Deseje-me se puder - Capítulo 81
***
‘Filho da puta.’
Ele já tinha esvaziado duas latas de cerveja, mas o sangue ainda fervia. ‘Direitos? De onde diabos ele tirou essa ideia? Como se soubesse o que é responsabilidade…’
— Miau.
Darling miou baixinho. Foi só então que Dane percebeu que, no calor do momento, tinha deixado escapar seus feromônios. Respirou fundo e os conteve. Assim que o cheiro se dissipou, a gata voltou a se aconchegar, deitando a cabeça sobre as patas dianteiras.
Com a lata de cerveja ainda na mão, Dane caminhou até a torre de arranhadores. No fim, aquela gata era a única coisa na vida dele que não lhe dava dor de cabeça. Ele acariciou levemente a cabeça de Darling, que estava descansando tranquilamente, ela virou de barriga para cima, ronronando e cutucando seus dedos com as patinhas. Pelo menos alguém aqui estava feliz. Vendo Darling brincar com sua mão, o humor de Dane melhorou.
Foi aí que o toque do celular quebrou o silêncio. Dane olhou para a tela, reconheceu o nome e atendeu. A voz do outro lado veio logo em seguida:
[Dane, você chegou bem? Fui ao hospital e disseram que você levou Darling. Queria ter ligado antes, mas não tive chance. Desculpa pela demora…]
— Está tudo bem, não se preocupe.
Ele passou a mão pelo cabelo, suspirando.
— Aliás, obrigado por cuidar da Darling, Yeonwoo.
[Que isso, eu que agradeço por confiar em mim para tomar conta dessa fofura que é a Darling]
A voz de Yeonwoo soava tão gentil quanto sempre.
[Se precisar de qualquer coisa, me chame. Vou ficar feliz em ajudar, seja no que for.]
— Certo. Vou lembrar disso.
Mas, de preferência, que não precise se repetir.
Dane se despediu rapidamente e encerrou a ligação. No fim das contas, era óbvio por que tinha acabado naquela situação. A missão falhou, e agora precisava pensar no que fazer. Inclusive, tinha a questão do dinheiro que recebeu adiantado—tinha que devolver.
— Os custos do exame médico…
Resmungando, Dane passou a mão na testa, irritado. Merda. O valor era exatamente o que ele tinha separado para comprar aquele maldito arranhador.
Não, mas pensando bem, mesmo se tivesse o dinheiro, ainda assim não teria conseguido marcar os exames. Considerando a fila de espera, levaria anos para ser atendido. Pelo menos, só precisava devolver o dinheiro, então, tecnicamente, não estava saindo no prejuízo.
Aquela torre de arranhadores só serviria como um lembrete amargo para ele, mas não para Darling.
Depois de pensar um pouco ele chegou a uma conclusão racional, como sempre. Isso não tornava a sensação menos desagradável.
***
‘Por que eu fiz algo tão estúpido?’
Enfiado profundamente no sofá, Grayson relembrou o pensamento que o consumiu durante todo o caminho para casa.
‘Direitos? Eu tenho algum? Mesmo que eu tivesse, por que eu me importaria com isso?’
Dane não estava errado. O corpo era dele, a escolha também. Mas, do ponto de vista de Grayson, aquilo tinha acontecido sem o consentimento dele. Ele só queria que isso fosse reconhecido, e, se tivesse colocado a questão dessa forma, Dane provavelmente teria concordado.
‘Mas… um filho?’
‘Se por algum motivo Dane engravidasse e decidisse ter a criança, eu realmente estaria pronto para assumir essa responsabilidade? Por que diabos eu falei de direitos? E se Dane resolvesse ter o bebê, mas não quisesse criá-lo? Eu realmente estaria disposto a assumir isso sozinho?’
Como foi que essa conversa chegou nesse ponto?
Dane tomou a pílula na frente dele. Isso por si só já deixava claro qual era sua decisão. O assunto deveria ter morrido ali. Então por que, de repente, ele estava voltando a essa questão? Dane tinha todo o direito de achar aquilo um absurdo.
…Mas…
Ainda assim, aquilo não fazia sentido. Por que Dane reagiu com tanta repulsa? Se ele rejeitou a ideia desse jeito, então… aconteceu alguma coisa no passado?
— Família…
Grayson murmurou a palavra, experimentando seu peso. Ele queria saber mais sobre Dane. Mas não tinha como e, mais do que isso, não tinha por quê. Dane não era nada dele. E, se descobrisse alguma coisa, o que diabos faria com essa informação?
Não era como se eles fossem se dar bem algum dia.
<Desde quando você é assim, hein? Todo sentimental, todo grudento? Achei que seu lema era uma vez só e nunca mais!>
— Haah…
O suspiro escapou sem que ele percebesse, e Grayson passou uma mão pelo rosto. Ele sempre repetiu aquela frase. Já tinha rido e debochado de incontáveis ômegas que imploravam por mais uma noite. Era natural, fazia parte do jogo.
‘Será que é só isso? Eu só quero dormir com ele de novo?’
Franzindo o cenho, Grayson ficou imerso na própria confusão. E mesmo depois da noite cair, ele ainda não tinha encontrado uma resposta.
***
Grayson nunca tinha sentido cansaço na vida. Fosse depois de uma festa ou de transar com quantos quisesse, sempre acordava inteiro. Mas agora? Pela primeira vez, ele entendia o significado da palavra “exaustão”.
De pé diante do espelho, piscou algumas vezes, confuso. A primeira coisa que pensou ao ver a própria cara foi “Quem diabos é esse?” Virou-se por instinto, como se fosse encontrar outro homem atrás de si. Mas não.
E então percebeu.
— …Ah.
Aquela cara era a dele mesmo.
— Haah…
Passou a mão no rosto e soltou um suspiro frustrado.
‘E logo hoje, dia de trabalho.’
Então era disso que as pessoas falavam quando reclamavam de ser assalariado. Levantar para trabalhar se sentindo um lixo devia ser contra os direitos humanos. Mas, no fundo, ele sabia que sua situação era diferente. Se quisesse, bastava uma ligação para o chefe, e teria o dia de folga.
Por um segundo, considerou a ideia. Depois desistiu e foi para o banho. Odiava a ideia de cruzar com Dane. Mas, ao mesmo tempo, queria vê-lo.
E foi nesse limbo de sentimentos contraditórios que ele se arrastou para o trabalho, mais devagar do que de costume.
***
Assim que chegou, percebeu um clima estranho no ar. O ambiente estava estranho – murmúrios, pessoas reunidas em pequenos grupos. Algo estava acontecendo.
Grayson lançou um olhar desconfiado ao redor. Foi então que Valentina o avistou e chamou sua atenção.
— Grayson, bom dia! …Nossa, você tá diferente hoje.
Ela cumprimentou-o com animação, mas então olhou para ele com uma expressão estranha. Quando seu olhar voltou para o rosto dele, ela estava sorrindo como sempre, mas Grayson claramente viu uma expressão hesitante passar rapidamente por seu rosto.
E não era para menos. O cabelo que sempre estava impecavelmente penteado hoje caía desalinhado, e a barba que sempre estava bem cuidada agora estava por fazer. Era óbvio que ele havia ido trabalhar sem se barbear. Além disso, ele, que sempre sorria de maneira radiante ao cumprimentar alguém, hoje apenas levantou a mão levemente, com um rosto cansado.
— É só preguiça. Mas e aí, o que tá rolando? O clima tá estranho.
— Ah, é que…
Valentina olhou discretamente para trás antes de responder, com a voz mais baixa e um olhar preocupado.
— A esposa do Ezra… descobriram que ela está com câncer. Foi confirmado nos últimos exames, e parece que é grave. O tratamento vai custar uma fortuna. Dizem que só para começar, já precisa de algumas centenas de milhares de dólares… Todo mundo está preocupado.
— Nossa… que triste.
Na verdade, Grayson não estava nem um pouco interessado, mas agiu conforme o costume. Por coincidência, Dane, que estava perto de Ezra junto com outros caras, acariciou o ombro dele. No momento em que viu aquela cena, Grayson franziu a testa involuntariamente.
Felizmente, Valentina interpretou errado sua reação. Seguiu seu olhar, viu Dane confortando Ezra e tirou suas próprias conclusões.
‘Ele deve estar preocupado com Ezra. Bom, faz sentido… ultimamente os dois andam bem próximos.’
Pensando assim, Valentina compartilhou outra informação.
— Então, o chefe sugeriu que fizéssemos um evento beneficente. Vamos arrecadar dinheiro para ajudar Ezra e a esposa dele. Você vai, né?
— Hã? Ah….
Para ser honesto, Grayson não ouviu metade do que ela disse. Estava ocupado demais olhando para Dane. Só conseguiu captar duas palavras: “festa” e “vai, né?”
— Todo mundo vai?
Ele perguntou, tentando se situar.
— Claro! Só quem estiver de plantão não vai poder ir.
— Entendi.
Grayson murmurou, ainda sem tirar os olhos de Dane.
— Se eu puder ir, eu vou.
‘Depois que eu verificar se Dane vai estar de plantão ou não.’
Valentina sorriu.
— Está bem, então. Te vejo depois.
Ela se despediu e voltou para o grupo.
Foi só quando Grayson foi até o escritório para checar a data e a escala dos plantões que finalmente entendeu o verdadeiro propósito da festa.
°
°
Continua..