via seu rosto sorridente toda vez que o chamava de Alyosha.
Ele não podia esquecer seu plano. Seu objetivo era deixar esta cidade horrível onde Alexei estava e viver sem pensar em nada. Para ter uma vida normal, eu preciso sair daqui. É apenas uma questão de aguentar por um tempo, ele repetia para si mesmo. Felizmente, ele tinha alguém para lembrá-lo desse objetivo.
[Você está bem, Lerusha?]
Depois de recuperar o celular, Valery entrou em contato com Ryan com cautela. Alexei, de forma incrivelmente ingênua, não monitorava suas ligações, então ele aproveitou a oportunidade para contatar Ryan.
Como todos sabem, Ryan nasceu originalmente naquela cidade. Seu pai morou ali até ser assassinado por Igor. Valery também conhecia Ryan.
Ele encontrou Ryan pela primeira vez pouco depois de começar a dançar balé. Foi uma série de coincidências. A garota da sua turma que lhe deu a oportunidade de dançar era prima de Ryan, e foi quando Ryan veio buscá-la que eles se encontraram pela primeira vez.
foi agredido por Alexei e hospitalizado, tornando-se o centro de uma atenção indesejada. Não é comum ver uma criança ser espancada até quebrar ossos e ser levada ao hospital. A professora de balé sentiu ainda mais pena dele, e os colegas de classe estavam curiosos. Toda essa atenção era opressiva. Não havia adulto com quem ele pudesse desabafar, exceto Alexei, mas Valery temia ser incomodado e abandonado por ele. Não tinha ninguém em quem confiar.
Foi então que Ryan falou primeiro.
“Você está bem?”
A voz do garoto era calma. Ele não exagerava na simpatia nem via Valery como uma curiosidade, ele simplesmente perguntou como se estivesse genuinamente preocupado. Valery viu Alexei na figura de Ryan, com seu cabelo preto e olhos azuis, parecidos com os do seu irmão. Isso o fez baixar a guarda. Além disso, Ryan era dois anos mais velho, o que também era um ponto em comum.
Ele era alguém em quem Valery podia confiar. Quieto e sereno, Ryan gostava de ler e ensinou muitas coisas a Valery. Ele frequentemente convidava o garoto para sua casa e mostrava-lhe vídeos de musicais e contos de fadas que serviam como base para as peças de balés. Ele se lembrava disso vividamente, a casa de Ryan era harmoniosa e acolhedora, como as famílias em propagandas e filmes. A mãe dele era gentil ao receber visitas, e a casa cheirava a pão caseiro. O pai, um policial, ouviu a história de Valery e o convidou a visitá-los sempre que quisesse. Ryan era um filho único amado.
Nesses momentos, Valery frequentemente se via imerso na ilusão de ser uma pessoa comum. Até então, apenas seu irmão mais velho era seu mundo, mas para Valery, que não tinha para onde ir, passar um tempo com Ryan era uma grande fonte de conforto. Claro, nem sempre era agradável. Ele sentia uma solidão inexplicável e um sentimento de alienação, mesmo durante momentos pacíficos, apesar de toda a família de Ryan o acolher.
À medida que se afastava de Alexei, se aproximava de Ryan. Ele sempre ouvia as preocupações de Valery e queria estar com ele. Se o pai do Omega não tivesse sido assassinado por Igor, muitas coisas poderiam ter sido diferentes. Talvez, se ele tivesse permanecido ali, eles teriam crescido juntos.
O pai de Ryan foi morto por investigar o negócio de drogas de Igor. Apesar das advertências dos colegas, ele enfrentou Igor para detê-lo. Foi uma época difícil. Enquanto drogas como o OxyContin se espalhavam pelos Estados Unidos e o número de viciados aumentava, a cocaína e a heroína eram uma febre aqui, a maconha era considerada leve em comparação. A cidade, já árida, começou a se deteriorar, algo que o pai de Ryan não podia ignorar.
Mas Igor, que estava expandindo seu império, não tinha medo de nada. Ele matou o policial e fez com que seus subordinados cortassem os corpos do detetive em pedaços e os entregassem um por um em casa. A mãe de Ryan enlouqueceu na época. Embora tenha melhorado, levou quatro anos para sair do hospital psiquiátrico.
O culpado nunca foi preso, mas todos na vizinhança sabiam que era obra de Igor. Ninguém podia fazer nada. O chefe de polícia alegou falta de provas e a investigação não avançou, permanecendo um caso não resolvido. Khaleesi Winter, nascida em Nova York e com uma carreira promissora lá, tirou sua irmã e sobrinho da cidade por segurança.
Portanto, ao contrário do que Alexei pensava, Ryan não era ingênuo, ele conhecia bem a situação da cidade. Khaleesi Winter era meticulosa e sabia usar a riqueza do marido. Ela sempre mantinha um guarda-costas competente para proteger Ryan, sabendo que qualquer pessoa associada a ela poderia estar em perigo.
Com uma sensação difícil de descrever, Valery leu a mensagem de Ryan. O apelido “Lerusha”, que ele sempre usava, de repente pareceu estranho. Lentamente, ele começou a escrever uma resposta para Ryan, cujo contato estava salvo com um diferente.
—Sim. Mas acho que não é seguro nos encontrarmos agora.
[Faça o que for mais confortável para você. Mas você sabe que é mais seguro estar ao meu lado do que ao lado daquela pessoa, certo?]
Ryan, que voltou com Khaleesi Winter, procurou Valery primeiro. E então fez uma confissão inesperada. Disse que gostava dele há muito tempo e que sempre quis voltar porque se sentia ansioso em deixá-lo sozinho aqui. Embora Valery sentisse saudades dos tempos passados com Ryan, para alguém que nunca havia gostado de ninguém, aquilo era uma novidade.
A proposta do Omega era tentadora, mas Valery não queria mentir sobre seus sentimentos. Então, a princípio, ele recusou. Disse que nunca tinha pensado em Ryan dessa forma, mas ele respondeu que estava tudo bem. Ele apenas pediu uma chance e afirmou que o mais importante era sair daquela cidade.
Não havia um motivo real para recusar isso.
Valery tinha apenas boas lembranças com Ryan e, como ele disse, talvez, se estivessem juntos, poderia acabar gostando dele, além disso Valery não queria mais ficar naquela terra gelada. Não queria mais sentir desespero e raiva ao ver Alexei, nem ver a corrupção da cidade em todos os lugares, essa era uma boa oportunidade. Uma chance de fazer o que gostava e viver uma vida normal.
Então, quando Alexei tentou impedir isso, era verdade que ele preferia morrer. Com certeza.
—Sim, eu sei.
Mas por que eu me sinto assim?
Valery percebeu que suas conversas com Ryan não eram mais tão tranquilas como antes. Ele não entendia por quê.
[Eu vou te ligar de novo. Apague todas as mensagens.]
Ryan, preocupado, continuou sendo gentil, e ele se sentia grato por isso.
—Cuide-se.
[Você também não se machuque, Lerusha. Estou com saudades.]
Responder “eu também” a essa saudade não parecia tão fácil quanto antes. Não deveria ser difícil de fazer.
Por que estou assim?
Com uma leve expressão de desagrado, Valery desviou o olhar para a janela onde a luz branca do sol entrava. Ele olhou para a escada de incêndio enferrujada do outro lado, a estrada estava esparsamente vazia e o céu azul. Apesar de estar preso, não se sentia realmente assim, mesmo com as correntes no pulso esquerdo tilintando e indicando sua situação.
No entanto, algo o incomodava. Não era um desejo desesperado de escapar, mas sim uma sensação de algo preso dentro dele. Valery se conteve para não olhar para a cama vazia ao lado, seus pensamentos continuavam se voltando para aquele lado, mas ele se forçou a resistir. Alexei não estava em casa. Ele tinha saído para cuidar dos problemas que surgiram após trancar Valery.
De certa forma, isso lhe dava conforto. Era o Aleksei que ele conhecia. Melhor do que aquele Aleksei que confessou sentimentos inesperados, dizendo que o amava e implorando para não partir.
Isso tornava mais fácil odiá-lo.
Em meio à confusão, Valery passou as mãos pelo rosto. Ele estava se sentindo fraco porque não tinha se exercitado. Estava acostumado a treinar todos os dias, e ficar preso enfraquecia sua mente. Alexei é um lixo. Um criminoso, ele…
Os pensamentos de Valery foram interrompidos. A imagem do seu irmão sorrindo não parava de surgir em sua mente, os olhos brilhando de felicidade ao ouvir ser chamado de Alyosha. Os lábios que contaram como seus pais morreram. A voz que confessou não querer arruinar sua vida. O carinho que transparecia em cada palavra.
Tudo isso tornava difícil definir Alexei como um lixo. Mesmo que seus crimes não desaparecessem.
Valery estava confuso. Pensamentos que ele não queria reconhecer invadiram sua mente sem cessar. A raiva que o sustentou durante toda a vida parecia sem direção. Eu tinha um plano perfeito. Mas, enquanto pensava nisso, Valery finalmente olhou para o lado. O lugar está vazio. Alexei, que tinha passado a noite abraçado a ele, não estava lá.
Ao perceber isso, inacreditavelmente…
Ele sentiu falta de Alexei.
Como posso sentir falta de Alexei, depois de tudo.
Para negar esse pensamento desconcertante, Valery se forçou a desviar a atenção. Fazer o que sempre fazia seria o melhor, certo? Ele sacudiu a cabeça levemente e saiu da cama. Pelo menos, as algemas nos tornozelos foram removidas, permitindo-lhe fazer alongamentos e exercícios simples, mas antes, queria tomar um banho.
Enquanto se dirigia ao banheiro, ele deu uma olhada ao redor da casa. Pensou que, nos últimos oito anos, essa era a primeira vez que passava tanto tempo em casa. Ele evitava estar no mesmo espaço por muito tempo porque só de ver o rosto de Alexei, sentia raiva. Era um dos motivos pelos quais praticamente vivia no estúdio de ensaio.
Se quisesse, poderia ter morado em outro lugar, mas não o fiz porque… Valery interrompeu seus pensamentos. Seus pés se fixaram no chão antes de entrar no banheiro. Por que não me mudei se odiava tanto esse lugar? Com certeza havia alguém que poderia tê-lo ajudado. Algo pesou em seu peito, e ele finalmente lembrou o motivo. Ah, sim, eu precisava economizar dinheiro.
Tanto quanto odiava Alexei, ele queria desesperadamente fugir daquele lugar, e precisava do dinheiro para isso. Depois de estrear, conseguiu economizar uma boa quantia, mas mesmo sendo o principal dançarino, não ganhava tanto dinheiro quanto ganharia em Nova York. Não havia muitos espetáculos na cidade, então ele guardava todo o dinheiro que conseguia. Morar separado teria sido um desperdício. Economizar para sair era a escolha mais sensata.
Sua mente estava confusa como água turva, para desviar sua atenção, entrou no banheiro. No entanto, assim que se viu refletido no espelho, as lembranças de Alexei retornaram. Ele não conseguia afastá-lo de seus pensamentos. Havia vestígios do homem em seu corpo e por toda a casa.
No espelho, ele viu as marcas que Alexei deixou. Os sinais de uma noite de muito sexo, as marcas de mordidas dos caninos de Alexei, os arranhões avermelhados em sua pele, tudo o levava de volta ao tempo que passou com ele. A marca da rachadura no espelho fez a mente de Valery se encher de Alexei. Como poderia parar de pensar nele?
Valery olhou para seus olhos verdes refletidos no espelho. Ele havia decidido se comportar como se fosse um Alfa cego pelo instinto, mas na realidade não deveria agir assim. Será que fiquei tão imerso no papel que acabei confundindo a atuação com a realidade? Então é assim? Por que você continua dizendo que Alexei é um ômega por quem você assumirá a responsabilidade?
Ele era um dançarino, não um ator. Eram coisas bem diferentes, não deveria se perder no papel fora do palco. Ele não tinha a intenção de esquecer o que Alexei fez nem de perdoá-lo de verdade. Se Alexei queria perdão em primeiro lugar, ele não deveria ter se comportado assim comigo. É verdade que cedi a ele porque não havia saída, mas o que Alexei fez foi um estupro, como ele mesmo admitiu.
Valery procurou em sua memória uma lista de crimes de Alexei. A violência que quase o matou era algo imperdoável, e todas as ações de Alexei desde então não eram normais. Ele sabia disso, pois cresceu observando o exemplo da família de Ryan. No entanto, se perguntassem exatamente qual era o problema, Valery não saberia responder, porque Alexei também era jovem na época.
Na verdade, o homem era provavelmente muito maduro para a sua idade. Embora tivessem brigado quando Alexei sempre insistia em jantar juntos, Valery procurava passar a maior parte do tempo sem vê-lo. E, inegavelmente, todo o dinheiro que Alexei ganhava era gasto com ele. Dormir, ir à escola, aprender balé, tudo isso tinha um custo e mesmo que o dinheiro não fosse lícito, foi esse dinheiro que trouxe Valery até aqui.
E tudo isso por um irmão que não era sequer de sangue.
Esse fato, que se tornou parte tardia de sua vida, tornou difícil criticar as ações anteriores de Alexei. Valery parecia buscar justificativas para os atos do irmão, como se quisesse dar-lhe uma razão. Alexei fez de tudo para mantê-lo vivo, fosse com violência ou estupro, até o ponto de Valery preferir morrer a continuar vivendo daquela maneira.
Então, começou a se perguntar se as ações de Alexei eram realmente para o seu bem ou para o benefício próprio. Essa dúvida repentina desviou o foco de seus pensamentos. E daí? Se foi para o meu bem? Eu deveria perdoá-lo por causa disso? Alguém que considerou como irmão a vida inteira e agora quer tratá-lo como seu ômega, o que pretende fazer com isso?
“Lembre-se, Valery. Você é a vítima. Não importa o motivo, nada justifica o que você passou.”
A voz de Ryan ressoou em sua mente, tentando trazê-lo de volta à razão. Normalmente, isso funcionava, mas hoje estava sendo difícil. Nos últimos dias, Valery tinha visto mais facetas de Alexei do que em todos os oito anos anteriores. Quanto mais ele pensava, mais parecia que seus pensamentos se enredavam. Tentando esvaziar a mente, ele desviou o olhar do espelho, tomou um banho e decidiu cozinhar algo para se sentir melhor. Mas, ao entrar na cozinha, lembrou-se de Alexei esquentando lasanha.
Droga, que inferno!
Com um tremor de raiva, ele se virou. Sentiu que enlouqueceria se continuasse dentro de casa. Queria sair, mas as correntes o impediam. Parado na porta da frente, a corrente o segurava firme. Valery torceu o pulso e tentou se soltar, mas as correntes apenas chacoalharam, sem romper, elas permaneciam firmes, como Alexei em sua vida.
A sensação de que a cabeça estava prestes a explodir logo se transformou em náusea. Sentado no chão, ele puxou as pernas para perto de si. Com os braços envolvendo os joelhos, ele enterrou o rosto, como fazia quando era criança. Naquele lugar onde apenas a escuridão era visível, Valéry chamava frequentemente por Alexei, mas sempre acabava em um chamado solitário.
Enquanto observava a escuridão que ele mesmo havia criado, Valery piscou ao ouvir o som do celular. Ele forçou os olhos secos e olhou para o bolso da calça. No momento em que viu a tela levemente iluminada, um pensamento absurdo passou pela sua mente: e se for uma mensagem de Alexei?
Esquecendo que havia excluído e bloqueado seu número no passado, Valery pegou o celular. No entanto, o nome exibido na tela era de um colega da companhia de balé. Após ignorar uma mensagem de saudação, Valery olhou fixamente para a tela. Ele percorreu distraidamente as mensagens e, depois de um tempo, começou a rolar para cima, encontrando mensagens de muito tempo atrás. Lá estava a última mensagem que trocou com Alexei, que na verdade era uma mensagem unilateral de Alexei para ele.
“Já comeu? Volte para casa na hora do jantar. Já depositei o dinheiro, se precisar de mais, me avise. Acho que vou me atrasar um pouco para a apresentação de hoje.”
As mensagens que ele enviou, sem se cansar, eram dezenas, centenas. Mesmo com o desprezo durante todo esse tempo, Alexei continuou a enviar tais mensagens. Enquanto lia isso, uma súbita saudade surgiu. Valery sentia raiva de Alexei por ter lhe deixado nessa situação, mas ao mesmo tempo desejava que ele estivesse por perto. A ideia de estar sozinho aqui, enlouquecendo, era terrivelmente insuportável.
Embora tivesse bloqueado o número, Valery pressionou o número de Alexei, que ainda estava salvo. Ele olhou fixamente para a palavra “irmão” e desbloqueou o número. A razão lhe alertou que isso era um erro, mas o impulso prevaleceu. Então, foi fácil. Seus longos dedos rapidamente digitaram uma frase.
—Para onde você foi?
O número poderia ter mudado. Era mais provável que não respondesse. Afinal, Alexei nunca veio quando eu realmente precisei. Apesar de pensar assim, Valery hesitou e pressionou o botão de enviar com o polegar.
Seu coração começou a bater rapidamente. Enquanto mantinha o botão de envio pressionado, ele observou a tela por um bom tempo. Sem pensar em nada, apenas observava. O “lido” não apareceu e, naturalmente, não houve resposta, nesse momento uma sensação de frustração tomou conta dele. A razão, já acostumada a desistir, gritava para Valery fazer outra coisa, mas ele não sabia o que mais poderia fazer ali.
Com o celular na mão, ele forçou-se a continuar pensando. Se ele se esforçasse, poderia talvez soltar as algemas, mas não sabia o que Alexei faria se isso acontecesse. Era melhor seguir o plano: manter Alexei distraído até que fosse o momento de sair da cidade, como sugerido por Ryan. Alexei não sabia que a família Winter estava se preparando para enfrentar Igor, então estava preocupado. Embora tivesse dito que seria perigoso ficar perto deles, Valery nunca esteve realmente seguro ao lado de Alexei.
A resposta já era conhecida há muito tempo, mas Valery se convenceu como se tivesse conhecimento de um fato novo. Este é o momento que estou esperando há muito tempo, e como Alexei fez algo assim, tudo que tenho que fazer é ir embora assim que eu for liberado, então por que me sinto mal? Mesmo que Alexei fosse facilmente enganado.
Enquanto pensava nisso, Valery ficou olhando para o telefone, esperando que alguma mudança ocorresse na tela branca. Inconscientemente, pensamentos impuros começaram a surgir. De repente, ficou curioso sobre o que Alexei estava fazendo e com quem estava, especialmente se era com Yuri.
A consciência, que havia se direcionado para outra coisa, voltou inteiramente para essa questão. Não era da sua conta e não deveria se preocupar com isso, mas a visão de como os dois pareciam excessivamente próximos voltou à mente. De forma natural, ele sabia sobre gostos que Alexei tinha, e falava com naturalidade sobre aspectos de seu irmão que Valery nem mesmo conhecia. Além disso, ele já sabia até mesmo de fatos que Valery desconhecia até então.
Até mesmo o fato de que eles não eram irmãos.
Franzindo as sobrancelhas, Valery apertou o celular na mão. As veias em cima da mão branca apareceram em tom azulado. A presença de Yuri, como um espinho cravado em seu coração, continuava a irritá-lo. Sentir que Yuri estava sempre ao lado de Alexei enquanto ele estava afastado fez Valery se sentir no fundo do poço. Ele também se questionou sobre o que Yuri representava para Alexei. Se Alexei estivesse em uma situação semelhante à minha, ele teria agido exatamente da mesma forma, do mesmo jeito que agora??
Como você sempre diz, sou a coisa mais preciosa para você, certo?
A raiva que surgiu foi difícil de explicar racionalmente, não diminuiu e continuou a crescer em tamanho, como um fogo latente. A realidade de que Alexei sempre escondia coisas de Valery, mas era aberto com Yuri, revirava sua mente. Era um sentimento que ele havia esquecido. Antes de Valery parar de esperar algo de Alexei, ela sempre se deparava com esse sentimento de ansiedade.
Esse sentimento estava ligado à utilidade de Valery. Incluía o fato de que ele não era útil para seu irmão e o sentimento de que não estava ajudando em nada na vida de Alexei. A sensação de inutilidade e ansiedade, que ele havia conseguido cortar com muito esforço ao longo do tempo, ressurgiu. Em apenas alguns dias, Alexei havia magnificamente reaberto as feridas e exposto o lado fraco de Valery.
Como se fosse uma escolha tola, apesar de saber, Valery acabou sucumbindo à sua ansiedade. Nem passava das 16h, mas lá fora já estava escuro. Lembrou de Alexei insistindo para jantarem juntos, então usando isso como desculpa, Valery escreveu mais uma mensagem, mesmo sabendo que era inútil.
—Por que você não chegou aqui até agora?
Era apenas uma verificação. A situação de precisar de Alexei para poder sair daqui era o que estava em jogo. Enquanto pensava assim, a resposta chegou.
[Estou a caminho, Lerusha.]
Isso não era esperado. A resposta chegou tão rapidamente que acalmou um coração que esteve angustiado o dia inteiro. Sentiu-se como se um papel amassado fosse alisado. O apelido “Lerusha”, que antes nem era notado, agora mexia com ele, era como se pudesse ouvir a voz grave de Alexei em seus ouvidos.
Era engraçado. A raiva e a ansiedade diminuíram repentinamente. No lugar, surgiu uma estranha sensação de desapontamento. Valery decidiu confirmar o que o estava atormentando.
—Você está com aquele cara chamado Yuri?
Embora houvesse uma grande probabilidade disso ser verdade, Valery não entendia por que se sentia compelido a perguntar isso.
[Eu o vi por causa do trabalho, depois nos separamos. Estou indo agora.]
A confirmação de que Alexei esteve com outra pessoa fez uma parte do seu coração pesar, mas saber que ele estava a caminho trouxe alívio. Valery deixou o celular de lado e lavou o rosto. Soltou um profundo suspiro e voltou a esconder o rosto nos joelhos. Estava com medo do que estava acontecendo com ele. As emoções agitadas eram estranhas, semelhantes, mas também um pouco diferentes das de sua infância. Não sabia exatamente o que era diferente, mas parecia mais intenso, talvez tenha sido assim também naquela época.
Aguardou em silêncio o som da porta se abrindo. Não sabia quanto tempo havia passado, mas parecia muito, a espera pela volta tardia de Alexei era semelhante a essa, mas naquela época ele podia dormir, o que era impossível agora. Havia se acostumado a não dormir, então sua mente estava excessivamente alerta.
Finalmente, ouviu o som esperado. Ouviu passos fracos do outro lado da porta e a chave girando. A porta se abriu e um vento frio entrou. O som dos sapatos ecoou alto e depois parou.
Ao mesmo tempo, Valery levantou a cabeça. Ali estava Alexei. O rosto, com olhos arregalados, olhava para ele, e uma emoção surgiu inesperadamente. O homem parecia surpreso com a visão que encontrou. E Alexei realmente parecia estar assim. Parecia muito desconcertado e assustado, seus lábios se moviam de forma nervosa e enquanto colocava no chão algumas sacolas ele rapidamente se aproximou para sentar-se ao lado de Valery.
—Lerusha, você esperou muito?
Ao ouvir isso, o gelo em seu coração derreteu. A raiva e o ressentimento forçados desapareceram sem deixar rastros. Não podia negar ao ver Alexei, o que sentiu não foi nojo, mas alívio e outra emoção.
Valery desviou o olhar, tentando ignorar esses sentimentos. Talvez Alexei tivesse se atrasado porque estava fazendo compras. Não havia necessidade, ele nem sabia cozinhar. Seria muito melhor se eu tivesse feito isso, pensou Valery, sem perceber que estava considerando uma situação que não tinha imaginado antes. Uma onda de ressentimento e frustração consigo mesmo o tomou. Odiava se sentir como uma criança novamente. Não queria depender de Alexei, ele o tinha prendido assim, então não deveria se importar.
—Se vai me manter preso desse jeito, não fique fora por muito tempo.
Sua raiva mal direcionada se voltou para Alexei. No entanto, o homem, em vez de se irritar, piscou e o observou. Valery não sabia se o leve rubor em sua pele pálida era devido ao vento frio ou não.
—Vamos jantar. Eu vou fazer.
Não era a resposta que ele queria, mas Alexei disse isso. Nada parecia fazer sentido. Ao ver o rosto de Alexei, geralmente penetrante e frio, suavemente olhando para ele, Valery quis não pensar em nada por um momento. Só queria se livrar daquela sensação suja que o atormentava antes.
O que aconteceu a seguir foi um ato instintivo.
Ele só queria se sentir um pouco melhor, e então acabou segurando a cintura de Alexei. A cintura que ele estendeu a mão para agarrar era inadequadamente fina para alguém tão forte e severo como Alexei. A cintura, surpreendentemente fina nas grandes mãos de Valery, evocava sentimentos estranhos, ele levantou Alexei, que estava sentado. Sempre sentiu que Alexei não era muito pesado, mas talvez fosse só a percepção dele.
Era um peso leve e agradável.
E, de fato, assim que o levantou como se o estivesse abraçando, ele se sentiu melhor.
A experiência de estar com Alexei e se sentir melhor não parou por aí. Quando estava com ele, geralmente, restava apenas uma sensação amarga e áspera, mas nesse dia foi diferente. As ações de Alexei simplesmente ressoavam de maneira estranha.
Foi assim desde o momento em que viu a sacola de compras com as toranjas que ele gostava. A geladeira, que antes só tinha comida pronta, estava agora cheia de ingredientes para cozinhar, algo fora do comum. A sensação de que alguém realmente vivia ali bagunçou seu coração já confuso.
Depois, o que realmente chamou a atenção foi a maneira como Alexei parecia ligeiramente perplexo com cada uma das suas atitudes. Pequenas gentilezas para ganhar seu favor ou para diminuir sua guarda o afetavam excessivamente. Coisas que outras pessoas não notariam, mas que em Alexei se destacavam, como tachinhas brilhando no centro de um palco. Não havia como ignorar.
Seus olhos estavam fixos na maneira como ele o seguia apenas para ajudar com as compras, no sorriso incomum em seu rosto quando Valery o chamava por um apelido, ou na visão de seu rosto enquanto Alexei calmamente ficava ao seu lado enquanto cozinhava e cortava os legumes. Não foi uma ação intencional. Quando parou de repente, só percebeu que Alexei estava assim na sua frente.
Tudo seguia nessa linha. Nunca tinha visto Alexei beber, então olhou para ele e acabou cedendo à sugestão de beber juntos. Mesmo sem querer saber por que Alexei estava chateado, acabou ouvindo. E então, um pouco bêbado, o bloqueio em seu coração começou a ceder, algo que estava firmemente trancado, sem nenhuma brecha, agora balançava perigosamente.
Nunca tinha pensado em liberar sua raiva acumulada dessa forma, mas seu corpo e mente continuavam agindo de maneira diferente. Era como se tivesse se perdido no papel que achava estar apenas atuando. Não queria admitir, mas continuava tendo o desejo de proteger Alexei, alguém que nem queria sua ajuda e que ele não podia proteger.
Que pensamento assustador.
Apesar dos sussurros racionais, Valery continuou seguindo esses impulsos. Como alguém que esperou por esse momento, como uma criança atraída por um doce, de repente deixando de lado a desconfiança antiga e dizendo coisas desnecessárias a Alexei. Prometendo protegê-lo, dizendo que ele não deveria beber, palavras desnecessárias surgiam. Mesmo pensando que deveria parar, ao ver Alexei ouvir suas falsidades, o desejo aumentou. Tinha esquecido disso. Esse era exatamente o desejo do menino que escolheu o balé para ser amado pelo irmão mais velho e ajudá-lo.
No momento em que ele percebeu isso, o desejo começou a dominar Valery. As palavras de Ryan, insistindo que Alexei era um criminoso e que ele era uma vítima, não tinham tanta importância naquele momento. Enquanto estava preso, ele só pensava que, para manter Alexei tranquilo, precisava tratá-lo bem. Usar isso como desculpa permitiu que Valery se libertasse de suas próprias restrições, ele decidiu sentir o irmão, algo que não podia fazer há muito tempo, sem qualquer hesitação.
O álcool teve um efeito estranho. Em algum lugar dentro de si, sentiu-se desarmado e com vontade de ser mimado. Alexei não o rejeitava, mesmo quando Valery o abraçava, o fato de não ser rejeitado o fazia continuar avançando. Gostava do cheiro doce, gostava do toque quente quando seu irmão o acariciava, e gostava da sensação do corpo do homem quando o abraçava apertado.
E não havia repulsa, que ele sentiu inicialmente, quando suas peles se tocavam.
No dia seguinte, ao ver Alexei dormindo pacificamente ao seu lado, e mesmo depois de organizar seus pensamentos e olhar para ele novamente, mesmo quando Alexei sugeriu inesperadamente tirar as algemas, a repulsa nunca voltou a aparecer.
Mas, apenas, naquele momento…
—Eu realmente te amo.
A face de Alexei, sussurrando amor e olhando para ele com desespero, ficou gravada em sua mente.
—Você é a única família que eu tenho, Lerusha.
E aquela imagem…
—Então, por favor… não fuja.
Alexei segurou seu pulso, agora livre das algemas.
~~~~~~
Aconteceu muita coisa durante a manhã. Havia muitas palavras que Valery não conseguia acreditar que tinha dito e muitas que ele nunca esperava ouvir de Alexei. Uma palavra que redefinia o relacionamento deles girou na mente de Valery durante toda a manhã. Talvez por ter conseguido a liberdade que tanto desejava de maneira incrivelmente fácil, mas a libertação em si não lhe trazia muitos pensamentos. Em vez disso, a palavra ‘namoro’ continuava a assombrar sua mente.
O principal bailarino, que apareceu após alguns dias, tinha muitos lugares para estar. Foi chamado pelo diretor, teve conversas com o coreógrafo e com o chefe do centro. Assim que o homem terminou de perguntar se havia alguma coisa errada, ele recusou a sugestão de ir ao hospital e fazer alguns exames. Embora seu pulso estivesse machucado por apenas um dia, as feridas no tornozelo eram mais sensíveis. Ainda não conseguia acreditar. Quem diria que Alexei me libertaria tão facilmente? Valery não conseguia nem pensar no tempo em que esteve preso, apenas se lembrava do dia em que ficou com as algemas nos pulsos. Aqueles dias caóticos e manchados agora não eram mais lembranças horríveis, mas sim sensações estranhas que o deixavam inquieto.
Alexei sempre foi tão disposto a ceder aos meus pedidos?
Segundo suas lembranças, não. Ele nunca colaborava com o que Valery queria. Ao usar a desculpa de querer praticar sozinho, pensamentos sobre Alexei continuavam a invadir sua mente. Será que estava tratando Alexei da maneira errada esse tempo todo? Se tivesse agido assim desde o início, o relacionamento deles teria sido diferente?
As perguntas não levaram a uma conclusão. Assim que a porta da sala de ensaio se abriu, uma presença familiar foi sentida. Um leve cheiro sempre seguia o som rítmico das batidas na porta. Valery sabia quem o havia procurado sem precisar ver o rosto.
—Lerusha, você está muito magro.
Ryan entrou dizendo essas palavras. Quando Valery olhou para ele, Ryan sorriu, ele ainda não tinha entrado em contato para marcar o encontro naquele lugar. Provavelmente Ryan tinha ouvido a notícia de algum colega ou de alguém que ele tinha infiltrado na companhia. De qualquer forma, não era muito diferente do que Alexei fazia. Isso incomodava Valery. A razão pela qual gostava de Ryan era porque ele era o oposto de Alexei.
Embora tivesse que se encontrar com Ryan, Valery não planejava fazer isso imediatamente, então ele permaneceu em silêncio, tentando organizar seus pensamentos. Ele poderia ter esperado, mas o fato do Omega ter aparecido tão rapidamente incomodou Valery hoje. Ele sabia que Ryan provavelmente estava preocupado e que normalmente agiria com cautela. Mesmo assim, Valery se sentiu incomodado. Ele sentiu uma emoção estranha e distante da paz habitual que Ryan lhe trazia, era difícil de explicar, mas instintivamente sentiu algo semelhante à cautela.
—Acho que não perdi peso.
Pensando bem, Alexei também estava preocupado com isso. Valery inconscientemente relaxou a expressão ao recordar os esforços dele para alimentá-lo. Não foi uma ação da qual estava ciente. Na verdade, ele teria passado por isso sem perceber, se Ryan não tivesse apontado.
—Você parece estar de bom humor.
Ryan piscou os olhos azuis, olhando para Valery. Havia uma expressão de curiosidade em seus olhos enquanto o observava atentamente. Ele franziu a testa ligeiramente, como se estivesse examinando algo que não entendia. Era a expressão que ele costumava fazer ao ler um livro.
—Mais do que eu imaginava.
Ryan murmurou para si mesmo enquanto se aproximava. Valery, também sem entender a frase repentina, estreitou os olhos e olhou para ele. A expressão de que ele parecia estar de bom humor era estranha. Durante esses últimos anos, Valery raramente se sentia verdadeiramente feliz. E após tudo o que aconteceu, não havia motivo para estar de bom humor agora.
—Por que você acha isso? Não há motivo para isso.
—Sim, não há motivo, mas você parece estar bem. Teve o celular confiscado e ficou preso. Sempre que encontrava aquela pessoa, você parecia exausto, mas agora… Eu nunca pensei que você estaria assim.
Pensando nas coisas que Alexei fez, Valery percebeu que não tinha como estar bem. Só depois de ouvir as palavras de Ryan ele começou a negar, como se estivesse despertando.
—Eu não estou bem. Não poderia estar. Como você disse, Aly–.
Quase o chamou de Alyosha. Apenas alguns dias chamando-o assim e quase escapou. Valery ficou surpreso consigo mesmo e fechou a boca rapidamente. Quanto mais Ryan ficava curioso, mais Valery percebia algo estranho. Em um curto período de tempo, sua desconfiança em relação a Alexei diminuiu assustadoramente. Embora estivesse ciente dessa mudança, achava que isso só acontecia enquanto estava preso. Agora que estava de volta à rotina, não havia motivo para continuar sentindo isso.
—… Alguma vez tive uma experiência agradável com Alexei?
—Desde quando você começou a chamá-lo pelo nome?
Ryan continuou a notar pequenas diferenças que nem mesmo Valery conhecia. Aproximando-se com a expressão séria, ele ficou bem próximo de Valery. Apesar de ser muito menor e não parecer ameaçador, Valery instintivamente recuou. Seu corpo reagiu assim, como se estivesse se defendendo dos feromônios do Ômega.
—Lerusha, o que aconteceu?
Ryan não era policial, mas era tão perspicaz quanto um. Sua família tinha uma longa tradição nesse tipo de trabalho, então talvez fosse algo hereditário. Coisas que poderiam ser disfarçadas facilmente não funcionavam com ele. Talvez ele simplesmente o conhecesse bem demais. Valery realmente considerava Ryan uma das poucas pessoas que o entendiam, então, se ele compartilhasse seus sentimentos agora, talvez o outro fosse capaz de compreendê-lo completamente.
Mas como poderia falar sobre o que aconteceu entre ele e Alexei?
Admitir que um alfa tinha estuprado outro alfa, ou melhor, que ele se tornou um ômega e agiu dessa maneira, era algo que Valery não conseguia suportar. Ryan jamais entenderia isso. Revelar seu lado mais vulnerável era desconfortável, e, além disso, tais eventos jamais seriam aceitos em uma cidade como aquela. E o que dizer dos acontecimentos subsequentes? A gravidez e todos os segredos que viriam à tona tornaria qualquer explicação interminável.
Valery não queria mencionar que Alexei havia se tornado um ômega. Ele queria ser o único a saber disso. Embora não entendesse exatamente por quê, sentia que a divulgação desse aspecto de Alexei seria perigosa.
—Foi apenas um desentendimento. Como eu disse na mensagem, ele achou que nossa relação era perigosa e tentou nos afastar com métodos extremos.
Métodos muito mais extremos do que admitia, mas ainda assim, se via defendendo as ações de Alexei sem perceber.
—Eu preciso saber exatamente o que ele fez para poder ajudar você, Lerusha.
Ryan o observava com olhos inquietos, a preocupação era evidente na sua voz. Embora fossem apenas conhecidos, ele sempre se preocupava com Valery dessa maneira, o que o tocava profundamente.
—Realmente, não foi nada demais. Não afetará nossos planos. Ele só pediu para eu não me encontrar com você, e eu concordei para ganhar tempo. —Os pensamentos que tinham ocupado sua mente até o dia anterior agora pareciam distantes. Valery continuou falando lentamente, como se estivesse tentando convencer a si mesmo. —A situação é mais grave do que pensávamos, Ryan. A sua família corre mais perigo do que eu. Igor Volkov…
Antes que pudesse completar a frase, Ryan interveio.
—Quer nos matar?
Ele respondeu com naturalidade, como se fosse óbvio.
—Eu sei. Quando falei sobre seguir você para Saratov, Khaleesi me avisou a ponto de me cansar. Afinal, estamos falando de alguém que mata policiais sem piscar. Tanto Khaleesi quanto eu estávamos preparados para isso.
Ryan parecia mais calmo do que Valery imaginava. Sua voz serena ocultava uma calma construída ao longo do tempo, provavelmente como preparação para lidar com o assassino de seu pai. Valery, que nunca tinha perdido alguém querido, não podia compreender completamente essa disposição. Mesmo que tenha deixado Alexei sair de sua vida, ele não estava morto.
Enquanto Valery pensava em como consolar Ryan, este o observava atentamente e, então, disse algo inesperado.
—Então precisamos tirar você de perto dele mais mais cedo do que o esperado.
A palavra “cedo” fez Valery hesitar. Ele franziu o cenho em silêncio, e Ryan continuou.
—Não sabemos o que pode acontecer se você voltar para lá. De qualquer forma, isso já estava planejado, e você queria isso há muito tempo. Apenas estamos adiantando o cronograma. Não mudou nada. Você pode comprar itens de primeira necessidade quando estiver em Nova York e, se precisar de algo específico, podemos mandar alguém buscar depois.
—Você está dizendo que devemos partir hoje?”
Parece que sim. Ryan assentiu silenciosamente.
—Sim, agora mesmo.
A palavra “agora” pesou desconfortavelmente no peito de Valery. Embora não fosse uma ideia ruim e fosse algo que ele sempre quis, responder prontamente pareceu difícil. Algo o incomodava. Sentia que Ryan estava apressando demais as coisas.
—É muito repentino.
Valery disse isso. Partir imediatamente envolvia pegar passaporte, documentos de identidade e muitas outras coisas. Ele também precisava informar os responsáveis da companhia de dança e discutir a programação das apresentações, já que havia um espetáculo marcado para dali a um mês. Além disso, depender totalmente da ajuda de Ryan o incomodava. Embora tivesse dito a Alexei que usaria os recursos de Ryan, essa não era sua verdadeira natureza. Aceitar ajuda era uma coisa, mas depender completamente dele não parecia certo.
—Preciso de tempo para concluir meus trabalhos aqui.
—Com o seu talento, você conseguirá qualquer papel em qualquer lugar. Não se preocupe com seu trabalho aqui.
Além de saber que o marido de Khaleesi apoiava a companhia de balé, Valery sabia que Ryan tinha conexões estabelecidas em Nova York. Em primeiro lugar, o facto de o marido de Khaleesi apoiar uma companhia de ballet neste lugar remoto pode ter algo a ver com ele.
Enquanto estivesse com Ryan, não havia nada a temer; isso sempre foi claro para Valery. Se Alexei era uma má influência, Ryan era exatamente o oposto, uma presença benéfica. Com personalidade, família e recursos financeiros sólidos, ele tinha tudo o que Valery precisava. Desde que decidiu perseguir a segurança financeira, Valery nunca hesitou em aproveitar as oportunidades que surgiam. Seria tolice não utilizar os recursos disponíveis.
A decisão já estava tomada, ele só precisava aceitar a oferta. Afinal, era uma questão que afetava seu futuro. Observando Ryan, que não desviava o olhar, Valery apertou e soltou levemente os punhos.
Sim.
Tudo o que precisa fazer é dizer essa palavra.
“Não fuja.”
A voz de Alexei ecoou em seus ouvidos. Mesmo livre de qualquer restrição, seus lábios permaneceram selados como se estivessem colados. Ryan rapidamente percebeu sua hesitação.
—Valery.
Com uma voz pesada, ele estendeu a mão. —Não sei o que ele te disse. —A mão de Ryan tocou a de Valery com cuidado. Foi desconfortável. —Sair daqui é a melhor escolha, não há esperança nesta cidade enquanto ela não mudar. Especialmente para alguém como você, sob a influência dos Volkov. Seu irmão… é um criminoso. Mesmo deixando de lado as outras coisas que ele fez com você, Alexei Sorokin ainda é uma pessoa horrível.
Valery sentiu uma repulsa súbita onde Ryan o tocava, uma repulsa fisiológica que ele nunca havia sentido antes. Com cuidado, ele soltou a mão de Ryan, que olhou para baixo e viu o movimento.
—Ele não é tão ruim quanto você pensa.
Ryan mordeu o lábio e levantou a cabeça.
—Lerusha, o que há de errado?
—Ryan.
Ele perguntou com uma expressão que demonstrava completa incompreensão.
—Isso não é típico de você. Tudo está estranho, desde hesitar em seguir nosso plano até defender essa pessoa. O que ele fez com você?
Ryan parecia realmente surpreso e, ao mesmo tempo, desapontado. Valery devia muito a ele e não queria deixá-lo tão magoado.
—Eu sei. Você está certo, Ryan.
—Então, como pode dizer que ele não é tão ruim?
Ryan elevou um pouco a voz, algo que Valery nunca tinha visto antes. Parecia que todos ao seu redor, de Alexei a Ryan, estavam revelando lados desconhecidos.
—Não estamos falando de um criminoso qualquer com um histórico de pequenos furtos. Ele trabalhou a vida inteira para Volkov. O que você acha que ele fez ao longo da vida? Desde viciados que perambulam pelas ruas até todas as pessoas que desapareceram por aqui, de quem você acha que é o sangue em suas mãos? E mesmo assim, ele não é tão ruim?
A raiva de Ryan, sempre tão tranquilo, era diferente da que Valery carregava. Enquanto Valery expressava sua raiva, ele parecia acumular o ódio, tornando-o cortante e assustador.
As palavras de Alexei de que nunca havia matado ninguém ressoaram na mente de Valery. Embora não tivesse acreditado completamente, ouvir as acusações afiadas de Ryan deixou Valery inquieto.
—O destino de Alexei é uma morte precoce. Ele vai acabar na prisão ou morto. Não há outras opções, você não precisa testemunhar esse fim. Além disso, você nunca gostou dele. Você disse que só porque os dois têm o mesmo sangue não significa que pode perdoar tudo.
A decisão de Valery de manter silêncio foi rapidamente abalada. A palavra “morte” o afetou profundamente, houve momentos em que ele quis desesperado que Alexei desaparecesse da sua vida, mas nunca imaginou a sua morte. Uma parte do que Ryan disse estava errada.
—Não é verdade que eu nunca gostei dele. Você sabe que eu o seguia até ser internado no hospital.
Valery, embora tentasse agir como se tivesse esquecido, não podia negar o passado.
—Embora Alexei seja horrível, foi pelo dinheiro sujo que ele ganhou que cheguei até aqui. A razão pela qual comecei com a dança….
Valery fechou os olhos com um suspiro. Ele mesmo achava ridículo o que estava falando assim agora. Por que, exatamente, estava defendendo Alexei?
—Isso é passado.
Ryan traçou uma linha.
—Agora não é mais assim.
E então, confirmou novamente.
—Certo?
O olhar de Ryan, que não piscava enquanto esperava a resposta, fez Valery perceber de repente o que ele estava perguntando. Ele estava confirmando algo. Ele queria uma resposta para os sentimentos que havia confessado a Valery.
—Eu disse que não sabia se gosto desse jeito de você, Ryan.
—Eu sei. Por isso continuei esperando. Já se passaram alguns meses, e quando você disse que queria partir, achei que havíamos chegado a um acordo.
As sobrancelhas de Ryan se franziram. Seu rosto, muito mais suave e dócil que o de Alexei, tinha um charme que cativava quando ele fazia uma expressão triste. Os alfas costumavam gostar de beldades que pareciam precisar de proteção, e alguns dos antigos parceiros de Valery, que lhe diziam diretamente para desistir de Ryan, também o faziam por isso. Rian era alguém que não tinha condições, personalidade, ou razões para ser rejeitado.
—Você foi quem disse para irmos embora. Para irmos para Nova York juntos.
Foi no dia em que Alexei mandou aquele ômega seduzir Valery. Ele disse isso. Alexei estava descontrolado, tentando manipular e controlar ele, e o fato de que ele nunca cederia ao que Valery realmente queria era insuportável. Cansado da luta com ele, sugeriu a Ryan que partissem. E essa decisão desestabilizou muita coisa.
—Eu estava com raiva. Não conseguia suportar a forma como Alexei tentava me manipular como sempre, e fiz a proposta no calor do momento. Me desculpe, Ryan. Eu não quis dizer que queria tomá-lo como meu amante.
Ryan fez uma expressão de dor momentânea. Sendo alguém cujas emoções eram fáceis de ler, Valery sentiu como se tivesse cometido um grande erro.
—… Mesmo assim, está tudo bem. Eu só preciso que você esteja ao meu lado.
Tentando aliviar o peso, Ryan falou com calma.
—Eu entendo que você não me ama dessa forma. Eu sei que é um momento difícil para pensar nessas coisas. Você ainda é jovem e está começando sua carreira. Mas, mesmo assim você ainda não encontrou outro ômega. Então eu vejo isso como uma possibilidade.
O que Ryan disse era verdade, pelo menos até recentemente. No entanto, as coisas são um pouco diferentes agora. Uma por uma, Valery recordou as palavras que disse para enganar Alexei. Mesmo que as palavras ditas fossem mentiras, e os atos de reconciliação fossem encenações… Valery não podia negar o fato de que Alexei estava grávido. Essa era uma responsabilidade que ele tinha que assumir.
—É verdade que eu quero sair desta cidade.
Então, o rosto pálido de Ryan começou a mostrar sinais de alívio. Vendo seus olhos esperançosos, Valery forçou um leve sorriso e continuou.
—Mas não posso simplesmente deixar Alexei para trás. Eu tenho responsabilidades.
—O que exatamente você tem que responsabilizar?
O tom de Ryan se elevou um pouco. Embora não fosse ameaçador, não era o comportamento típico do Omega, mesmo após tanto tempo juntos, havia aspectos dele que Valery nunca tinha visto. O tempo compartilhado parecia não ser um indicativo de realmente conhecer alguém.
—Desculpe, mas não posso falar sobre isso. Mas não parece certo partir simplesmente assim. De qualquer forma, sou parte da família de Alexei, e Igor não permitirá que eu escape facilmente. Se você ficar comigo, só vai se colocar em mais perigo.
Ryan ficou em silêncio por um longo tempo depois disso. Seus olhos, inclinados tristemente, fixaram-se em Valery como se estivessem escolhendo suas palavras. Justamente quando estava se perguntando o que estava fazendo ali, Ryan quebrou o silêncio.
—Eu sempre pensei que você poderia não sobreviver até se tornar um adulto. Desde o dia em que você quase morreu por causa daquela cara. Mesmo quando fui forçado a ir para Nova York por causa do trabalho do meu pai, eu sempre me preocupei com você.
A voz de Ryan ficou cada vez mais firme.
—Eu sou a pessoa que pode te proteger, não aquele que você chama de irmão. Sempre foi assim e sempre será.
—Eu não preciso da proteção de ninguém.
Valery disse com uma voz cansada.
—Já passei por algemas suficientes disfarçadas de proteção.
—Você está dizendo que eu sou como ele?
Ryan perguntou com uma expressão de incredulidade, e Valery balançou a cabeça.
—Só estou dizendo que não precisa fazer tudo isso, Ryan.
—Eu não posso ver você acabar como o meu pai. Isso não pode acontecer, eu não posso ficar parado enquanto pessoas inocentes morrem. Mesmo que você não seja meu companheiro, não vou deixar isso acontecer. Você é tão precioso quanto minha família. —As palavras “tão precioso quanto minha família” ecoaram em seus ouvidos. Era como se estivesse dentro, mas ao mesmo tempo fora dos limites de Ryan, como se estivesse na linha tênue entre os dois. Ryan suspirou suavemente e acariciou sua bochecha. Depois de um silêncio pesado, ele acrescentou em voz baixa. —Eu cometi um erro. Eu deveria ter previsto que você reagiria assim, já que sempre foi fraco em relação a ele.
Olhando para Ryan, que falava com um tom complicado, Valery também se sentiu confuso. Ele sabia que seria mais fácil deixar este lugar com a ajuda de alguém como o ômega. Era o que ele queria e, para ser honesto, não sabia exatamente porque ainda estava hesitando.
…Mas eu não podia deixar Alexei aqui. E também não podia dizer a Ryan que iria com ele. Como Ryan disse, Alexei era um criminoso, e ele só não tinha sido preso por falta de provas públicas. A possibilidade de a família do Omega ajudar Alexei era praticamente inexistente. A solução, como sempre, dependia apenas dos irmãos.
—Desculpe.
Valery encerrou a conversa com um pedido de desculpas. Ryan negou suas palavras.
—Você não fez nada de errado, Valery. Foi ele quem te manipulou.
—Ficar foi minha decisão.
—Foi Alexei Sorokin que acabou criando essa situação. —Ele não pôde negar as palavras de Ryan e o encarou. Sabia que tinha chegado a uma conclusão ilógica, e a ansiedade persistente em seu interior se agitava levemente. Percebendo sua inquietação, Ryan acrescentou: —Você pode pensar que ele se importa com você, mas não é assim. Ele nunca agiu para o seu melhor, sempre foi por ele mesmo. Se ele te amasse de verdade, se quisesse que você estivesse em um ambiente adequado, teria encontrado uma maneira de te tirar daqui quando você era mais jovem. Não teria te mantido ao lado dele e te deixado aqui até esse momento.
E essas palavras dele tocaram uma dúvida que estava no coração de Valery. Ele não podia ter certeza se Alexei fez tudo aquilo porque o amava ou se era apenas para seu próprio benefício.
—Você sabe que não é tão simples assim.
Disse, como se quisesse afastar a dúvida que surgia em sua mente. Apesar dos métodos de Alexei estarem errados, Valery não queria negar o esforço que o homem fez por ele.
—Se fosse pel bem da família, ele teria encontrado uma maneira. Assim como Khaleesi fez com minha mãe.
Ryan corrigiu de forma categórica. Embora não estivesse errado, ao ouvir isso, Valery sentiu a distância entre ele e o ômega, uma distância que sempre esteve presente, mas que ele havia esquecido. Ryan nunca pertenceu a esta cidade. Em um lugar onde tantas pessoas eram pobres e carentes, Ryan sempre se destacou, e Valery queria pertencer ao mundo do Omega.
Mas isso não era algo que todos pudessem fazer. Além de afastar as oportunidades, Valery provavelmente nunca será capaz de pertencer completamente ao mundo de Ryan.
—Se sair da organização de Igor Volkov fosse algo que se pudesse fazer só por querer, todos já teriam fugido. Ryan, nem todos têm uma família como a sua.
Ele disse calmamente, com sentimentos complexos. Ryan, que parecia ter muito a dizer, hesitou e mordeu os lábios. Nunca tinham sentido desconforto ao compartilhar o silêncio, mas o silêncio de hoje era estranhamente sufocante. Naquele momento estar com Alexei parecia até mais confortável.
Pensando nisso, ele sentiu saudades de Alexei.
Foi assim que se sentiu da última vez. Naquela época, ele pensou que fosse porque estava preso, mas não era. Se acostumou tanto a estar junto dele todos os dias que, ao passar apenas algumas horas sem vê-lo, parecia que tinha se passado muito tempo.
A estranheza se dissipou quando o celular de Ryan tocou. Ele olhou para a tela da chamada e, com uma expressão cansada, ele disse:
—Eu preciso ir. Khaleesi fica inquieta quando eu saio…
Ryan engoliu um suspiro e olhou nos olhos de Valery.
—Se cuide.
—Você também, Ryan.
Valery disse sinceramente, sabendo que Ryan estava correndo mais perigo do que ele. Ryan ouviu suas palavras e saiu da sala de ensaio com passos relutantes, quando ele abriu a porta, Valery se virou e tentou forçar-se a praticar, mas Rian acrescentou uma última coisa:
—Não confie tanto nele. Você vai acabar machucado de novo.
A voz calma ecoou dentro dele. Quando olhou para o lado, Ryan já tinha saído. Observando o estúdio de ensaio vazio e silencioso, ele forçou-se a se concentrar. Nunca havia passado tanto tempo sem praticar, nem mesmo quando estava doente. Esta pausa foi a primeira em muito tempo.
Pensando bem, Alexei provavelmente não sabia que eu me esforçava tanto. Eu nunca demonstrei estar com febre porque não queria ser um fardo para ele. Até nos desentendermos, eu nunca tinha ficado doente, então nunca vi Alexei preocupado e ansioso por minha causa. Pelo menos, até recentemente.
Ele se lembrou de quando ele quase o soltou porque o Alfa se recusava a comer. Com isso sentiu uma inquietação inexplicável. A conversa recente com Ryan estava embaralhada em sua mente. As palavras do Omega, de que Alexei nunca agiu pensando no bem dele, ecoaram em seus ouvidos. Lembrando dos métodos que Alexei usou para controlá-lo, seus sentimentos se tornaram cada vez mais confusos. Embora o propósito de mantê-lo preso fosse para salvá-lo, ele não conseguia entender os verdadeiros sentimentos de Alexei.
A sensação de desespero que sentiu no passado voltou, parecia que estava de volta àquele tempo, sem saber o que Alexei estava pensando. Pensar que ele achou que conhecia os pensamentos e sentimentos de Alexei parecia ridículo agora.
A ansiedade crescente tornou-se mais intensa com o passar do tempo. Incapaz de controlar seus sentimentos, Valery teve dificuldade em se concentrar, mesmo em um simples alongamento. Quando começou o treinamento na barra, sua concentração despencou e o som irritado de seus passos ecoou pelo estúdio. Ao ouvir isso, ele percebeu que praticar neste estado era inútil, seria difícil realizar qualquer movimento corretamente.
Esgotado e sem ter conseguido nada com o desgaste desnecessário de energia, Valery deixou o estúdio. Mergulhar nos ensaios hoje para esquecer as preocupações não ajudou. Sentindo que sua rotina habitual estava completamente distorcida, Valery seguiu seus movimentos automaticamente. Depois de tomar banho, pegou suas roupas. Se não ia praticar, não tinha motivo para ficar ali. Quando olhou a hora no relógio ainda era de tarde, e era estranho estar fora do estúdio a essa hora, já que geralmente saía apenas tarde da noite. Sua vida era bastante restrita.
De pé na entrada do centro de treinamento, com o vento frio soprando, Valery olhou ao redor. Viu pessoas caminhando pelas ruas, eram cenas estranhas para ele. Havia desde sem-teto revirando lixeiras perto da faixa de pedestres para pegar bitucas de cigarro até casais andando juntos.
Enquanto observava essa cena, não conseguiu pensar em um lugar para ir. Em meio a apresentações, festas, ensaios e eventos, nunca tinha percebido a solidão que agora sentia. Era a mesma sensação que sentiu ao voltar sozinho para casa após a cerimônia de formatura.
Observando as pessoas que tinham um destino claro, Valery começou a andar lentamente. Carregando sua bolsa de ginástica, seguiu com passos longos até chegar a um ponto de ônibus. Ao verificar o painel, percebeu que o ônibus ia na direção de sua casa, coincidentemente, o ônibus chegou naquele momento. Fora do verão, os horários dos ônibus eram sempre irregulares, mas hoje ele estava pontual, e embora soubesse que Alexei provavelmente não estaria em casa, Valery pegou o ônibus 22.
Dentro do ônibus, impregnado do cheiro de poeira velha, Valery lembrou-se do aroma de Alexei. Em meio aos diversos cheiros ao seu redor, o perfume de Alexei destacava-se claramente. Com a cabeça apoiada na janela, ele pensou em Alexei, não como um alfa, mas apenas como Alexei. Pensou na discussão com Ryan e em todas as preocupações que surgiram: como assumiria a responsabilidade por Alexei grávido, como poderia protegê-lo. Tudo estava confusamente entrelaçado em sua mente.
Quando chegou a sua parada, levantou-se. Apertou o botão para descer e se posicionou junto à porta. O ônibus parou de repente, e um homem ômega ao lado dele quase caiu, mas Valery o segurou instintivamente. O cabelo castanho balançou à sua frente, bem abaixo de seu campo de visão, eles se entreolharam, e o ômega agradeceu timidamente, com o rosto corado.
—Obrigado.
Junto com a expressão de gratidão, Valery sentiu o cheiro dele. Imediatamente, sentiu uma forte aversão, semelhante à que havia sentido em relação ao aroma de Ryan. Sem conseguir responder devido à repulsa fisiológica, ele rapidamente desceu do ônibus.
Reprimindo a náusea, Valery apertou a alça da sua bolsa. Seus passos ficaram mais rápidos, era a primeira vez que algo assim acontecia. Nunca tinha ouvido falar de um alfa sentindo aversão a um ômega. Esse feromônio desconhecido deixou Valery inquieto, ansioso ele impulsionou o corpo para frente. Quase correndo, chegou ao seu apartamento e subiu as escadas. Era mais rápido subir a pé no velho prédio de poucos andares, porque naquela situação esperar o elevador parecia uma sentença de morte por sufocamento.
Passando pelo corredor estreito, ele parou em frente à porta de casa. Não se lembrava da última vez que se sentiu bem estando ali. Mesmo sabendo que estava voluntariamente voltando ao lugar de onde tinha saído, Valery não hesitou, esqueceu de pegar a chave e tentou girar a maçaneta primeiro. Quando se lembrou da chave, a maçaneta já havia girado. Achou estranho que a porta estivesse destrancada e a abriu abruptamente. E lá estava Alexei, prestes a sair.
Ele estava colocando os sapatos, com uma expressão inquieta no rosto. Era quase uma expressão neutra, mas dava para sentir a inquietação em seus feromônios.
—…Alyosha?
Chamou pelo nome dele, tentando entender o que estava acontecendo. Então percebeu que usou o apelido de Alexei sem que ele pedisse, e parou por um momento. Embora quisesse vê-lo e tivesse vindo voluntariamente, sentiu que havia baixado a guarda rápido demais.
—Lerusha…
No entanto, a precaução forçada não durou. Os olhos azuis de Alexei se arregalaram ao vê-lo e os feromônios agitados do Omega fluíram para ele. Sem terminar de calçar os sapatos, Alexei se jogou em seus braços. O abraço foi tão forte que quase o sufocou, e seu coração começou a bater rápido. Não houve desconforto, apenas uma sensação de euforia.
Logo, sentiu Alexei na base do seu pescoço, esfregando a testa e respirando profundamente. O coração tumultuado de Valery se acalmou naquele instante, sem espaço para outros pensamentos.
Com as mãos trêmulas, abraçou Alexei, o corpo era suficientemente pequeno para ser envolvido por seus braços. O corpo de Alexei, que antes parecia grande e forte, escondia esses segredos. Depois de adulto, percebeu que Alexei era menor em muitos aspectos, era mais baixo, tinha mãos e pés menores, não só isso, também havia partes mais maciças. Abraçando Alexei, que se entregou a ele sem esconder sua insegurança, Valery refletiu sobre isso enquanto seu coração batia acelerado.
Abraçando-o lentamente, Valery sentiu seu cheiro. O enjoo que perturbava seu estômago começou a desaparecer de imediato. Ele se sentiu tão confortável como se estivesse voltando ao ninho, querendo prolongar essa sensação, Valery puxou Alexei para mais perto. Alexei não o rejeitou, apenas se aninhou ainda mais em seus braços. Valery quase queria parar o tempo ali, sentindo uma leve tremedeira no corpo de omega. Percebendo isso, Valery sentiu um instinto natural de acalmá-lo.
—O que aconteceu…?
Antes que pudesse terminar a pergunta, um cheiro estranho misturado ao de Alexei invadiu seus sentidos. Era um odor desagradável, como uma pontada afiada nos pulmões. Valery reconheceu o cheiro e a imagem de Yuri passou por sua mente. Um homem com uma cor de pele desconfortavelmente semelhante à de Alexei. Era estranho que o ômega tivesse entrado em casa sem mais nem menos, a desconfiança, muito maior do que antes, tomou conta de Valery.
Os sentimentos que se seguiram eram difíceis de descrever.
Hostilidade e possessividade emergiram simultaneamente. O pensamento de que Alexei era seu ômega dominou sua mente. Talvez fosse um instinto primitivo de alfa, mas o pensamento não desapareceu facilmente. A curiosidade sobre o que havia acontecido com Alexei cresceu rapidamente. Então esquecendo seu comportamento habitual, Valery segurou o rosto de Alexei.
—…Lerusha?
Alexei olhou para ele com um olhar curioso. Valery se perguntou o que Yuri havia feito para deixar seu cheiro no corpo do homem, imaginar o que poderia ter acontecido fez sua raiva crescer. Para o cheiro estar tão forte, eles deviam ter estado muito próximos, com um propósito claro, misturando seus feromônios. A ideia de Yuri tocando Alexei fez Valery queimar por dentro.
—Por que o cheiro daquele desgraçado está em você?
A pergunta escapou antes que ele pudesse se controlar. Alexei pareceu surpreso ao olhar para ele. Seus olhos azuis, que pareciam perdidos, eram lindos, mas, mesmo assim, Valery precisava saber a verdade.
—Talvez seja porque trabalho com Yuri.
Valery examinou Alexei minuciosamente ao ouvir sua resposta baixa. Era difícil acreditar nele. As palavras de Ryan ecoaram em sua mente: não confiar completamente em Alexei. Aproximando-se ainda mais, Valery precisava descobrir exatamente o que aquele homem tinha feito ao seu irmão.
O que aconteceu a seguir foi instintivo. Mesmo que nunca tivesse tido relações com um ômega, como alfa, seu corpo sabia o que fazer, como se existisse um código genético inscrito. Ele precisava marcar Alexei com meu cheiro, cobrir as marcas desagradáveis do outro com as suas, deixando claro que Alexei era seu ômega.
Alexei, talvez querendo deixá-lo louco, estava incomumente submisso. Ainda assim, sentia como se estivesse sendo dominado. Embora fosse ele quem o pressionava contra a porta, marcando-o como um animal, a cada gesto e toque dele, minha razão se desintegrava. Cada vez que ele me abraçava e implorava com urgência, os fragmentos de lógica que ainda me restavam se desvaneciam.
Alexei, talvez querendo enlouquecê-lo, estava incomumente submisso. Mesmo assim, Valery sentia-se dominado. Embora fosse ele quem pressionava Alexei contra a porta, marcando-o como um animal, a cada gesto e toque de Alexei, sua razão se desintegrava. Cada vez que o ômega o abraçava e implorava com urgência, os fragmentos de lógica que ainda lhe restavam se desvaneciam.
O fato de Alexei ser outro alfa, de Valery tê-lo considerado um irmão por toda a vida, de Alexei tê-lo machucado – tudo isso se dissolveu. O que restava era uma única coisa.
—Como posso confiar em você? Você fez tantas coisas horríveis comigo.
A última fração de sua razão tentou se agarrar à ideia de confiança, impedindo-o de sucumbir totalmente aos seus instintos animalescos. Sim, Valery precisava confiar. Seu coração, inegavelmente abalado, os desejos de amá-lo como na infância, estavam à beira de um precipício. Ele não queria ser ferido novamente, precisava acreditar que Alexei nunca mais o abandonaria como no passado.
Alexei arqueou as sobrancelhas diante das palavras de Valery. Seu rosto pálido estava ruborizado com o calor. Vendo-o morder os lábios, sem saber o que fazer, Valery sentiu uma vontade súbita de perdoá-lo, mas resistiu.
—Eu sou o seu ômega…
Finalmente, Alexei disse as palavras que Valery tanto esperava. Ele as disse por vontade própria, e um arrepio percorreu a espinha do homem, sem qualquer ação provocadora, apenas aquelas palavras incendiaram seu interior, preenchendo-o com uma alegria quase extasiante.
—De verdade?
Mesmo estando a ponto de ceder, Valery perguntou novamente, incerto se tinha ouvido direito. Era um medo antigo e como se quisesse tranquilizá-lo, Alexei, ofegante, o puxou para mais perto. Seus olhos azuis, úmidos, capturaram o olhar de Valery.
—Se não fosse você, por que eu faria isso… hã, então, por favor… hã, ah!
Finalmente, Valery cedeu. Abraçou Alexei com força e enterrou profundamente seu pênis nele. Então aceitou a realidade que tanto negou, não sabia como tinham chegado a isso, mas não podia mais negar.
Mesmo nos momentos de maior ódio, Valery sempre amou seu irmão. Desde que se apresentou essa escolha inesperada, ele já estava desmoronando. O ressentimento e a raiva que se acumularam durante um longo período de tempo perderam seu rumo diante do sorriso de Alexei. Suas palavras sobre amor reduziram esses sentimentos ao nada, e seu sussurro de que era seu ômega os destruiu por completo.
Valery sempre sentiu falta de Alexei, Nunca houve um momento em que eu não o amasse. Nem uma única vez.
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Continua….