Lamba-me se puder - Capítulo 32
— Tudo bem. Então agora você pode vir.
Ashley disse. Por alguma razão, a voz dele soava mais tensa do que de costume. Koy sentiu um medo se instalar em um canto do peito enquanto dava um passo cauteloso. Engoliu em seco e, finalmente, virou a esquina até ficar frente a frente com Ashley.
…Ah.
Koy arregalou os olhos e parou no lugar. Ashley, que estava a alguns passos de distância, não parecia muito diferente do normal. Vestia, como sempre, uma camiseta confortável e jeans, e nos pés usava sandálias sem meias. Os cabelos também estavam bagunçados, do jeito que sempre ficavam quando ele estava em casa. Até aí, tudo conforme o esperado, o que destoava completamente do que ele havia imaginado era o rosto.
O rosto de Ashley estava inchado. No entanto, não era o tipo de inchaço causado por choro, como Koy havia imaginado. Apenas uma das bochechas estava vermelha e marcada, com o formato da palma de uma mão nitidamente visível. Havia também um arranhão no pescoço, como se tivesse sido feito por unhas.
‘…Um gato?’
Foi o que Koy pensou num primeiro momento. Ele nunca teve um gato, mas já alimentou alguns gatos de rua, lembrava bem como levou um bom tempo até eles confiarem nele. Enquanto isso, era arranhado com frequência no dorso da mão. Depois de um tempo, passaram a esconder as garras e apenas bater com as patas, mas mesmo assim doía bastante.
O rosto de Ashley agora parecia exatamente assim. Como se um gato bravo e desconfiado tivesse se defendido com todas as forças.
Se não fosse pela marca da mão, Koy poderia mesmo ter acreditado nisso. A marca deixada pelos dedos era claramente de um ser humano. Koy, que até então só observava o rosto dele em silêncio, abriu a boca com cuidado.
— Hum, Ash…
— Sim.
Ashley respondeu. Seus lábios também pareciam um pouco machucados. Koy hesitou antes de perguntar:
— Por acaso, isso foi…?
Sem coragem de concluir a pergunta, ele parou no meio da frase. Ashley, então, completou por ele:
— Sim, a AI me bateu.
— Hiiih!
Num instinto involuntário, Koy engasgou com o ar, Cobrindo a boca com as mãos, ele olhou para Ashley, que apenas passou a mão despretensiosamente pela nuca.
— Viu? Não é nada com que você precise se preocupar tanto.
— C-certo… entendi.
Koy gaguejou. Queria dizer alguma coisa, mas não encontrava as palavras certas, mas depois de um momento de silêncio, ele arriscou:
— Ahm, é que… ela devia estar muito brava?
— Provavelmente.
Ashley respondeu como se estivesse falando de outras pessoas. Não havia raiva nem tristeza no tom de voz dele, Koy hesitou mais uma vez antes de perguntar:
— Você… você está bem?
— Como assim?
Ele então respondeu, mesmo receoso:
— Bom, você foi largado pela AI, certo?
— O quê?!
Ashley teve a mesma reação de quando estava no telefone. Mas dessa vez parecia genuinamente surpreso. Ele franziu a testa, fazendo uma careta antes de perguntar de novo:
— A AI me largou?
Diante da reação tão surpresa, Koy também arregalou os olhos.
— Eu entendi errado?
‘Será que eles ainda não tinham terminado?’
Enquanto ele pensava isso, Ashley piscou algumas vezes antes de voltar à expressão desinteressada, coçando a cabeça.
— Não, você está certo.
Era claramente uma resposta desleixada, sem emoção.
‘O choque deve ter sido grande.’
Koy pensou consigo mesmo:
— Não fique tão decepcionado assim, Ash.
Koy tentou consolá-lo com sinceridade.
— Eu não sei o que aconteceu, mas esquece isso. A AI deve ter cometido um erro.
Ele repetiu as palavras que havia ensaiado após pesquisar na internet, mas Ashley ficou sério.
— A AI é uma boa pessoa. O erro foi meu.
— Hã?…ah?
‘Isso… isso não estava no manual.’
Koy olhou para ele, confuso. Talvez por achar a expressão dele engraçada, Ashley deu um leve sorriso. Num instante, o clima ao redor ficou mais leve, e a tensão nos ombros dele se dissipou. Ashley virou-se primeiro e disse:
— Entra, vamos jantar.
— Ah? Sim!
Koy apressou-se em segui-lo. Ashley abriu a porta e afastou-se para o lado.
— Seja bem-vindo.
Ele esticou um braço e curvou-se exageradamente, como um mordomo, fazendo Koy rir sem querer.
— Obrigado por me convidar.
Ele respondeu com toda a formalidade que conseguiu reunir e deu um passo para dentro. Logo atrás, Ashley fechou a porta, o som surdo do “clunk” ecoou de forma estranhamente oca.
Hã?
Sentindo algo estranho, Koy virou-se. Lá estava Ashley, encostado na porta.
— Agora você não pode mais sair, Koy.
Ele falou com uma voz mais baixa do que o normal. No reflexo dos olhos arregalados de Koy, refletia-se o rosto frio de Ashley.
— Porque você é meu.
‘…O quê?’
A situação inesperada o deixou completamente desnorteado.
‘O que está acontecendo? Ashley… me trancou aqui? Mas por quê? Por qual motivo?’
Sem saber o que fazer, Koy ficou parado no mesmo lugar. Então Ashley se afastou da porta e deu um passo em sua direção.
Mais um passo. E outro. Ashley foi se aproximando lentamente, seu olhar estava cravado em Koy. E Koy também não conseguia desviar os olhos dele.
Um tipo de tensão inexplicável preenchia o espaço entre eles. Ele sabia que devia reagir de alguma forma, mas seu corpo não obedecia. Ficou ali, imóvel, observando Ashley se aproximar. Nunca o tinha visto daquele jeito. Um arrepio estranho e um medo silencioso fizeram com que Koy encolhesse os ombros.
Tap…
Ashley parou os passos. Agora, só restava um único passo de distância entre eles.
— Koy.
Ashley chamou seu nome num sussurro grave. Koy observou, como se estivesse hipnotizado, enquanto ele inclinava a cabeça. O rosto dele, cada vez mais próximo, preenchia sua visão. Koy pensou que, daquele ângulo, o rosto perfeito e frio de Ashley parecia uma escultura de vidro. No instante em que o sopro da respiração do outro tocou seu ouvido, Koy fechou os olhos por reflexo.
— Whoa!
Ashley de repente soltou um grito curto.
— Aaaah!
Koy gritou de susto, completamente apavorado, e Ashley caiu na gargalhada. Foi só então que ele percebeu que tinha sido alvo de uma brincadeira maliciosa.
Com o coração ainda acelerado, ele soltou um suspiro de alívio e resmungou:
— Nossa, você me assustou de verdade…
Ashley, ainda com um sorriso malandro no rosto, virou-se e começou a andar.
— Onde vamos comer? No jardim, como da última vez?
— Ah, sim! Qualquer lugar está bom para mim.
Koy respondeu apressado, tentando acompanhar. Ashley cantarolava baixinho enquanto caminhava, e Koy se sentiu um pouco mais tranquilo. Ainda que o coração continuasse acelerado por causa do susto, era um alívio ver que Ashley não parecia tão deprimido quanto ele temia.
Mas então… por que será que uma parte dele sentia um leve gosto de decepção?
***
Eles decidiram jantar no pavilhão, como da última vez. Koy ficou responsável pelas bebidas e se empenhou bastante em preparar e carregar todos os utensílios relacionados. Ashley trouxe dois tipos de salada, hambúrgueres e sanduíches.
— Parece delicioso.
Koy comentou, admirado ao ver os hambúrgueres com vários palitinhos finos fincados por cima. Ashley sentou-se à sua frente e pegou uma das bebidas.
— Ainda tinha daquela Coca de manga?
Diante da pergunta de Ashley, Koy respondeu:
— Essa é a última. Eu nem sabia mais o que trazer.
Sem reagir muito, Ashley apenas colocou gelo no copo e serviu o refrigerante. Os dois terminaram a refeição quase sem trocar palavras.
Depois do jantar, Ashley fez uma proposta inesperada.
— Não quer dormir aqui hoje?
— Hã?
Koy piscou, surpreso. Dois pensamentos surgiram simultaneamente em sua mente: ‘Deveria dormir aqui ou não? Meu pai não vai permitir que eu passe a noite fora. Provavelmente ficaria furioso. Felizmente, quando está sóbrio, seu humor é um pouco melhor – desde que ele não esteja bêbado.’ Mesmo assim, arriscar parecia perigoso, então o mais sensato seria voltar para casa tranquilamente. E Koy sabia muito bem disso.
Mas o coração dele pensava diferente.
— …Tá bom.
Koy assentiu com a cabeça.
— Vou ficar, então.
***
[Hoje vou dormir na casa de um amigo por causa de um trabalho da escola. Prometo que volto amanhã, então não se preocupe. – Koy]
— …Prometo que volto amanhã…
Lendo em voz alta a mensagem que acabara de digitar, Koy assentiu com a cabeça e apertou o botão de enviar. Em seguida, desligou o celular imediatamente. Se o pai ligasse bêbado, não saberia como reagir.
Fuuuuh…
Ele soltou um longo suspiro trêmulo, tentando aliviar a ansiedade que o apertava por dentro, mas não conseguiu se acalmar. “Preocupe-se com o amanhã só amanhã.” Repetiu isso várias vezes, mas a calma não chegava.
‘Calma. Você já mandou a mensagem. Agora não adianta mais se arrepender.’
— Fuuuuh…
Dessa vez, soltou o ar com um som audível e saiu para o lado de fora.
Depois da refeição, Koy e Ashley entraram na mansão. Enquanto Ashley colocava os pratos usados na lava-louças, Koy foi até um dos quartos vazios e enviou a mensagem para o pai. Inicialmente, pensou em ligar, mas só de imaginar sua voz tremendo, viu que não conseguiria falar nada.
‘Se está com tanto medo assim, por que não volta para casa?’
Repreendeu-se mentalmente, mas a tentação foi muito mais forte do que esperava.
‘O Ashley me convidou para dormir aqui… Não tem como eu dizer não.’
Koy se firmou na decisão, mas no fim não teve coragem de ligar. Enviou apenas a mensagem e deu a situação como resolvida. Depois disso, saiu para o corredor novamente.
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Continua…