Lamba-me se puder - Capítulo 19
— …Cof, cof.
O corpo todo sacudindo com a tosse violenta, Ashley despertou do sono. A dor que vinha ignorando havia se espalhado por cada centímetro do seu corpo, mas ainda era melhor do que continuar preso naquele pesadelo.
Haa… haa…
Ele respirou fundo, abrindo os olhos devagar. Antes de dormir, ainda estava claro lá fora, mas agora o sol já se punha. A febre ainda não havia baixado, suas bochechas ardiam, e seu corpo todo parecia pesado, fazendo com que um suspiro escapasse involuntariamente. Estava prestes a fechar os olhos de novo quando uma sensação estranha o invadiu.
— …O que é isso?
Ashley manteve os olhos fechados e se concentrou. Talvez por causa da febre, seus sentidos estavam meio lentos, e no começo não tinha certeza. Mas não, não era coisa da sua cabeça. No exato momento em que sua consciência começava a ficar turva de novo, ele ouviu passos.
Alguém estava andando pelo corredor.
Um dos empregados? Pensou nisso por um segundo, mas logo descartou a ideia. Mesmo que tivesse ficado inconsciente por mais de um dia, o sol poente deixava claro que isso não fazia sentido. Os empregados vinham cedo, terminavam o trabalho antes do meio-dia e iam embora. Se fosse o nascer do sol, seria cedo demais; se fosse o pôr, tarde demais. Além disso, eles estavam de folga. A conclusão era óbvia:
Ou seja, havia um visitante não autorizado dentro da casa.
‘Um ladrão?’
Ashley continuou deitado, pensando. Se ele estivesse em plena forma, já teria pegado um taco de hóquei e partido para cima. Mas agora… agora, honestamente, estava pouco se lixando. Podiam levar o que quisessem, desde que o deixassem dormir em paz. Mesmo que toda a mansão desaparecesse, aquele homem provavelmente não se importaria. A menos que fosse Ashley quem sumisse – aí, talvez, ele notasse.
Afinal, Ashley era filho dele. Sua propriedade.
Assim como “ele” , o homem que deu a luz a Ashley.
Os passos se aproximavam. Se fosse um ladrão, ele deveria estar revirando as gavetas e vasculhando o lugar em busca de algo valioso, mas não havia sinal de atividade.
A julgar pelo som dos passos, ele estava indo direto para o quarto de Ashley.
— …Não pode ser aquele homem, certo?
A imagem de olhos roxos, frios e cheios de desprezo, veio à sua mente no instante em que a porta se abriu bruscamente.
Ashley respirou fundo, instintivamente. Se fosse ele, aquele cheiro enjoativo e doce como incenso invadiria seus pulmões.
Mas o cheiro nunca veio.
Preparado para a náusea que sempre acompanhava aquela presença, Ashley se surpreendeu ao perceber que não havia cheiro algum. Só o aroma fraco do tecido do cobertor.
‘…Então é mesmo um ladrão.’
Aceitando essa conclusão, Ashley se afundou ainda mais no colchão. Só queria que o sujeito pegasse logo o que quisesse e fosse embora.
‘Leve tudo. Só não me toque.’
Era a única coisa que pedia. Mas tinha cinquenta por cento de chance de não ser atendido. Se desse merda, precisava ter um plano.
Ele esperou de olhos fechados, ouvindo atentamente. Mas, estranhamente, o ladrão não entrou no quarto de imediato. Talvez estivesse olhando ao redor antes de entrar.
‘Mas por que diabos está parado ali?’
E então, crec.
Um rangido alto quebrou o silêncio, e Ashley entendeu. Aquele idiota estava segurando a maçaneta, tentando abrir a porta devagar para não fazer barulho.
O problema? O barulho veio do mesmo jeito.
No segundo em que o rangido ecoou pelo quarto, Ashley ouviu um sobressalto e o som do ladrão prendendo a respiração.
‘…Que amador.’
Ainda grogue por causa da febre, pensou que um ladrão tão incompetente não devia ser grande coisa. Provavelmente não conseguiria roubar nada direito. Talvez até desistisse e fosse embora.
Com essa ideia, ele resolveu dormir de novo. Estava quase conseguindo… quase se entregando à inconsciência outra vez…
Quando, KRRIIIEEEEK.
Outra vez, aquele rangido irritante o arrancou à força do sono. Sua testa se franziu em uma expressão de pura irritação. E, mais uma vez, o ladrão parou de se mover.
Ashley tentou ignorar e forçar o sono de volta. Mas não deu certo. Quando outro rangido ainda mais alto ecoou pelo quarto, ele quase gritou para que o idiota entrasse de uma vez e acabasse com aquilo. Se não estivesse queimando em febre, teria feito exatamente isso. Mas, na realidade, tudo o que conseguiu foi cerrar os olhos e soltar um gemido rouco.
Pelo menos, o barulho da porta finalmente cessou. Em compensação, um outro som estranho preencheu o silêncio.
Creck, creeck, creck.
Não era tão alto quanto antes, mas continuava irritante.
‘Mas que merda esse desgraçado está tentando roubar que precisa de tanto esforço?’
Ele rangeu os dentes, já no limite da paciência. E então, o som parou e um silêncio carregado preencheu o espaço.
Ashley não precisava ver para saber. Sentiu na pele o peso de um olhar, a hesitação de quem caminhava na ponta dos pés pelo quarto. Aos poucos, o intruso foi se aproximando da cama.
Ashley continuou imóvel. Aquele imbecil realmente tinha coragem o suficiente para se aproximar e conferir se ele estava ali.
Mas aquilo foi longe demais.
No instante em que o ladrão puxou o lençol para espiar seu rosto, Ashley se moveu de supetão e agarrou o braço dele.
— Mas que merda, dá para parar com essa palhaçada?!
Sem pensar duas vezes, puxou o sujeito pelo braço, derrubando-o no colchão. Sua voz saiu rouca e trêmula, mas ainda assim forte.
O que ele não esperava era o peso – ou melhor, a falta dele. O ladrão era muito menor do que tinha imaginado. Se quisesse, Ashley podia quebrar um osso ou dois sem esforço.
O que o surpreendeu foi a identidade do ladrão. Dois olhos arregalados e um rosto familiar o encaravam. Ashley olhou para ele com uma expressão incrédula.
— …Koy?
Sua voz saiu rouca, como se ele estivesse quase sem ar.
O outro piscou algumas vezes, claramente desconcertado. Então, deu um sorriso sem graça e acenou de leve com a cabeça.
— É… sou eu. Como você es-?
O olhar de Koy correu por Ashley, claramente percebendo que a resposta era óbvia. Ele não estava bem. A pergunta morreu em um murmúrio no meio da frase.
Ashley ficou um tempo apenas olhando para ele, atordoado, até ser tomado por uma nova crise de tosse.
— Ash!
Koy exclamou em pânico, se levantando depressa. Com a tensão dissipada agora que sabia quem era o “ladrão”, Ashley mal teve forças e acabou desabando de volta na cama.
— Ash, você está bem? Nossa, você deve estar muito mal…
‘…É sua culpa.’
Ele queria dizer isso. Queria mesmo. Mas a tosse violenta o impedia de falar qualquer coisa.
Vendo-o naquele estado, Koi rapidamente saiu do colchão.
— Ash, eu trouxe remédio. Toma aqui… e sopa também.
Ashley, ainda tremendo por causa da febre, finalmente entendeu o que era aquele som estranho de antes. Era o barulho de um carrinho de comida sendo empurrado.
— A cozinha dessa casa é enorme — Koy comentou antecipando a pergunta, enquanto pegava uma concha e enchia uma tigela com sopa quente.
— …
— É sopa de legumes.
— Eu não quero isso.
A resposta foi imediata. Koy hesitou, então rapidamente despejou a sopa de volta na panela e abriu outra, repetindo o processo.
— Essa é uma sopa cremosa.
Ashley, mesmo febril e exausto, olhou para ele com uma expressão de puro cansaço. Desviou os olhos para trás e viu o carrinho com nada menos que quatro panelas.
— Eu não sabia qual tipo você gostava, então comprei várias. — Koy ficou vermelho ao admitir. — Mas tudo bem, já entendi. Você não gosta de legumes. Vou lembrar disso.
Ashley piscou lentamente, ainda tentando processar tudo aquilo. Não tinha forças nem para responder. Koy fez uma expressão triste, como se sentisse pena dele, depois de mexer a sopa algumas vezes, pegou uma colherada e estendeu para ele.
— Aqui, Ashley. Come um pouco.
Ashley não se moveu, apenas olhou para a colher e depois para Koy. Os olhos do outro estavam cheios de preocupação genuína.
— Você precisa comer pelo menos um pouco para recuperar as forças. Coma isso e tome o remédio, tá certo? Assim você vai melhorar rápido.
Koy estendeu a colher mais uma vez, insistindo com um tom suave, mas firme. Ele não parecia nem um pouco disposto a desistir. Ashley se sentiu estranho ao perceber que Koy realmente estava preocupado com ele.
— Vai, abre a boca.
Depois de hesitar um pouco, Ashley finalmente cedeu, abrindo a boca devagar. Koy, com todo o cuidado do mundo, levou a colher até ele, cuidadoso, colocou a sopa e retirou a colher, Ashley engoliu com dificuldade, sentindo o líquido quente arranhar sua garganta inflamada. Ele ficou ali, atento, pronto para oferecer outra colherada assim que ele engolisse.
— Tá doendo?
O olhar atento de Koy captou o pequeno franzir de testa de Ashley. A dor na garganta estava forte demais para continuar. Quando Koy estendeu outra colherada, Ashley balançou a cabeça em recusa.
Ele suspirou, desapontado, mas não insistiu. Colocou a tigela de lado e pegou um copo de água junto com alguns comprimidos.
— Então pelo menos tome o remédio. Aqui.
Ashley piscou devagar, encarando os comprimidos por um instante antes de se esforçar para se sentar. Com o corpo fraco e tonto, ele acabou se desequilibrando um pouco, mas se apoiou e conseguiu se ajeitar. No fundo, sabia que o que mais precisava naquele momento era aquilo.
— Esse é para febre, esse é para tosse, e esse aqui é para dor de garganta.
Koy explicou um por um antes de colocar os comprimidos na palma da mão de Ashley, sem esquecer de lhe entregar o copo de água morna.
Ashley levou os remédios à boca e bebeu a água aos poucos. Cada gole fazia seu rosto se contorcer levemente por causa da dor, mas, ainda assim, ele conseguiu tomar tudo até a última gota. Só então soltou um longo suspiro. A garganta ainda ardia, mas pelo menos a sede tinha diminuído um pouco.
Quando tentou se deitar de novo, Koy se aproximou depressa para ajudá-lo.
Ashley pensou que aquilo não faria muita diferença, mas, sem perceber, acabou encostando a cabeça no ombro magro do outro. A camisa de Koy estava fria contra sua testa febril, e o contato foi estranhamente agradável.
— Dorme um pouco, Ash. Quando acordar, vai estar bem melhor.
A voz de Koy soava como um sussurro tranquilo.
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Continua…