No Jardim Das Rosas - Capítulo 03
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- Capítulo 03 - O BELO GAROTO QUE SE PARECE COM A MÃE
Arok segurou a moeda de prata brilhante em sua mão e a girou. Foi a primeira vez em anos que ele tocou em prata. Era um ato insignificante quando você tinha uma fortuna descomunal, mas precioso quando você perde tudo. Ao contrário da platina, o metal cinza-claro, de aparência frágil e quebradiça, era como o cristal de um sonho fugaz.
Um sonho de um passado distante.
Todas as noites, ele refletia enquanto observava a superfície brilhante da moeda contra o céu alaranjado.
Posso comprar pão. Um grande pão, polvilhado com passas. Isso pode durar seis meses. Eu poderia comprá-lo com açúcar. Também seria bom comprar cobertores para o próximo inverno. Posso comprar botas de pele ou ir para uma cidade do sul, que é um pouco mais quente. Os invernos de lá não são tão rigorosos quanto os daqui.
— O que fazer?
Arok agachou-se no celeiro e enterrou o rosto em suas pernas, contemplando as possibilidades. Se ele fosse o Conde de sempre, não se preocuparia com essas frivolidades. Ele provavelmente iria à papelaria, comprar papel e caneta e enviaria cartas para todos os endereços de que ainda conseguia se lembrar. Mas, agora, ele tinha certeza de que não obteria resposta a nenhum de seus pedidos. Todos que já cuidaram dele agora viraram-lhe as costas. Pelo menos, Derbyshire e Wolflake, que eram muito próximos, recusavam-se a visitá-lo e ele tinha certeza de que, mesmo que ficasse na porta de suas mansões, todos fingiriam não conhecê-lo. No momento de desespero, o único que lhe ofereceu a mão foi Klopp, mesmo depois de tudo…
Olhando para trás, percebeu estar em um caminho que levava ao mesmo abismo. Ele não podia desperdiçar seu precioso dinheiro em algo sem sentido, sabendo muito bem que não haveria respostas de qualquer maneira. Ele nem estava com fome. Na verdade, ele imaginou que essa era uma oportunidade de ouro que definitivamente não iria se apresentar novamente. Afinal, ele não queria gastar sua preciosa moeda de prata em um pão que poderia obter se vendendo. Na verdade, em suas reflexões, Arok se lembrou do que ele mais queria em sua vida. Claro que abandonou porque achou que nunca teria o capital.
Mas, agora, lá estava ele com sua moeda de prata.
Arok não conseguiu dormir nessa noite. Deixou o estábulo antes que os homens viessem procurá-lo, ao amanhecer. Ele vagou em busca de uma costureira sofisticada. Claro, o dono expulsou Arok da loja, temendo que sua reputação fosse manchada quando seus clientes vissem que ele fazia roupas até para os necessitados. Ele implorou várias vezes, caiu de joelhos, ergueu sua moeda de prata e se contorceu enquanto implorava pelo favor. O alfaiate de cabelos compridos riu friamente enquanto levantava os óculos que pendiam da ponta do nariz:
— Uma única moeda de prata não compra nem uma gravata! Vamos, suma daqui!
Ele estava um pouco surpreso. Com esta preciosa moeda de prata, ele pensou que poderia comprar pelo menos um conjunto de roupas de baixa qualidade. Foi decepcionante perceber que ele não era capaz de, nem mesmo, comprar uma das gravatas que usara antes.
Ele bisbilhotou durante todo o dia em qualquer lugar que pelo menos parecesse uma loja, mas sem sucesso. Mas, pelo menos, teve sorte de não ser espancado e jogado em uma esquina qualquer. No fim das contas, abriu mão das lojas luxuosas que margeavam a calçada principal e conseguiu comprar um terno surrado e sapatos feios no brechó surrado que encontrou em uma casa no subúrbio onde habitava a classe trabalhadora. Ele pagou com toda sua prata pela vestimenta e recebeu de volta alguns trocos, que usou para comprar sabonete em outra loja. Com o coração excitado, ele inadvertidamente correu para a margem do rio e, antes que a noite avançasse, lavou-se cuidadosamente e vestiu as roupas que cheiravam a poeira e mofo e calçou os sapatos. Ele desejou poder suavizar algumas das rugas nas roupas, mas não podia pagar por isso. Arok passou a mão pelo cabelo ainda úmido, penteou-o para trás e continuou andando. As pessoas o encaravam, mas não mostravam mais a hostilidade que tinham antes. Ele seguiu seu caminho, nervoso. A maioria das pessoas simplesmente passou por ele, mas um ou dois jovens alfas o encararam. Por razões um tanto obscuras, isso o assustou terrivelmente, fazendo com que Arok se escondesse junto às sombras, da forma mais discreta possível.
— Ei você, é, você aí!
A voz vinha de trás. Quando ele olhou rumo à direção, surpreso, era uma pessoa que ele não conhecia, mas estava se aproximando. Com um sorriso amigável, ele hesitou um pouco antes de tentar dizer alguma coisa. Aqueles que pareciam amigos do homem sorridente, riam alegremente e cochichavam entre si. Arrepios tomaram conta do corpo de Arok.
— Desculpe. Eu tenho que ir…
— Você pode pelo menos me dizer o seu nome?
— Sinto muito.
Ele respondeu rapidamente, se distanciando. Por um tempo, parecia que estavam o seguindo, mas depois foram embora. Ele estava usando sapatos mal ajustados e seu calcanhar doía terrivelmente, mas não conseguia diminuir a velocidade. Tinha medo do que poderiam fazer com ele. E então, depois de mais de duas horas de caminhada, Arok se viu no final de uma rua bastante organizada onde morava a classe média da cidade. Além desse caminho, do outro lado, havia uma área repleta de mansões de nobres e ricos. Ele teve que andar dezenas de minutos para passar pela porta da casa que queria.
Ao contrário de outras ruas da cidade, onde havia muitos pedestres, esta área era toda de carruagens, então se via muito poucas pessoas andando. Quando isso acontecia, eram criados geralmente ligados às mansões. Arok olhava em volta para evitar a aproximação de estranhos nos quais ele conseguia ver pequenos pedaços de rostos e vestígios de olhos.
Quando ele foi expulso deste lugar, os servos costumavam vigiar para que ele não voltasse. Várias vezes, ele foi espancado a ponto de perder a consciência e ainda se lembrava do gosto de sangue na boca consequente das agressões.
Arok mexeu os pés enquanto endireitava os ombros rígidos à força. Felizmente, o soldado que passava do outro lado olhou para ele com um pouco de cautela, mas não tentou pegá-lo. Foi graças à roupa que não era muito diferente da dele, embora cheirasse um pouco por estar velha e empoeirada. Mesmo assim, Arok sentiu as costas enrijecerem e aumentou a velocidade da caminhada. Depois de sair da frente da casa nobre, ele caminhou por um longo trecho, até que finalmente conseguiu parar em frente a uma mansão verdadeiramente esplêndida e enorme, com uma fileira de cedros projetando-se de cada lado. E, ao lado da porta alta de ferro, junto ao pilar decorado com estátuas de pedra, havia uma placa de cobre gravada com o nome do dono da casa. O que antes estava inscrito “Teiwind” havia sido alterado para “Bandyke”. O portão de ferro e a entrada da mansão eram separados por um enorme jardim que não podia ser acessado diretamente, então ninguém podia ouvir Arok implorando para abrirem.
Enquanto ele vagava, uma carruagem apareceu ao longe, e uma mulher que ele conhecia bem se debruçou na janela. Ela era uma ômega de meia-idade, repleta de joias em volta do pescoço. Ela arregalou os olhos, depois estreitou-os novamente e parou a carruagem:
— …Conde? O que você está fazendo aqui?
— Marta.
Quando o porteiro que o novo proprietário desta mansão, o visconde Bendyke, havia contratado há vários anos, abriu a porta, Marta assentiu e conduziu a carruagem para dentro. Parecia que ela estava comprando mercadorias, cumprindo suas tarefas de governanta. Ele deveria ter pedido a ela para deixá-lo entrar, mas de alguma forma sua boca não abriu.
Pensando no que havia feito antes, ele não teve coragem de pedir um favor como esse. O melhor era esperar por Klopp. Ele entraria ou sairia uma hora, isso era certo. E enquanto ele estava lá sem dizer nada, o porteiro de olhos opacos olhou para Arok, certificou-se de que ele não roubou nada e então voltou para a mansão.
Klopp originalmente possuía uma pequena propriedade na província. Ele era o segundo filho de um barão sem muito dinheiro. Comparado aos aristocratas de alto escalão da capital, ele não tinha nada além do status inferior de um plebeu, mas agora ele era diferente. Klopp era um empresário que se fez sozinho, do zero, e um investidor brilhante que foi recebido com entusiasmo até mesmo nos círculos sociais mais reservados da corte real. Todos os projetos relacionados aos títulos do governo que ele tocara estavam gerando grandes lucros. Ele tinha uma visão de negócios admirável e teve grande influência na economia do país ao conquistar grandes riquezas em negociações diplomáticas. Ao mesmo tempo, com a proteção de numerosos nobres atrás dele, ele não sabia que tipo de negócio havia feito nos bastidores, mas havia recentemente recebido um título muito importante. Embora não fosse um cavaleiro, acabara de receber o posto de visconde, embora sua origem seja de linhagem baronial. Foi um grande choque dar um título hereditário naquele período. Rumores e exageros orbitavam sobre sua famosa figura. Em especial, sobre o marido que tanto amava e seu bebê.
Pouco após ter sua família destruída pelas mãos de canalhas, inúmeros rumores foram gerados sobre seu período de cinco anos junto às sombras. Ninguém sabia onde ele estava ou o que fazia na época. Apenas ao ressurgir nas cenas sociais da cidade é que descobriram que ele tinha uma fortuna considerável nas mãos e controlava a economia da metrópole. Por outro lado, a vida de Arok sofreu o efeito inverso. Suas propriedades desapareceram e o negócio em que ele investiu faliu. Foi estranho. Por pior que fosse o tino de investidor de Arok, nada era capaz de justificar uma perda tão grande. Era como se alguém tivesse armado uma armadilha para ele. Não demorou muito para que suas fortunas desmoronassem e Arok estivesse profundamente endividado. Apesar de seu orgulho, ele pediu ajuda às pessoas ao seu redor, mas todos lhe deram as costas.
Naquele momento, Arok finalmente deixou a mansão. Ele não teve escolha a não ser vendê-la. Arok não foi capaz de pagar a dívida, que se multiplicou catastroficamente, dia após dia, mesmo após vender todas as suas propriedades e imóveis. Por consequência, a mansão e seu jardim de rosas particularmente belo agora pertencia ao poderoso burocrata Klopp Wendyck.
Agora, Arok esperava pacientemente pelo dono da mansão onde nasceu.
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Justamente quando o céu estava ficando dourado, o porteiro apareceu novamente:
— Você é o ex-conde?
Ele se levantou rapidamente do chão, mas perdeu o equilíbrio. Tentou encostar-se na parede para não cair e, finalmente, ficou de frente para o homem, se apresentando. O porteiro olhou Arok de cima a baixo em descrença, endireitou os ombros, ergueu a cabeça e disse:
— O visconde convidou você a entrar. Por favor, entre.
O porteiro abriu a porta e se retirou. Foi graças a Marta? Arok lançou um único olhar ao porteiro e entrou na casa exatamente como lhe fora solicitado. O jardim ao seu redor, que dava caminho para a porta da frente, manteve sua aparência anterior. Alguns anos se passaram, mas as vagas lembranças voltaram aos poucos, como se fosse ontem. Ele se perguntou se o jardim de rosas tão amado de sua mãe, cujo rosto ele agora mal se lembrava, ainda estaria por ali, mas não achou correto passear pelo terreno sem a permissão do proprietário.
Finalmente, chegando à porta da frente, um mordomo vestido elegantemente em um terno preto saiu. Mas não era mais o velho mordomo da família Taywind que dirigia a mansão por décadas, e sim um jovem desconhecido. Arok seguiu o homem até o corredor e notou que a decoração interior também não era a mesma. Principalmente os retratos. A maioria dos quadros pendurados nas paredes foi substituída por outras pinturas. Entre eles estava o trabalho de um novo artista que Arok tinha interesse antes de sua ruína. Ele deve ter se tornado um pintor de muito sucesso para decorar as paredes dos salões dos aristocratas mais influentes do país. Arok estava um pouco feliz por terem gostos ligeiramente similares.
Ao chegar a um salão vazio ao qual foi conduzido, olhou em volta lentamente. Vestindo um terno como este e apreciando a arte no salão, ele de repente sentiu como se tivesse voltado ao passado. Seus ombros se endireitaram um pouco e até seu queixo se levantou sozinho. Com um sorriso sutil no rosto, Arok examinou as delicadas pinceladas do artista e passou os dedos sobre elas:
— A pintura foi vendida pelo preço de uma casa modesta. Foi em leilão. Foi um ótimo investimento. — disse Klopp.
Arok ficou surpreso, mas devido aos ensinamentos revividos repentinamente junto ao ambiente nobre, assentiu levemente e se afastou da imagem, como se soubesse que ela estava lá desde antes.
— É uma pintura muito delicada e emotiva. O pintor provavelmente adorou esse espaço vazio. Por isso ele derramou a luz ao máximo com cores tão ousadas. Acho que não foi o único que ele desenhou. Quer dizer, essa cena. Ele deve ter feito outros, dependendo da época ou estação. E se foi uma série, colecionar todos agregaria ainda mais valor a essa peça…
— Verdade.
Arok assentiu e olhou para ele.
— Você tem boa visão. Esta é uma peça que nem todos podem admirar.
Ele estava sem fôlego. Seu coração até parecia um pouco apertado, mas não chegava a ser insuportável. O olhar de Klopp era semelhante ao da última vez, junto às luzes da rua. Não… Algo estava diferente. Dessa vez, em vez de demonstrar puro desprezo, ele agora parecia ter menos repulsa e mais curiosidade. Claro, isso não mudava o fato de que aqueles olhos escuros ainda o encaravam com intensidade, então Arok não ousou dizer mais nada. Ele apenas olhou para a mão do homem que parecia ligeiramente trêmula e acenou com a cabeça novamente. Ele estava um pouco preocupado que aqueles dedos grandes e quentes que se tocavam lentamente contra suas roupas, voassem até suas bochechas, então ele abaixou o rosto quase sem perceber.
Doía, ele sabia bem. Mas não só isso. Sabia que se irritasse Klopp, seria imediatamente expulso daquele lugar. Ele ainda não havia conseguido nem metade do que desejava. Arok sorriu para o alfa sempre tão zangado para mostrar que não tinha más intenções, mas não pareceu ter sido a melhor das escolhas. Ele cerrou o punho, que estava ligeiramente curvado, que começou a embranquecer devido à força do homem e, temendo ser atingido, estava prestes a dar um passo involuntário para trás. No entanto, o mordomo, que entrou com um jogo de chá, quebrou o clima tenso. Ele se curvou modestamente, cumprimentando seu mestre, e colocou a bandeja sobre uma mesa. Klopp, que vinha emitindo profundo ódio, relaxou um pouco a expressão e ofereceu a Arok uma cadeira, seguido de um sorriso frio. Ainda assustado, Arok assentiu ligeiramente pela segunda vez e caminhou até a mesa para se sentar.
O chá servido pelo mordomo era o chá preto de alta qualidade que ele costumava apreciar em seus velhos tempos. Tomou um gole do líquido e pareceu relaxar um pouco. Realmente fazia muito tempo desde que se sentia assim. Também foi o primeiro chá que ele bebeu após perder tudo que tinha.
Antes, um gole desse chá teria sido bom para passar o tempo, mas agora ele estava tão grato que pensou que poderia compor uma longa *ode para demonstrar sua gratidão. Klopp, que sentiu o calor da xícara com as duas mãos, segurando-a de uma maneira considerada pela etiqueta como imprópria, falou primeiro:
N/R: Ode é um poema lírico, geralmente cantado e caracterizado por melodias alegres e cheias de entusiasmo.
— Parece que você melhorou muito desde a última vez, Conde.
Em vez de ser particularmente sarcástico, era um tom calmo. No entanto, sua voz fez-se forte o suficiente para apertar o estômago do outro por um momento. Arok não queria mostrar os dedos trêmulos, então pousou a xícara de chá e baixou as mãos sob a mesa.
— Graças a você.
— Como você me achou?
— O quê?
À pergunta de Arok, Klopp respondeu inclinando-se para trás e cruzando as pernas.
— Não se passaram dois anos desde que você esteve nesta mansão, certo? É apenas uma casa comum para mim, mas, para você, não é como voltar para sua cidade natal? Fiquei um pouco desapontado por não vê-lo depois disso.
Mesmo que ele tenha dito isso, não parecia nada sincero. Klopp foi tão eloquente que o fez perceber que ele não estava falando mais com o homem que conhecera no passado, e sim com o visconde Bendyke. Em outras palavras, isso também significava que cada uma de suas falas sarcásticas eram bem medidas e capazes de atacar Arok em seus pontos fracos.
— Algo aconteceu.
Na verdade, ele tentou vir a esta mansão várias vezes e passou por muita coisa até saber que essa era uma esperança vã, um sonho fadado ao fracasso, e concluiu ser algo impossível. Além disso, seria realmente necessário descrever em detalhes os momentos miseráveis que ele não queria lembrar? Ele tinha certeza que isso iria agradá-lo, mas não queria lhe dar essa satisfação.
Após tomar mais um gole do chá levemente morno, Arok olhou silenciosamente para Klopp. Agora tudo o que ele queria era apenas uma coisa. Embora fossem vidas que nasceram de uma forma que ele nunca pensou ou desejou, era um fato imutável que aquelas crianças eram sangue de seu sangue. Ele queria segurar os bebês que havia dado à luz pelo menos uma vez. Ele queria que eles soubessem quem os pôs no mundo. Isso era tudo. Ele não tinha nenhum desejo de deixá-los saber o que tinha feito, que castigo estava pagando e onde ou como vivia agora. As pequenas crianças não precisavam saber desse passado sombrio repleto de pecado só porque nasceram dele. Eu mereço isso, mas eles não. Arok queria vê-los apenas uma vez, ver se eles estavam vivendo felizes sob os cuidados daquele homem e não precisava estar sujeito a pressões desnecessárias como essa.
Depois de um tempo, Arok decidiu falar, observando o olhar do outro:
— O menino é lindo…
Os olhos escuros brilharam terrivelmente.
A máscara fina que ele usava, que parecia zangada só de olhar para ele, rachou um pouco e, finalmente, os lábios de Klopp tremeram ao olhar para ele. Então, fez uma careta novamente e perguntou:
— Quando você o viu?
— No outro dia. Foi uma coincidência.
Depois de responder obedientemente, Klopp suspirou e bufou. Então, ele apoiou o queixo na mão e olhou para Arok para determinar se era verdade ou não.
— E você diz que ele é lindo?
— O menino não se parece com você…
Foi uma sentença com certo grau de ameaça. Mesmo que houvesse uma discussão muito difícil de lidar ou algo que terminasse em pancadaria, ele tinha que tentar. Se ele perdesse essa chance, não poderia garantir que haveria uma próxima oportunidade. Arok decidiu ser firme ao seu desejo interior e deliberadamente encarou o oponente frio, fingindo estar calmo para forçá-lo a recuar. Com isso, Klopp apenas levantou os cantos da boca:
— É porque ele se parece com meu marido.
Ele não entendeu a princípio. Não, por um momento ele se perguntou se Klopp estava louco de novo. Ele tinha dito que ele se parecia com seu marido? Ele piscou várias vezes e mal conseguia manter a boca fechada. A esperança que ele tinha acabara de ser espatifada em incontáveis pedaços. Ele quis gritar e se lançar na direção do outro em um ato de fúria, porém, graças ao terno e sapatos que abraçavam seu corpo e ao cheiro de chá que reviveu os antigos ensinamentos, Arok respondeu com um sorriso mais profundo do que pretendia.
— …O chá estava bom. Cheira bem. Até beberia mais, mas acho que já está na hora de ir.
Ao se levantar da cadeira, Klopp perguntou em tom sarcástico.
— Você já vai?
— … Agradeço pelo chá.
O outro não se levantou. Arok deixou o salão sem olhar para trás. O porteiro o viu andando um pouco mais rápido de longe e abriu o portão, em silêncio. E , infelizmente, ele não conseguiu nem realizar seu desejo. Dizer que foi inesperado seria mentira. Ele até pensou haver se comportado mais corretamente do que imaginava. No entanto, antes dessa reunião, ele ainda acreditava que um dia Klopp o perdoaria e o aceitaria de volta.
Mas isso foi apenas uma grande ilusão.
O ódio de um homem que perdeu seu amado marido e filho era maior e mais forte do que qualquer coisa que Arok pudesse imaginar. Mesmo em meio a uma vida onde tudo foi destruído ou perdido, aqueles que guardavam rancor não tinham escrúpulos quando se tratava de efetivar sua vingança. E ele percebeu que tudo o que havia feito era inútil. Por mais que tentasse, Klopp não deixaria de sentir ódio por tudo o que ele fez. Arok sabia o que tinha feito, mas era a primeira vez que ele pareceu perceber que, não importa o quanto sofresse, jamais haveria perdão.
Houve um tempo em que acreditava firmemente que ele era superior em família, riqueza, beleza e talento e era melhor do que o pobre Rafiel e que o ômega não tinha nada de extraordinário exceto poder ter filhos. Sendo um alfa, ele não tinha escolha a não ser aturar isso, mas não agora. A droga ingerida, em parte por desejo de Arok, e em parte forçada por Klopp, transformou o conde alfa em ômega.
“Você tirou meu marido e meu bebê de mim! Você tem a obrigação de devolvê-los para mim!!! Você deveria devolver meu bebê para mim!!”
Ele se sentiu culpado, mas também abençoado. Mesmo após compensar o filho perdido e ainda lhe conceber um segundo, ele perdeu sua propriedade e sua família e pagou por seus pecados com dor e com a morte de outros bebês inocentes que jogou no rio. Ele pensou que estaria tudo bem, já que seu lado arrogante havia desaparecido e se perguntou se um dia Klopp o perdoaria, mesmo que por pena.
Mas agora ele percebeu que as coisas não seriam assim.
Os vivos nem sempre conseguiam derrotar os mortos. Na memória de Klopp, ficou claro que Rafiel sempre seria uma figura gentil e repleta de beleza. Já Arok, com sua aparência surrada, murcha, nunca mais ascenderia ao seu nível.
Seus olhos pareciam arder, mas ainda assim, nenhum choro saiu. Ele nunca chorou em sua vida: esqueceu como fazê-lo. Ele queria chorar, mas não podia. Então Arok caminhou, incapaz de esconder seu rosto feio e distorcido, engolindo o líquido amargo que queimava dentro dele.
Talvez as duas crianças vivam sem conhecer Arok pelo resto de suas vidas. Eles saberiam que a pessoa que os deu à luz infelizmente faleceu há muito tempo e, bom, isso era melhor do que deixá-los saber da verdade. Pelo menos Klopp os amaria sem receio.
A ideia deixou Arok um pouco feliz. A situação era extremamente dolorosa, mas ele ficou tão grato por pelo menos ter dado à luz a crianças saudáveis e que viviam em um lar seguro que sentiu que não precisava de mais nada. No entanto, não importa quantas carrancas e soluços ele desse, as lágrimas que tanto lhe daria alívio nunca saíram, sobrando como expressão de sua dor apenas suas bochechas quentes.
Agora não havia muitos lugares para onde ir.
Batendo os saltos de seus sapatos velhos e feios, ele se dirigiu ao local onde uma vez enviou as pétalas para seus filhos. Talvez hoje ele pudesse enviar seu corpo para se juntar a eles.
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Continua…
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Tradução: MiMi