Lamba-me se puder - Capítulo 02
— Ufa…
Depois de jogar o último saco de lixo fora, Koy suspirou e endireitou as costas. Ele deu uma última conferida na loja, certificando-se de que tinha terminado tudo, e apagou as luzes. Quando trancou a porta pelo lado de fora, finalmente se sentiu livre.
Subiu na bicicleta e começou a pedalar apressado. Como já tinha calculado antes, sabia que ainda tinha muito trabalho pela frente quando chegasse em casa.
“Acho que vou virar a noite…”
Só de pensar nisso, sentiu o coração acelerar e forçou as pernas a pedalarem ainda mais rápido. O vento frio da noite bateu contra seu rosto, como se respondesse ao seu esforço.
Já fazia alguns meses que ele usava seu tempo extra para trabalhar nesse bico. Seu serviço era simples: organizar as prateleiras, limpar o chão e recolher o lixo antes do fechamento. Oficialmente, a limpeza nem fazia parte do trabalho, mas o dono da loja nunca ligou para isso, e Koy não estava exatamente em posição de reclamar. Com as poucas opções que tinha, aceitou o trabalho e até fazia algumas horas extras sem ganhar a mais por isso.
No fim das contas, ele sempre ficava entre 30 minutos e uma hora depois do expediente, o que significava que, quando finalmente chegava em casa, já era quase meia-noite. Isso fazia com que mal sobrasse tempo para as tarefas da escola.
Koy ficou ainda mais impaciente e acelerou o ritmo pela estrada escura.
***
Parado em frente ao velho trailer onde morava, Koy largou a bicicleta de qualquer jeito num canto e correu para dentro. Tomou um banho rápido e foi direto para o computador, enquanto esperava a máquina ligar, pegou seus cadernos e anotações. Assim que viu o enunciado da tarefa na tela, soltou um suspiro cansado.
Abriu o caderno e começou a rascunhar suas ideias. O trabalho era analisar um dos livros de literatura latina que o professor tinha indicado. Felizmente, ele já tinha lido o livro antes, então agora só precisava organizar tudo e escrever dentro do tema.
Por um tempo, ficou tão concentrado que nem percebeu as horas passando. O Sr. Martinez, o professor, era rigoroso com prazos e preferia que entregassem qualquer coisa mal feita do que fora da data.
Koy esfregou os olhos pesados de sono e continuou escrevendo.
De repente, o som alto de um motor vindo de fora o fez gelar na hora.
A velha caminhonete do pai estava chegando.
Num reflexo, ele desligou o monitor, apagou a luz do quarto e pulou na cama. Se cobriu até a cabeça, fechando os olhos com força.
A porta do trailer se abriu, e o homem entrou.
Koy sentiu o coração disparar enquanto tentava escutar qualquer ruído suspeito. Suas mãos estavam suadas.
“Bêbado de novo…”
O pai murmurava coisas sem sentido enquanto caminhava pelo pequeno espaço. Esbarrou em algo, fazendo um barulho alto, xingou, depois seguiu para a cozinha.
O som da geladeira se abrindo foi seguido pelo tilintar de garrafas.
Claro. Procurando mais bebida.
— Aff… — o homem resmungou e se jogou na cadeira com uma garrafa de cerveja.
“Se já bebeu tanto lá fora, por que continuar aqui?”
Mas, no fundo, Koy sabia que isso era até bom. Pelo menos, significava que o pai não iria acordá-lo à força ou, pior, partir para cima dele.
“Ótimo. Só beba até cair, assim eu consigo terminar esse trabalho.”
Era sempre assim. Ele só precisava esperar o pai apagar.
— Ugh…
Algum tempo depois, os resmungos bêbados se transformaram em roncos.
Koy espiou por baixo do cobertor e viu que o pai já tinha desabado sobre a mesa. Algumas garrafas vazias de vinho rolavam pelo chão.
Depois de observá-lo por um instante, Koy se levantou da cama com cuidado e voltou para o computador. Olhou o relógio: 3 da manhã.
“Se eu conseguir terminar em duas horas, ainda dá para dormir um pouco.”
Forçou os olhos a se manterem abertos e voltou ao trabalho.
— Uhh…
Um gemido repentino o fez virar a cabeça num sobressalto.
O pai continuava dormindo.
Koy soltou um suspiro de alívio e se virou para o monitor de novo.
— Miranda…
Koy congelou.
Por um momento, o silêncio preencheu o trailer. Ele achou que tinha ouvido um fungado, mas logo tudo ficou quieto de novo. O homem continuava dormindo, a cabeça caída sobre a mesa, até babando um pouco.
Koy tentou se concentrar no trabalho mais uma vez, mas dessa vez foi impossível.
Aquele nome…
Era um assunto proibido.
E, para Koy, doía tanto quanto os machucados que o pai deixava nele.
Mas parecia que seu pai ainda a carregava no coração. Se era amor, saudade ou ódio, Koy nunca saberia. De repente, a lembrança de um dia em que o pai, bêbado e descontrolado, explodiu contra ele invadiu sua mente.
“Se você não fosse tão parecido com ela assim…”
Desde então, Koy carregava uma culpa que nunca o abandonava. No fim das contas, parecia que tudo de ruim que acontecia era culpa dele.
Sentiu o nariz arder de repente e balançou a cabeça com força. Não podia se perder nesses pensamentos agora. A prioridade era terminar a tarefa. Ele respirou fundo e voltou a se concentrar no texto.
***
— Ha…
Koy terminou a lição só ao amanhecer e, exausto, acabou desmaiando de sono. O problema foi que, por causa disso, acordou tarde demais.
Quando abriu os olhos, o sol já estava alto e o pai continuava desmaiado sobre a mesa.
— Merda!
Num pulo, saiu da cama, lavou o rosto correndo e pegou a mochila. Saiu disparado de casa, subiu na bicicleta e começou a pedalar com toda a força. No caminho, percebeu que o trânsito estava mais tranquilo do que o normal.
“Droga… tô ferrado.”
Ao chegar na escola, atravessou o campus como um raio. Sua sala ficava no prédio mais distante e ele não tinha tempo para parar no armário.
Chegou tão ofegante que, quando abriu a porta da sala, o Sr. Martinez, que já estava dando aula, virou-se surpreso.
Koy prendeu a respiração e correu para o canto da sala, onde sempre sentava. Só que, dessa vez, alguém já estava lá.
Ele nunca chegava tão tarde. Mas hoje…
Procurou outro lugar e, sem querer, fez contato visual com uma pessoa inesperada.
Ashley Miller.
O garoto estava sentado no meio da sala e, como sempre, ostentava aquele sorriso despreocupado. Coincidentemente, a única cadeira vazia ficava bem atrás dele.
Ashley sorriu do jeito habitual, mas Koy não conseguiu retribuir. Ainda meio sem ar, olhou ao redor, torcendo para encontrar outro lugar. Nada.
O professor, impaciente, cruzou os braços.
— O que você tá esperando? Sente-se logo.
Sem escolha, Koy caminhou até a cadeira vaga, entregou o material impresso que o professor pediu e finalmente se sentou.
Suspirou e jogou a mochila no chão. O Sr. Martinez retomou a aula normalmente, enquanto Koy abria o zíper da bolsa e pegava seus materiais. Assim que se ajeitou, percebeu algo.
Bem na sua frente, bloqueando completamente sua visão do quadro, estavam as costas gigantes de Ashley Miller.
“Ah, pronto… por que, justo hoje?”
Por mais que esticasse o pescoço, era impossível enxergar qualquer coisa além do ombro largo do colega. Para piorar, seu humor já não estava dos melhores, e a voz do professor parecia ainda mais distante do que o normal.
“Parabéns, Ashley. Você acabou de bloquear a visão de um simples civil como eu…”
O tempo todo, Koy olhava para a parede viva na sua frente, remoendo seu azar. Claro, o grandão nem percebeu.
***
— Connor Niles, pode vir aqui um instante?
Assim que a aula acabou e os alunos começaram a sair, o Sr. Martinez chamou Koy.
Ele esperou os outros passarem e então se aproximou da mesa do professor, que parecia um pouco sério demais.
— Você sabe por que eu te chamei?
Koy franziu a testa e balançou a cabeça.
— Não… foi porque eu cheguei atrasado?
Se fosse isso, já estava se preparando para implorar por misericórdia. Mas, ao invés disso, o professor o encarou com uma expressão ainda mais séria.
— Você não enviou sua tarefa. Aconteceu alguma coisa?
— O quê? Eu não enviei?!
Os olhos de Koy se arregalaram. Ele não esperava por essa.
O professor assentiu.
— Você não sabia o prazo? Se tivesse conferido a tarefa, teria visto que a data estava bem clara.
— Senhor, eu vi! Eu fiz a tarefa, juro!
Um frio percorreu sua espinha. Ele passou a noite inteira trabalhando, e agora o professor dizia que não tinha enviado?
Por um momento, se sentiu tonto.
“Não… não pode ser…”
°
°
Continua…