Lavanda Lullaby - Capítulo 10
Lavender Lullaby
Capítulo 10: A vida é só isso?
Filip aproximou-se deles um passo de cada vez, uma sobrancelha levantada e um sorriso no rosto enquanto olhava para o príncipe.
“Estou também alojado na Torre de São Rafael, como disse. Se lhe agradar, Alteza, posso mostrar-lhe seus aposentos”.
O príncipe franziu o sobrolho, olhando para Joseph por alguns momentos, imóvel.
“Alguém já foi designado como meu mentor”.
Joseph notou que o príncipe havia parado de se encostar à coluna e ficou de frente para Filip, tornando-se como um muro entre eles.
“Ha! Não se preocupe com isso! É apenas uma formalidade estúpida dos velhos! Seria bom para sua condição social, Vossa Alteza, se você fosse visto com as figuras proeminentes aqui”.
O príncipe Tariq permaneceu em silêncio.
“Venha, vamos fazer uma excursão, vamos?” Filip continuou, movendo-se com sua mão esquerda.
Por que eles estão agindo como se eu não estivesse aqui?
Imediatamente, o jovem médico obteve sua resposta. O príncipe, ainda se recusando a olhar para Joseph, deu alguns passos de distância, ficando lado a lado com Filip Svoboda. Ainda sorrindo, Filip olhou para Joseph por cima de seus ombros, seus olhos se estreitaram enquanto seus lábios falavam uma palavra: perdedor.
O médico ficou ali parado, como uma das menores colunas do salão. O ambiente ficou silencioso, pois todos os outros estudantes já tinham feito seus caminhos para seus quartos.
O rapaz engoliu com força, tentando empurrar para baixo o nó que crescia em sua garganta. Ele olhou para seus pés quando o príncipe e Svoboda desapareceram atrás de um corredor, agarrou sua alça de mochila e, de repente, tornou-se consciente novamente da dor em suas mãos.
***
“Posso ver seu horário?”
Svoboda e o príncipe estavam de pé na entrada do Salão Comum da Torre de São Rafael. Uma porta de quatro metros e meio de altura feita de madeira de nogueira, gravada com uma representação de seu anjo padroeiro, e rodeada por duas colunas iônicas em um arco ogival, estava na frente dos meninos.
Tariq, de olhos fixos no outro garoto, puxou seu papel, mostrando-o ao outro garoto.
Quando Svoboda estendeu a mão para agarrar o papel, o príncipe afastou seu braço, quase batendo nele.
“Certo, certo, deixe-me só ler, sim?” Filip forçou um sorriso, levantando suas mãos em sinal de rendição.
O pavilhão que conduzia aos dormitórios consistia de um pátio circular com chão de mármore branco, pintado com mosaicos retratando a batalha dos arcanjos contra Lúcifer. Havia quatro enormes torres, cada uma delas atingindo cerca de 60 a 80 metros, cobertas por cruzes ortodoxas. Na base de cada uma delas, havia uma grande porta ogival, cada uma com uma representação de um arcanjo. O edifício formava uma cruz quando visto de cima.
Ao redor das portas principais das torres, havia algumas asas menores, que eram um pouco escuras demais para ser por volta do meio-dia, mas pareciam muito mais interessantes para Tariq. O resto do complexo era cercado principalmente por vitrais roxos, vermelhos e turquesa de santos soldados e os arcanjos, cada um deles encimado por um rosáceo. Eles eram apenas um pouco mais curtos que as torres, circulando com arcos sustentados por colunas iônicas em cada ala, como se fossem as veias e artérias do edifício.
A luz do meio-dia entrou pelas rosáceas, iluminando de forma notável as espadas e coroas dos arcanjos retratados nos mosaicos no chão.
O jovem príncipe continuou olhando para cima, a forma de cruz do edifício, prendendo a maior parte de sua atenção. Então ele olhou para o chão e notou que os arcanjos guerreiros também estavam dispostos em uma cruz.
Para todos os meninos sentados em sofás e bancos, esperando o anúncio do almoço, era apenas a luz do sol no chão. Se prestassem mais atenção e notassem a disposição da cruz do edifício, poderiam dizer que é porque é cristã; Jesus morreu em uma cruz, daí a forma da cruz.
No entanto, Tariq podia realmente vê-lo pelo que era: a forma de cruz era um alicerce de proteção. Cada ponto dela correspondia a um ponto cardeal, e cada um destes pontos era protegido por um arcanjo. A leste estava Rafael, a oeste estava Gabriel, a sul estava Micael, e a norte estava Auriel. Esta disposição criou um espaço sagrado “seguro”, onde as energias malignas e os seres astrais malignos não podiam penetrar. Era uma parede mágica contra os inimigos da Igreja Mãe… Como o Tariq.
É oculto aos olhos do gado, mas os padres o conhecem muito bem…
Ele levou sua mão ao abdômen, um pouco acima do umbigo, e sentiu seu talismã de proteção. Era uma egrégora poderosa, mas ainda havia muito trabalho para ele fazer.
(N/t: Egrégora é como se denomina a força espiritual criada a partir da soma de energias coletivas (mentais, emocionais) fruto da congregação de duas ou mais pessoas.)
De fato, Tariq pensou que as torres deveriam ser um complexo de quatro igrejas para os arcanjos. Os arquitetos, ou os padres que as encomendaram, decidiram transformá-las em aposentos para os meninos, por alguma razão. Havia muito espaço desperdiçado, com mais do que o suficiente para acomodar todos os meninos.
Vamos descobrir o que eles estão fazendo até então…
“Ei! Você está bem?”
Tariq lembrou-se da existência de Filip Svoboda, que estava sorrindo para ele, suas sobrancelhas em um arco ascendente, dando-lhe uma expressão contrastante de alegria e tristeza, comédia e tragédia.
“Peço desculpas”.
“Como eu estava dizendo…você está designado para o mesmo dormitório que eu. Somos colegas de quarto”.
***
Joseph estava na cidade, na residência do Sr. Brenner. A gota do homem tinha piorado ao ponto de não poder sair de sua cama, mesmo em uma cadeira de rodas. Entretanto, a pior parte era que ele parecia estar entrando em falência renal.
“Sinto muito dizer isto, Sra. Brenner, mas… eu… estimaria que ele tem cerca de uma semana…”
A mulher acenou com a cabeça, sua expressão pétrea e conformada.
Então Joseph notou um sinal de um sorriso.
Ela está aliviada? De verdade?
Nas últimas semanas, Joseph tinha visto cada vez menos parentes do homem, até mesmo seus filhos, particularmente depois de ter confirmado que a condição do Sr. Brenner era terminal. Sua esposa, que era aparentemente 20 anos mais jovem que ele, sempre tinha uma expressão rabugenta e amarga no rosto, devido ao fato de que o Sr. Brenner urinava cerca de 20 vezes por dia e ela tinha que ajudar os criados a limpá-lo.
Joseph fez o seu melhor para ficar ao lado do homem e ajudar, mas a faculdade estava de volta e ele precisava aparecer.
O rapaz comeu um almoço rápido que havia sido oferecido pela esposa do Sr. Brenner, depois banhou o homem e trocou suas ataduras. Sua pele estava cinza e sua boca estava rachada devido à desidratação. Ele estava olhando pela janela.
“Mãe… v-veio até mim… e disse que é hora de… juntar-se… a eles…”
O jovem médico acenou com a cabeça.
“Ninguém… aparece… mais… m-mas… você está sempre aqui. Você vai s-ser… bem pago”.
O garoto sorriu, agradecendo ao homem, seus olhos queimando.
Ele deixou a casa, acendendo sua lâmpada quando se aproximava dos limites da cidade e entrando na floresta. O único ruído era o som metálico da lâmpada balançando por seu cabo na frente do garoto.
Com o sol apenas se pondo, Joseph foi pelo caminho de terra que o levaria até a colina onde sua barraca esperava. Ele logo se viu numa encruzilhada, com um crucifixo de pedra no meio com alguns nomes escritos em sua fundação. Eram os nomes de três pessoas, todas da mesma família, que foram assassinadas por assaltantes há alguns anos naquele exato local.
O médico sentou-se sob um velho teixo, descansando suas costas sob os nós de uma de suas raízes. Ao norte, havia um penhasco de onde vinha o rio. Nessa posição, Joseph podia ver os picos dos alpes, coberto de neve e pintado de cor laranja e rosa pelo crepúsculo.
(N/t: Teixo é uma planta.)
Já era tarde, mas ele precisava digerir tudo o que havia acontecido naquele dia. Seus olhos se perderam nas nuvens que flutuavam acima dos alpes.
Ele sempre fez tudo e muito mais por sua família… E agora que ele está prestes a navegar em sua última aventura… não há ninguém lá para ele. A vida é só isso? Trabalhar até ficar doente, acumular riquezas, fazer tudo por outras pessoas… Então no final, você se vê abandonado por esses abutres que compartilham seu sangue, ansiosos para saquear tudo o que você construiu?
O doutor acolheu os teixos de 200 anos ao seu redor, a neve nas montanhas e a cruz no meio da estrada. Quão grande foi a insignificância da humanidade contra a Mãe Gaea e o Pai Cronos!
(N/t: Geia, Gaea ou Gé, na mitologia grega, é a mãe-terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora imensa. Cronos, na mitologia grega, deus do tempo e rei dos titãs.)
O rosto do príncipe veio à sua mente. A maneira como ele havia sorrido e agradecido… Como ele o havia defendido…
E como ele havia literalmente virado as costas para Joseph quando uma raça melhor de cachorro apareceu.
Joseph encolheu os ombros. No final, ele havia feito o que prometeu fazer: pagou a Joseph de volta. Agora era a hora de ambos seguirem em frente.
“Por que um príncipe quereria andar com um estrangeiro de classe inferior, né?” Ele pulou para cima. “Ele é muito violento de qualquer maneira. Não tenho nada a oferecer às pessoas assim, nem desejo fazê-lo”.
O jovem médico retomou sua jornada, deixando o crucifixo e os alpes para trás. O teixo manteve suas sombras sobre ele.
Quando ele passava por uma das árvores para pegar o caminho sul, algo saltou para ele, cobrindo sua boca e jogando-o contra uma raiz de teixo. Seus pulmões queimavam, e era difícil respirar. O mundo girou, as folhas acima dele tornaram-se como manchas de tinta num céu de papel vermelho. Algumas das manchas pareciam estar se movendo ao redor do céu… Corvos?
Depois ele viu quem fez isso… Ou melhor… o que fez isso…
Sua forma era a de um humano, mas era muito alta, quase 3 metros de altura. Os membros eram longos, terminando em garras do tamanho de uma faca de peixeiro. Talvez fosse a luz fraca da tarde, ou seus sentidos enfraquecidos pelo golpe, mas a figura parecia completamente escura para Joseph, como uma sombra… exceto por um par de olhos verdes ocre. Cheirava como um cadáver não enterrado com duas semanas de vida.
O médico arfou, incitando seu corpo a se mover, mas a criatura o agarrou novamente por suas lapelas, batendo sua cabeça contra a mesma árvore. Ele agarrou o ombro do médico, segurando-o contra o chão. O menino lutou, enfraquecido pela dor, tentando lutar contra aquela… coisa, até que seus braços murcharam, perdendo suas forças.
As últimas coisas que Joseph ouviu antes de perder a consciência foram os gargalos das ferraduras e um “Caw!”
(N/t: Caw: grasnado do corvo.)
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Créditos:
Raws: Summer
Tradução: Secretária Kim
Revisão: Lola