Lavanda Lullaby - Capitulo 05
Lavender Lullaby
Capítulo 5: Lindo Herói
Uma mancha marrom em um tapete de neve. Era assim que a cabana de Joseph se parecia naquela noite. Dentro da casa, a luz de três velas dançou rapidamente como as chamas do fogo, pintando a madeira desgastada e o gesso descascado em vermelho e laranja.
Após acender uma fogueira, que por sinal também era seu forno, ele pegou uma cadeira e sentou-se ao lado do príncipe, que estava deitado dormindo na cama, na cama de José.
*Parece pequeno demais para ele… Na verdade, parece pequeno demais até para mim, mas é o melhor que posso oferecer neste momento.*
A cirurgia do príncipe aconteceu rapidamente. No final, ele não tinha sido atingido com uma bala, mas com um dardo – um envenenado. A substância era principalmente ópio, porém, eles queriam capturá-lo vivo.
O jovem médico recolheu seus instrumentos e, depois de lavá-los cuidadosamente, colocou tudo em uma caixa acima de seu armário de boticário. Olhando para um pequeno espelho pendurado na parede, ele notou uma contusão feia sob seu olho esquerdo tomando forma onde o guarda o havia esbofeteado.
*Esta merda vai doer tanto pela manhã… Felizmente, eu tenho alguns dias antes do retorno das aulas.*
Ele olhou para suas mãos, cobertas de curativos. Ele esperou alguns momentos, reunindo coragem.
Retendo um choro, ele tirou os curativos; lentamente no início, depois o mais rápido que pôde.
O que estava sob as camadas de tecido era um espetáculo de hematomas e cortes. Suas mãos estavam escuras como se estivessem gangrenadas, com algumas manchas ainda sangrando.
A dor era insuportável, especialmente sempre que ele tinha que fazer algo extenuante, o que era o caso naquela noite. Depois de terem sido esbofeteadas pelo príncipe, e de terem que segurar uma garrafa, carregar o príncipe, lutar contra aquele guarda e realizar uma cirurgia, elas ficaram extremamente irritadas.
Joseph retirou uma pomada, que ele mesmo havia feito com cânfora e alecrim, e massageou suas mãos com uma careta e um reprimido gemido de dor.
Ele soprou um pouco sobre elas, sentando novamente à beira da cama ao lado do príncipe, por volta das 23h30min. A janela perto da cama era um pouco grande e sua cabana estava em uma colina, assim ele podia ver os fogos de artifício na casa do Magistrado.
“O-onde estou…I?” O príncipe de repente acordou.
“Estamos em minha casa, meu príncipe”. “Não é a casa mais bonita por aqui, mas agora você está a salvo”.
Joseph disse isso porque os olhos do menino já estavam inspecionando cada canto do casebre. Ele olhou para seu próprio corpo, notando que estava nu debaixo dos cobertores. Ele tentou sentar-se, mas seu rosto se torceu em agonia.
“Ugh… Ah…”
“Por favor, fique quieto. Eu o ajudarei”.
Joseph arranjou os travesseiros para que ele pudesse ficar meio sentado. O príncipe não tirou os olhos de Joseph nem por um segundo.
O médico fingiu não notar, mas o príncipe parecia não se importar se ele estava sendo um pouco… inseguro. Seus olhos varreram cada pedaço da figura de Joseph, à procura de sabe Deus o quê.
*Ele só está confuso e desconfiado por causa de tudo o que aconteceu esta noite, tenho certeza.*
Joseph notou que os olhos do príncipe se alargaram, fixos em uma certa parte de seu corpo: suas mãos.
O menino engoliu, tentando escondê-los debaixo de suas axilas e fixando os olhos no chão.
“É… Não é c-contagioso. Apenas alguns… hematomas. Você tem minha palavra”.
O príncipe não parava de olhar para ele e de franzir o sobrolho.
“Como você conseguiu escapar comigo?”
Joseph corou e levantou a cabeça, os olhos bem abertos. O menino de cabelos escuros não tirava os olhos âmbar dele, exigindo uma explicação, uma explicação digna. Apesar de ser um paciente gravemente ferido, ele era claramente a presença dominante na sala.
Joseph olhou pela janela, empurrando suas mãos debaixo dos braços com tanta urgência que doía.
“B-bem… não foi… nada demais… Eu… Eu… a-apenas… e-enganei-os… e pedi a-ajuda”.
Ao final de sua explicação, a gagueira de Joseph era tão forte que ele quase perdeu sua voz. Ele se viu tremendo. Ele olhou fixamente para o chão.
*Sou uma desculpa patética de um homem… Assim como aquele guarda disse.*
Ele ainda conseguia sentir os olhos do príncipe sobre ele.
“Levante sua cabeça”.
“Anh…?”
“Agora.”
Joseph engoliu em seco, fazendo o que lhe foi dito. Seus olhos encontraram o rosto do príncipe, mas ele estava olhando pela janela.
Havia um estrondo… mas agora, era um ronco suave e distante.
Os fogos de artifício tinham começado. Era meia-noite.
Numerosas luzes se espalhavam pelo céu. Vermelho, dourado, rosmaninho, turquesa… Deram um tom alegre e colorido à neve e ao interior da casa de Joseph.
O príncipe estava olhando fixamente, hipnotizado pelas luzes.
“Qual é seu nome, doutor?”
“J-Joseph… Joseph Lee Selden”.
O príncipe voltou-se para ele, olhando diretamente nos seus olhos.
“Nunca mais se subestime. O que quer que você tenha feito esta noite… Você me salvou”.
O jovem médico engoliu, agonizantemente inseguro de onde deveria descansar seus olhos.
“Você está começando o novo ano como um herói, Doutor Selden!”
Joseph ficou pálido.
Durante sua vida, ele havia sido chamado de muitos nomes. Emasculado, afeminado,
galinha, maricas… A vergonha da família… Sodomita…
Esta noite, porém, alguém o havia chamado de herói.
Um príncipe o havia chamado de herói…
O médico sentiu um peso no peito e seus olhos começaram a lacrimejar. Sua boca estava seca, com um gosto estranho e amargo. Suas mãos, agora descansando sobre suas coxas, tremiam.
*Não fiz nada de extraordinário. Apenas fui lá e…tentei fazer algo… Eu nem sei por que.*
“Muito obrigado”. O príncipe estava sorrindo aquele mesmo sorriso calmo de quando os guardas tinham começado a levá-lo.
Essa foi a gota d’água. O médico se levantou com pressa, virando as costas para o outro garoto e correndo para a cozinha.
“Você está bem?”
“S-sim, Vossa Alteza. Desculpe-me, eu… eu… vou só-só buscar algo para você comer”.
Sua voz vacilou, mas ele não conseguia mostrar ao príncipe as lágrimas que corriam pelo seu rosto. Ele não seria mais um herói se o fizesse.
Quando ele chegou à cozinha, sentou-se num canto escuro, perto da despensa. Com as pernas pressionadas contra o peito e o queixo apoiado sobre os joelhos, ele deixou tudo sair.
Sóbrio, seu rosto ficou encharcado de lágrimas. Seu corpo inteiro tremia.
Essa foi a primeira vez que alguém o felicitou genuinamente em seus 17 anos de vida.
Pela primeira vez, ele não era o rapazinho insignificante que vivia em uma barraca abandonada porque não podia ficar no alojamento da faculdade.
Nem era o médico novato, aceitando qualquer coisa como pagamento para cobrir suas mensalidades…
E ele especialmente não era o filho marica dos Seldens…
Naquela noite, ele era um herói.
Naquela noite… alguém o tinha tratado como um igual.
Joseph riu, limpando seu rosto com as mãos. A dor dos hematomas era agora irrelevante em comparação com os fogos de artifício que explodiam dentro de seu coração.
*Sou tão lamentável. Jesus Cristo!*
Ele se levantou rapidamente, agora com um sorriso.
Ele foi para sua despensa. Tudo o que ele tinha eram algumas maçãs e um pedaço de queijo. Mesmo assim, ele se sentiu como o homem mais rico da cidade de São Lucas nesta noite.
O príncipe ainda estava olhando pela janela quando Joseph se aproximou dele e sentou-se de volta, carregando um prato cheio de maçãs fatiadas e queijo.
“Você está bem agora?”, perguntou o príncipe com um sorriso torto, com os olhos colados em Joseph.
“Ha… Eu sou aquele que deveria estar lhe perguntando isso, Alteza”. Joseph forçou um sorriso.
O príncipe continuava a olhar para ele. Ele ainda estava pálido, mas seu tom de pele estava mais próximo daquele do caramelo quente de quando se encontraram na taberna. As olheiras sob seus olhos também estavam mais claras. Ele se encostava contra os travesseiros, com o peito descoberto.
Ele tinha um peito largo, musculoso e bem formado.
Joseph balançou a cabeça com veemência, tentando tirar a imagem da sua cabeça. Seu rosto estava queimando.
* Pelo amor de Deus, seu imbecil! Seja respeitoso! Ele é seu paciente! *
“Aqui, Vossa Alteza… Não é muito… Irei à aldeia pela manhã para tentar tomar algo mais para o café da manhã”.
O príncipe permaneceu em silêncio por um momento, ainda só olhando para ele. Depois ele pegou algumas fatias de maçã. O rosto dele ficou sério.
“De onde você é? Nem o seu nome, nem a sua aparência parecem alemães ou tchecos”.
“Eu sou inglês, Alteza”.
O príncipe franziu o sobrolho, inspecionando-o da cabeça aos pés. Joseph sentiu novamente aquela sensação fria em seu peito.
“Você vive nesta casa? Sozinho?”
“Sim, meu príncipe.”
“Por que você está aqui, em terra boêmia, inglês?”
Joseph engoliu em seco. Ele abriu sua boca, mas não havia palavras, nem desculpas para esconder a (verdadeira) razão.
“Vejo que esta pergunta o deixa desconfortável. Peço desculpas. Você não tem que responder”.
O médico acenou com a cabeça em silêncio, agradecido.
Os fogos de artifício terminaram. Salvo o fraco som da música e o cantar dos pássaros que haviam sido despertados pelo barulho, a noite estava novamente tranquila.
Eles comeram em silêncio, mas Joseph pôde sentir os olhos do príncipe sobre ele o tempo todo.
*Não entendo porque ele continua me olhando fixamente. É perturbador… Ele está desconfiado de mim? Ele está com raiva porque sou um estrangeiro? Há algo errado com minhas roupas? *
“Você é muito bonito, doutor”.
“COUGH! COUGH! COUGH!”
Joseph começou a tossir alto, cuspindo um pedaço de maçã depois de quase engasgar-se com ela. Sua garganta estava seca. Seu estômago parecia que estava cheio de borboletas, todas batendo em volta. Sua cabeça parecia ter pegado fogo, e ele sabia que estava tão vermelho quanto a lenha em chamas na lareira agora mesmo.
*Que diabos foi isso?*
O príncipe era sério, seu rosto estava completamente imóvel enquanto olhava para Joseph.
E assim mesmo, ele afundou mais fundo nos travesseiros com um braço atrás da cabeça, expondo seu peito e uma de suas pernas. Ele olhou para as vigas do teto, seus olhos pesados.
“Obrigado pela comida, doutor Selden. Estou cansado. Pode me emprestar sua cama para esta noite?”
“Claro”, respondeu Joseph, ainda tossindo. “Deixe-me…*tosse* lhe trazer mais cobertores”.
*O que ele quis dizer quando disse “emprestar” de tal maneira? *
Antes mesmo que Joseph pudesse terminar de cobri-lo, o príncipe já havia adormecido. Como havia apenas uma cama em casa, Joseph pendurou uma rede para si mesmo perto da cama. Seu rosto ainda estava queimando vermelho, ele sabia disso.
*Não, só estou sendo estúpido…novamente…*