No Jardim Das Rosas - Capítulo 02
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- Capítulo 02 - SONHANDO SEMPRE COM MEU PRÓPRIO PECADO
Arok foi até o rio para evitar o olhar das pessoas. O lugar, imerso na escuridão, refletia a luz das casas e fluía como uma cobra negra de escamas brancas capaz de devorar tudo e a todos.
As pétalas que ele chegou a jogar no rio, em homenagem ao bebê falecido, já devem ter ido para o mar ao serem levadas pela corrente, então ele não as viu. Rapidamente, lavou o rosto e o cabelo. Ele também enxaguou as roupas que estavam todas cobertas de sujeira e tentou tirar o sangue delas. Era difícil esfregar o pano duro e úmido com seus dedos fracos e secos. Por conta disso, não importava quantas vezes ele esfregasse, as enormes manchas marrons não eram eliminadas de maneira apropriada e o rastro de sêmen, sangue e placenta permaneciam presentes. Ele supôs que era porque nunca havia lavado adequadamente o que estava vestindo.
Ele deveria ter aprendido antes.
Você deveria ter feito isso antes.
Ele não sabia o que pensar. O arrependimento se tornava presente até nas menores coisas que fazia. Mas, por agora, era importante limpar suas roupas de alguma forma, então mergulhou nu no rio frio até que as pontas de seus dedos se enrugassem e ele se esfregasse o máximo possível. Ele não estava acostumado a lavar o corpo com água fria, sem sabão ou escova, então tropeçou junto às pedras escorregadias vezes o bastante a perder de vista. Além disso, embora ele achasse bom se lavar à noite para evitar os olhos das pessoas, estava muito frio e ele não podia usar as roupas molhadas para dormir.
Então, Arok vasculhou uma pilha de lixo para encontrar algo para aquecer seu corpo trêmulo, mas, como sempre, não encontrou nada que o ajudasse nessa situação. Se ele ficasse parado, sua temperatura cairia a um nível perigoso e sabia muito bem que seria suicídio se enfiar em um beco para descansar molhado e exposto, dessa forma, com membros que haviam chegado ao ponto de não ter gordura para queimar e se aquecer.
Após hesitar, Arok saiu de seu esconderijo e foi para outro lugar.
— Ei, acorde. Você tem que pagar pela comida.
Os olhos de Arok se arregalaram com os chutes fortes em sua perna. Estava em um barraco em ruínas, impregnado de um odor podre, mas mobiliado o suficiente para bloquear o frio.
Ele ergueu o corpo.
O velho cobertor empoeirado que o cobria estava encharcado com o sêmen que o havia preenchido a noite toda e, quando acordou e se mexeu, o homem que o chutou se aproximou até ficar bem visível graças à luz que entrava pela janela.
As roupas jogadas ao lado da cama estavam quase secas.
Antes de colocá-las, Arok enfiou um dedo em seu ânus, raspando todo o sêmen acumulado e se limpou entre as pernas com o mesmo cobertor. Ignorando a dor, ele forçou as pernas com cãibras a se moverem e se levantar para poder ir ao banheiro. O homem, que na noite anterior havia exigido sexo em troca de lhe dar um cobertor quentinho e um lugar para se esconder do orvalho, agora exigia serviços para pagar os pãezinhos que lhe dava como alimento.
— O que tenho que fazer?
— Você comeu todos os pães de ontem à noite. Vamos, hora de recuperar o prejuízo.
O homem apontou para o saco de farinha com a mão grossa e peluda.
— Mova isso para lá. E se você deixar cair e estourar ou estragar essa farinha de qualquer forma, vou bater em você com tanta força que vou destroçar esse seu rostinho. Além disso, você não pode andar pela cozinha desse jeito. Coloque isso.
Ele enrolou o avental branco na cintura e entrou no que parecia ser a cozinha. Arok obedeceu ao homem, pegando um saco de farinha do tamanho de seu torso. Ao segurar o saco, acabou cambaleando, o que o fez colocá-lo no chão novamente e, após muita luta, conseguiu firmá-lo bem e o depositar ao lado do prato de pedra junto à cozinha, como o homem havia indicado. Mesmo mover um único saco fez com que todas as suas juntas formigassem e seus dentes rangerem devido ao esforço que estava fazendo. Sentia sua cintura dobrar ao meio. Realmente, havia algo mais pesado do que isso no mundo? Sinceramente, pensava que não.
Enquanto Arok ofegava, cerrando os joelhos e pulsos, o homem que olhava em sua direção resmungou.
— Se você não se mover rápido, não vai ter pão para o café da manhã!
Arok assentiu, surpreso com a voz do homem, e moveu-se rapidamente para mover o segundo saco de farinha.
Naquele dia, pela primeira vez em sua vida, Arok recebeu dois pães e um pouco de açúcar pelo seu trabalho. Em termos de dinheiro, o que ele fez não era nada além de mão de obra barata, então eles deram a ele um pouco menos de uma moeda. Mas agora, olhando para o que havia ganhado com as próprias mãos, ele pensou que talvez não era uma situação tão ruim assim.
Suas pernas estavam bambas e seus braços estavam fracos por se movimentar o dia todo. Um dos trinta ou mais sacos de farinha que ele moveu caiu no chão. A ponta se abriu, derramando uma enorme quantidade do pó branco. O homem o espancou, mas não foi rude o suficiente para jogá-lo na rua, então ele pegou diligentemente o que prometeu e entregou a Arok.
Agora ele rasgaria o miolo branco do valioso pão que ganhara com tanto esforço, mergulharia em açúcar mascavo e enfiaria na boca com o desespero de sempre. Foi a coisa mais deliciosa que já havia comido! Ele queria que a iguaria rendesse por mais tempo, então tentou guardá-lo. Mas quando voltou a si, percebeu que comera tudo antes que tivesse notado. Ele estava babando e metade do açúcar e do outro pedaço de pão estavam em suas mãos. Era muito pouco, mas se ele comesse tudo hoje, teria que passar fome amanhã e isso era algo que definitivamente não gostaria de enfrentar. Na rua, ele aprendeu que evitar a fome do dia seguinte era mais importante do que ficar satisfeito agora – e assim o fez.
Esta também foi a primeira economia que fez na vida.
Mas se ele decidisse ficar no celeiro da padaria, não teria escolha a não ser abrir as pernas quando o homem pedisse. Arok disse querer trabalhar o máximo possível, então, embora o proprietário não estivesse muito feliz, ele acenou com a cabeça como sinal de “boa-fé” e disse que poderia ajudá-lo. Mas em troca, ele perguntou se poderia tentar algo diferente durante a noite.
— Tudo bem… Mas de agora em diante, não goze dentro.
— Ha… Já tá se sentindo como um alfa dominador de novo, sua puta de merda?
Felizmente, ele considerava Arok um alfa. Isso porque não havia nenhum sintoma específico de ciclo de calor e o cheiro do corpo de um ômega não saía de sua pele adequadamente. Para ser honesto, nem mesmo Arok sabia o que diabos era e nem a data exata de seu cio. Um dia após se sentir satisfeito, ele soube que o período de calor havia terminado e, quando uma protuberância vermelha de sangue saiu de sua virilha, ele descobriu que havia engravidado. Seu corpo, que mudou do nada, ainda era desconhecido para ele. Era necessário aprender a lidar com isso… algo impossível, se você considerarmos que Arok não era nada além de um sem-teto, vivendo na rua.
No entanto, ele rapidamente descobriu do que o homem falava ao “tentar algo novo”: uma noite, ele apareceu com três de seus companheiros. Ele já havia recebido dois ao mesmo tempo, mas era a primeira vez que lidava com tantos alfas e nunca teve relações com homens de paus tão grandes. Eles agarraram os membros de Arok, que tentou se afastar com medo, e brincaram com eles como se fossem brinquedos. Eles estupraram seu ânus dilacerado várias vezes até que ele pediu que parassem, e foi forçando a fazer oral neles.
— Ele é um alfa de verdade?
— Cheira como um. Que loucura. Eu já me misturei com ômegas muitas vezes e esse aí definitivamente é estranho.
Os homens o estupraram, entraram em seu corpo e começaram a derramar uma grande quantidade de sêmen dentro dele. Arok, que lutava contra a dor de ter seu traseiro dilacerado, olhou para o homem que havia feito a promessa e argumentou:
— Ah, ah… Você disse… Você disse que não ia gozar por dentro…
— Não fui eu, foi o meu amigo.
— Ah, ah, ah, ah!
Após o ato, todo o seu corpo estava encharcado de sêmen. E quando eles saíram, Arok começou a vomitar tudo o que não conseguira engolir. Os fluidos chegavam até mesmo a escorrer pelo nariz de uma forma repulsiva até para ele, que havia se acostumado a passar por esse tipo de situação. Após se recuperar ligeiramente, ele abriu sua virilha o máximo que pôde e raspou o que restava em sua carne, inserindo os dedos em seu ânus.
Se ele não tivesse mordido o cobertor, poderia ter mutilado sua língua de dor.
Ser atacado por várias pessoas em simultâneo era extremamente doloroso. Por conta disso, sua visão se tornou turva. Ao desmaiar, seu cérebro estranhamente confuso ignorou completamente a ordem de seu dono: “não quero pensar em nada“. E, no instante seguinte, em uma ação impulsiva e sem controle, a mente de Arok volto a reproduzir lembranças de um passado já esquecido.
Sua mente lhe mostrou cada pecado que cometeu quando ainda era um conde.
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Rafiel Westport era definitivamente um ômega. Ele era baixo e, claro, pequeno o suficiente para caber em qualquer canto. Não havia nada nele que fosse superior a Arok: ele não era bem-educado, nem tinha nenhum talento especial. Na sociedade aristocrática, pode-se dizer que ele era uma das muitas pedras rolando a estrada, chegando a ser visto como um ser humano comum, medíocre e completamente normal. Nem mesmo sua aparência se destacava. Claro, ele tinha um lado fofo, mas nada que fosse considerado uma beleza estonteante. Simplificando, apesar da óbvia diferença entre alfa e ômega, era quase impossível dizer que Rafiel era, pelo menos, mais bonito que Arok, mesmo ao buscar ignorar os rígidos padrões de senso estéticos que habitam a mente humana. Diferente do conde, cujas feições pareciam ter sido desenhadas à mão por Deus, Rafiel tinha um rosto arredondado, que até carregava certo encanto apenas quando você olhava de perto. Além disso, seu cabelo loiro era mais opaco do que o dele, e seus olhos eram salpicados de cinza em alguns lugares, especialmente abaixo da íris, lembrando um lápis-lazúli.
Os viscondes de Westport, parentes distantes dos condes de Taywind, não eram feios, mas também não carregavam nada de especial. Eles nem eram uma família que pudessem usufruir financeiramente por conta própria, então por que Klopp gostaria de alguém assim? Ele poderia ter aceitado se seu amado estivesse namorando uma pessoa completamente diferente, mas ELE?! Que absurdo!!! Klopp não era alguém que pudesse estar junto de alguém inferior a Arok em todos os sentidos. Sim, era verdade que eles eram tão parecidos que, às vezes, eram confundidos com irmãos. Mas havia uma clara diferença de garbo e elegância que tornava desagradável até mesmo mencionar que ambos compartilhavam do mesmo sangue.
Deve haver outro motivo para alguém da estirpe de Klopp escolher Rafiel em detrimento de qualquer outra pessoa.
Após pensar sobre o assunto, Arok decidiu que isso era algum tipo de provocação. Pode ter sido algo planejado para impedi-lo de ficar com os Taywinds: uma armadilha. Sua maneira de se vingar do status advindo de seu pai. Algo.
Mas uma coisa estava clara. Cada vez que os observava afetuosamente unidos, olhando um para o outro como se só existissem eles no mundo, Arok era dominado por um ciúme terrível.
Pelo mais puro ódio.
No fim da tarde, preparando-se para o enfadonho banquete que seria oferecido aos viscondes de Derbyshire, Arok esperou no corredor pela chegada da carruagem de Klopp. Ele não sabia exatamente o que estava fazendo. Pensou que poderia… Tentar falar com ele sobre a tolice que ele estava fazendo. Permaneceu andando pelo corredor com uma tez ligeiramente endurecida enquanto as pessoas corriam e lotavam a entrada principal para cumprimentar os convidados. E ali, na beira do jardim que ele acendera para o homem que tanto amava, ele viu duas pessoas agarradas uma à outra enquanto trocavam um beijo tão intenso ao ponto de ser um pouco assustador. O único lugar onde os jovens aristocratas poderiam se deleitar livremente era em suas reuniões. Eles não estavam oficialmente envolvidos, então se mostrar frente aos outros dessa forma os tornaram um novo objeto de “fofoca” – algo que eles consideravam desnecessário.
Mas, por mais remoto e escuro que fosse o lugar onde estavam e, por mais que estivessem ali para não causar problemas para suas famílias, eles estavam fazendo isso no jardim aberto da mansão de um terceiro: na casa de Arok.
Desgostoso, ele pensou em simplesmente ignorá-los. Mas como Rafiel era seu parente, eles compartilhavam os mesmos traços em seu rosto. Por isso, decidiu dar-lhe um pouco de atenção para ver mais ou menos até onde eles haviam chegado. Eles sussurraram algo no ouvido um do outro com uma risada baixa e juntando suas testas, sem perceber que o outro se aproximava quase correndo.
O desconforto foi imenso.
Ao se aproximar, Klopp apertou as mãos de Rafiel, que comentou estar com frio, e beijou as pontas de suas mãos.
Ele não foi capaz de se conter ao ver Klopp colocando a ponta dos dedos de outra pessoa em sua boca.
— Não… Não faça isso. Eu já te disse isso…
— Não importa o quão ásperas e cheias de cicatrizes elas sejam, elas são suas. Para mim, não existem mãos mais queridas e lindas na face da terra.
Com essas palavras, o rosto de Rafiel ficou vermelho e disse:
— Klopp… — com uma voz doce que era difícil de fingir.
Para onde quer que olhasse, era absolutamente óbvio que ele estava lidando com um desajeitado ômega apaixonado. O alfa, gentilmente, envolveu seus longos braços ao redor dele, abaixou a cabeça e juntou suas testas novamente como se o que acabou de acontecer fosse a coisa mais adorável do planeta.
Isso foi tudo.
Arok achou vulgar ter que presenciar outros se beijando em sua própria festa, então, se virou e fingiu ter esquecido algo importante em outro lugar. Suas pernas tremiam e suas mãos estavam apertadas com tanta força que, quando ele passou pelo corredor, era quase perceptível que algo de errado acontecia com ele.
O som dos saltos de seus sapatos era muito mais rápido e alto do que o normal. Se seu pai ainda estivesse vivo e visse a cena, teria arrastado para o escritório, mesmo agora como um adulto, e o espancado com uma bengala por apresentar uma conduta tão pobre.
O transporte estava pronto. Com apenas o casaco jogado sobre o ombro pelo servo do visconde, Arok rapidamente pulou para dentro da carroça e pediu para ir para outro lugar. O veículo, que ele havia ordenado que partisse na direção da cabana de verão, acelerou um pouco mais ao ouvir as ordens de Arok e, apenas após se acostumar com o balanço da carruagem, finalmente conseguiu parar seus lábios franzidos e suspirar profundamente. Sentia como se o peso do mundo estivesse em suas costas. Seu orgulho estava tão ferido que ele quase enlouqueceu. Não conseguia respirar apropriadamente. Mesmo quando Klopp aceitou o convite de um conde, ele estava com Rafiel. O casal sempre aparecia junto nos eventos sociais, por mais específicos que fossem os convites de Arok, e ver os dois caminhando amorosamente, abraçados… Ele não podia deixar de entrar em um estado de ódio profundo que nem mesmo ele considerava como natural.
Sem refletir muito, Arok, então, usou uma moda popular entre ricos para tentar atrair Klopp: comentou ser virgem, que nunca havia experimentado nada do gênero, alegou que o considerava um bom amigo e fez ao outro uma oferta pior que a de um porco no cio: “Vamos para a minha casa, dorme comigo”, “Vai ser apenas uma vez” e “Só uma e, se quiser, pode ir embora”.
Ele pensou que poderia mostrar alguma simpatia. Seu orgulho foi destruído, mas ele queria tanto o outro alfa que não conseguia pensar direito. No entanto, o cruel Klopp pisou em suas propostas sem dizer uma palavra, dando a Arok um olhar estranho que gritava “Por que eu faria isso com alguém como você?”.
Arok imaginou que sua ação poderia resultar em algum constrangimento ao proferir palavras tão estranhas, mas nunca imaginou que o outro o criticaria de forma tão descarada. Ele não era capaz de racionalizar a situação e odiava Klopp e seu amante por fazê-lo se sentir tão miserável.
Ele decidiu, então, fingir que queria vê-los novamente.
Caminhou continuamente pelo jardim para controlar o ciúme que fervia dentro de seu coração como magma mesmo quando ele estava em repouso, mas fazer isso não ajudava a estabilizar sua mente ou corpo. Pelo contrário: era doloroso, pois o cheiro fresco das flores lembrava aquele homem abençoado do qual ele não desejava recordar.
Por algum tempo, trancou-se em casa. Dedicou-se à música, à leitura, à equitação, ao xadrez e a tudo que o pudesse distrair. Na biblioteca, lia os clássicos várias vezes, acompanhados de um vinho bem forte e folheava livros de jardinagem que raramente chegaram a ser tocados. Após alguns meses em confinamento quase absoluto, as atividades que usou para distrair sua mente à força finalmente pareceram afugentar as lembranças de quem ele não queria mais lembrar e Arok, que conseguiu sorrir novamente, comemorou o fato com a festa do chá que ele tanto adiava já há alguns meses. Ocorreu-lhe que seria melhor cumprir seu dever de aristocrata e ter uma boa conversa entre seu cômodo grupo de amigos do que morrer de tédio solitariamente. Pelo menos com eles era capaz de trocar cumprimentos informais e conversar sobre assuntos de dentro e de fora do país. Sentiu que havia retornado à sua antiga glória sem ter se dado conta.
Então alguém comentou:
— Klopp e Rafiel estão casados agora.
E seu sorriso endureceu.
Eu deveria ter parado ali.
Se era difícil fingir estar em paz, ele deveria ter feito um longo cruzeiro para não vê-los até clarear a cabeça, ou talvez procurar um novo amor em outra pessoa, mas Arok não o fez. O ciúme disforme não passou mesmo após meses de confinamento. Pelo contrário, parecia ainda pior: o que parecia um pedaço fino de carvão explodiu em chamas destrutivas e queimou intensamente.
O jovem casal, que noivou e se casou antes mesmo do fim do ano, eram parte da nobreza e parecia natural que Klopp, que estava no comando de sua família, iniciasse um negócio de gestão de investimentos pessoais que envolvia a família de Arok. Além disso, muitas pessoas gostavam do casal de recém-casados, então Arok teve que esconder a dor latente que queimava em suas entranhas ao observar os dois homens se beijando em sua casa constantemente.
Originalmente, a situação não parecia ser tão ruim, mas após se casarem, Rafiel reluzia em um brilho sem precedentes. Até Arok foi obrigado a admitir isso. E ao vê-lo deitado naturalmente nos braços de seu marido, que o abraçava com carinho e ternura, e observar suas bochechas coradas, como se estivesse sonhando, enquanto as pessoas os chamavam de “o casal dos sonhos”, surgiu em Arok uma terrível sensação de derrota e humilhação sem precedentes.
Mesmo que fosse um ômega e se tornasse um amante de Klopp, ele sabia muito bem que jamais poderia obter essa relação tão especial que aqueles dois compartilhavam.
Ele nunca poderá tocá-lo.
Ele nunca poderá amá-lo como merece.
Ele nunca fará amor com ele como tanto havia sonhado.
Estava desapontado e com raiva de si mesmo. A princípio, toda essa confusão interna era estranha e difícil de lidar. Mas, agora, a sensação feroz na qual ele mal controlava atingiu um nível de ódio que finalmente começou a corroer a mente de Arok. E a situação escalonou especialmente quando ele presenciou Rafiel, na festa de chá do Visconde de Derbyshire, com uma grande barriga, já desenvolvida demais para poder disfarçar com as roupas largas. Rafiel se acariciou, tocando o baixo ventre, e sorriu ao receber as bênçãos de todos. E quando lhe disse “Quer sentir como ele chuta? O pai dele é louco pelo filho…”, o fio de racionalidade que restava na mente de Arok se rompeu: todas as barreiras que seguravam o ódio dentro de sua mente se desintegraram e a fúria contida em seu coração se dispersou por todas as direções.
Idiota Maldito
Droga. E agora me vem com esse bebê estúpido.
— Venha até aqui. Deixe de zanzar por aí quando não estou te vendo.
Klopp, o futuro pai do menino, beijou o topo da cabeça do ômega amado e o ajudou a sentar, como se ele não pudesse fazer isso sozinho. Então, zombou de Arok, sorrindo para ele como se não percebesse que ele estava terrivelmente pálido e desfigurado enquanto olhava para os dois.
Klopp desejava compartilhar sua felicidade.
Arok, influenciado por seus pensamentos distorcidos, pensou que ele estava se exibindo.
E quando uma pessoa que nunca havia sido ferida dessa forma antes encontrou seu coração dilacerado e sua autoestima destruída pela primeira vez, se deixou levar por essa dor desconhecida e fez brotar pensamentos involuntários que o levaram a um nível de sandice que nenhuma pessoa normal deveria chegar.
Influenciado por sua maldade, conscientemente ou não, Arok, que se encontrava, agora, parado em uma casa de aspecto duvidoso no qual nunca imaginaria colocar o pé na vida, jogou uma bolsa de moedas de ouro para um grupo de homens com olhares infames e expressões agressivas, enquanto ordenava ao grupo de destruíssem seu suposto rival.
Mais especificamente, seu pedido foi para que tirassem a criança da barriga de Rafiel.
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Ele foi estuprado e mordido pelos dentes selvagens de uma matilha de cães disfarçados de homens, mas não a ponto de morrer.
Embora seus membros tremessem terrivelmente no dia seguinte, Arok estava claramente respirando. Seria porque ele não tinha mais a menor gota de dignidade para morrer em paz? Ou foi simplesmente porque essa hora não havia chegado? Deus precisava puni-lo um pouco mais? Ele realmente não conseguia entender… mas não era como se ele estivesse refletindo muito sobre o assunto.
Os homens pareciam gostar muito de Arok. Não era sempre, mas eles abusavam dele por longos períodos. No fim, ele nunca teve um momento real de verdadeira solidão. Agora, enquanto rolava no chão, vinham à sua mente temores que não se manifestavam desde seu primeiro aborto. Ele pensou como não queria passar por algo assim pela quarta vez. Então, durante o ato, ele tremia forte e tentava convencê-los a ejacular sempre em sua boca para que não ejaculassem dentro dele. Mas, obviamente, nem sempre era possível.
Cansado, mas incapaz de adormecer facilmente, Arok se levantou, tentando encontrar um lugar onde pudesse se lavar. Há tempos havia alugado o galpão da padaria, mas não lhe era permitido entrar na casa, onde ficavam os chuveiros. Era inevitável. Não havia ninguém nesta cidade que o receberia bem. Era apenas uma prostituta que vagava pelas ruas há anos e não tinha o direito de reclamar.
O celeiro era apenas um depósito empoeirado e cheio de teias de aranha onde velhas ferramentas eram armazenadas, então não havia lugar para remover o sêmen de maneira apropriada. Assim sendo, Arok, mancando, tinha de fazer um esforço quase sobre-humano para chegar ao rio, que ficava a três ou quatro quarteirões dali. A enorme cobra negra da noite fluía como sempre, brilhando com suas escamas prateadas que eram produto de sabão ou pedaços de lixo jogados das casas acima, junto às regiões nobres. Ao chegar ao rio, sentiu como se uma língua fria tocasse seus tornozelos, panturrilhas, joelhos e coxas ossudos. Ele pensou em lavar a sujeira de seu corpo por horas. Mas, após pensar na probabilidade de morrer de hipotermia, resolveu lavar apenas as partes necessárias.
Arok estava farto da água fria, mas sabia perfeitamente que se não se lavasse bem, algo mais poderia acontecer com seu corpo. Ele não sabia quando seu cio viria e, embora já tivesse abortado três vezes, não era como se não pudesse engravidar de novo. Na verdade, seu novo organismo se revelou incrivelmente fértil.
Por favor, por favor…
Esperando não perder mais filhos, Arok imergiu suas partes íntimas na água até quase perder todas as sensações na parte inferior do corpo.
Depois de um tempo, quando seu corpo voltou a tremer, moveu os pés dormentes e caminhou até a margem, dando pequenos passo. Ele não tinha nada para se secar, então apenas limpou a água como um cachorro e encaixou suas calças. Então, Arok esfregou as mãos nas coxas, tentando suprimir os constantes arrepios, e se moveu, lembrando que um pouco de atividade física poderia aquecê-lo. No entanto, foi em vão. Ele queria voltar para o celeiro e dormir pelo menos até a tarde, mas quando olhou para cima, estava no caminho errado e havia chegado a uma esquina de uma rua muito mais bonita e iluminada do que aquela à qual pertencia. Ele piscou, enquanto bloqueava a luz artificial, que atingia seus olhos, com as mãos. Tentou, então, ler alguma sinalização. Ele havia chegado à frente de uma “Casa de Chá”. Percebeu que uma comoção se iniciava devido a sua presença em uma área ao qual não mais pertencia. Assustado com o olhar das pessoas que o observavam com medo, ele rapidamente se virou e tentou voltar para o lugar de onde veio.
Sabia que, no fundo, não passava de um verme. No primeiro ano após ser abandonado nas ruas, esse estilo de vida ainda era algo que ele aprendia e carregava profundamente em seus ser. Mas não mais. Arok correu para a escuridão, verificando constantemente se alguém o estava seguindo e, mesmo sem perceber, o cheiro do esgoto o guiou até a padaria e o antigo cantinho onde havia dormido por meses antes disso. Mas o cheiro logo foi bloqueado por outra coisa. As pernas, que se moviam cegamente, inadvertidamente deram alguns passos extras, fazendo com que Arok colidisse com alguém que se sentia muito duro.
— Ai…
Ele rapidamente cobriu a boca com as duas mãos e se agachou. Foi algo instintivo. No entanto, não houve chutes ou socos. Em vez disso, a pessoa que colidiu com Arok apenas soltou uma voz rouca e desagradável, repetindo:
— Ai?
Os olhos, que estavam bem cerrados, abriram novamente.
A bainha impecável da roupa do homem roçou seu rosto quando Arok se agachou e, assim como uma margarida atraída pelo sol, involuntariamente olhou para as vestes do homem. Levantou-se por vontade própria e o seguiu como se estivesse enfeitiçado. Ele, então, estendeu os dedos e agarrou o tecido luxuoso que exalava uma cor profunda mesmo na penumbra que cobria a rua.
O homem o encarou, com seus olhos escuros e sobrancelhas enrugadas, acompanhados de seus lábios apertados:
— Tem algo a me dizer?
Uma voz com uma ressonância profunda penetrou seus ouvidos.
Arok deu um passo na direção do homem. Seu rosto em ruínas, meio escondido pela escuridão, se revelou, enquanto dizia lentamente:
— Klopp…
E foi só então que os olhos do outro se arregalaram.
— Arok?
Klopp, que estava um pouco rígido com o choque, imediatamente baixou os cantos da boca e bateu nas mãos de Arok, que segurava a bainha de suas roupas, com uma força extrema, demonstrando o quanto estava enojado pelo toque do outro. Então, ele soltou uma careta familiar e disse algo que fez seu peito doer novamente:
— Parece que você ainda não morreu…
Arok ficou um pouco surpreso por seu senso de humilhação ainda funcionar. Ele pensou que tudo o que poderia sentir estava completamente morto, mas não. No entanto, mesmo sentindo que poderia morrer, ele conseguiu sorrir para Klopp com bastante facilidade, pois havia perdido toda a capacidade de perder o controle ou ficar com raiva. Ele não tinha nada para responder à fala sobre sua vida, então apenas deu a ele uma saudação normal.
— Faz bastante tempo que não nos vemos.
Como se esperasse por esse momento, Arok naturalmente olhou para Klopp. Ele não tinha ideia de quantos anos haviam se passado, mas pelo menos não parecia ter feito diferença para o forte alfa. Klopp ainda era tão forte e tão bonito quanto o herói mítico que Arok deslumbrava em seus sonhos enquanto dormia. E o óbvio sorriso de escárnio nos lábios que ele uma vez pensou ser sem emoção se revelou:
— Eu nunca esperei ver você. Sinceramente, não pude nem reconhecê-lo. Você parece… ruim.
Com uma demonstração de prazer deliberadamente exagerada, Klopp olhou para os pés descalços de Arok, que baixou a cabeça simultaneamente, movendo levemente os dedos e corando, como se algo do nobre que ele era tivesse retornado a ele. Então, silenciosamente, ele escondeu as mãos atrás das costas e recuou até quase encostar na parede. Vendo isso, Klopp sorriu:
— O conde Taywind parece estar muito ocupado ultimamente para esquecer os sapatos em suas caminhadas noturnas, não é mesmo? Eu gostaria de tirar minhas roupas para lhe dar algo, mas não será do tamanho certo. Seria um desperdício.
A atitude de Klopp, além de insultante, o deixou com medo do que aconteceria com suas roupas. O corpo que nasceu como um alfa foi transformado em um ômega nas mãos do homem que um dia havia amado. E quando sua pele, que já não era tão corada, ficou branca, Klopp soltou um pequeno sorriso. Tirou, então, algo de seu casaco e jogou entre os pés sujos do outro.
Era uma moeda de prata que brilhava terrivelmente, mesmo na penumbra.
Quando Arok o encarou, o homem, demonstrando desprezo em seus olhos, sem sorrir, disse:
— Vá comprar algumas roupas, já que precisa tanto delas, conde.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Klopp se virou e caminhou para a luz sem a menor hesitação. Arok sentiu estar preso àquele lugar até que a sombra da figura alongada do homem desvaneceu gradualmente até desaparecer por completo.
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Continua….
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Tradução: MiMi