Deseje-me se puder - Capítulo 78
A tensão que pairava no ar se dissipou rapidamente, dando lugar a uma atmosfera tranquila. Ao ver a gata ronronando pacificamente e esfregando a cabeça contra o peito de Dane, Grayson teve um pensamento absurdo.
‘Eu devia ter nascido gato.’
Como se não desse a mínima para as divagações alheias, Dane simplesmente depositou mais um beijo na cabeça de Darling antes de colocá-la de volta no arranhador. Só então, percebendo Grayson ainda parado feito um poste, apontou para ele com um gesto preguiçoso e disse.
— Senta aí. Vou te servir um café.
Grayson arqueou uma sobrancelha, mas seguiu o outro até a mesa. Dane puxou uma cadeira para ele antes de ir para a cozinha, sem perder tempo, Grayson hesitou um instante antes de se sentar, inclinando-se levemente para espiar o que ele estava fazendo.
Dane pegou o pote de café solúvel no armário e, sem nem tentar medir a quantidade com uma colher, virou o recipiente direto dentro da caneca. Em seguida, despejou água fervente da chaleira e, em vez de mexer o café, apenas sacudiu a caneca de qualquer jeito antes de levar a bebida para Grayson.
— Toma.
— Ah… obrigado.
Grayson pegou a caneca com certa desconfiança. Era a primeira vez que via alguém preparar café daquela maneira, mas esse era um novo nível de descaso. No entanto, ao notar que Dane preparou o próprio café da mesma maneira e bebeu sem hesitação, ele resolveu não comentar.
E, para sua surpresa…
Não era ruim.
Quer dizer, considerando que era um café instantâneo jogado na água fervente sem critério algum, até que dava para engolir. No mínimo, era impressionante que um processo tão negligente ainda resultasse em algo minimamente aceitável.
Foi então que Dane, do nada, soltou:
— Você não pode tocar na Darling, mas depois eu deixo você tirar umas fotos.
Grayson, que ainda estava processando a experiência duvidosa do café, piscou surpreso. Dane interpretou sua reação de outra forma e completou, num tom indiferente:
— Os olhos e ouvidos dela não funcionam, então o resto dos sentidos são mais aguçados. Se alguém que não conhece tenta tocar nela, pode assustá-la. Melhor só tirar fotos.
— Ah, é… faz sentido.
Grayson acenou com a cabeça como se tivesse entendido perfeitamente, aproveitando a deixa para esconder sua expressão atrás da xícara de café. Na verdade, Darling era apenas um pretexto – o verdadeiro motivo para estar ali era simplesmente conhecer a casa de Dane. A missão já estava cumprida, mas isso não significava que ele se daria por satisfeito. Agora que finalmente estavam sozinhos, era a hora perfeita para arrancar o máximo de informações possível.
Só precisava de um jeito natural de puxar assunto. Talvez começando pela gata…
Mas algo estava estranho.
O ambiente parecia mais vazio do que deveria. Grayson franziu a testa, sentindo que havia algo fora do lugar, até que percebeu.
— Cadê o sofá?
Agora que parava para pensar, era estranho que Dane o tivesse guiado até a mesa em vez da sala de estar. O espaço parecia grande o suficiente para um sofá, então…
— Vendi. — Dane respondeu sem dar importância. — Precisava de espaço para o arranhador que você mandou.
— Ah, entendi…
Grayson assentiu automaticamente, mas logo parou.
— Espera. O arranhador que eu mandei? Achei que ele já vinha montado.
Ele olhou para o móvel onde Darling descansava. Mesmo para alguém sem experiência com gatos, o arranhador parecia velho. Não era, definitivamente, o modelo luxuoso que ele tinha encomendado.
Dane continuou impassível.
— Eu mesmo monto. Pedir para os outros fazerem só dá trabalho.
— Você monta sozinho?
O negócio parecia complicado. Mas Dane sequer piscou.
Agora que reparava melhor na casa, Grayson notou diversos detalhes que entregavam sinais de manutenção frequente. A casa era antiga, provavelmente centenária, e não era difícil imaginar que precisasse de consertos constantes. Ele podia até visualizar Dane subindo no telhado para fazer reparos, e isso deu a ele uma ideia para continuar a conversa.
— Aposto que dá um trabalho enorme cuidar dessa casa.
— Dá mesmo.
Dane concordou sem hesitar. A partir daí, a conversa fluiu naturalmente – ele falou sobre as rachaduras na garagem que precisavam de concreto novo por causa de um terremoto, sobre como arrancou todo o gramado do quintal para economizar na conta de água, e sobre a chateação que foi instalar gás na churrasqueira só para ela acabar não funcionando direito.
Grayson ouvia atentamente. Era exatamente o que ele queria – poder conversar com Dane casualmente. O único problema era que os assuntos eram incrivelmente banais.
Ele tinha ido até lá para o quê? Falar sobre reformas e jardinagem?
Talvez fosse hora de mudar o rumo da conversa.
Esperando um momento oportuno, Grayson lançou a pergunta com a maior naturalidade do mundo.
— A propósito… não estou vendo mais ninguém por aqui. Sua família saiu?
Era uma dúvida genuína, mas ele fez parecer um comentário qualquer, do tipo que se faz sobre o clima.
Dane respondeu sem hesitação.
— Eu não tenho família.
E então o encarou com um olhar frio.
— Já não falei antes? Eu sou sozinho.
A atmosfera leve se desfez instantaneamente. Grayson percebeu na hora –Dane ergueu sua barreira de defesa. Sem perder a compostura, ele apenas sorriu.
— Ah, foi? Devo ter esquecido.
Desviando o olhar rapidamente, Grayson lançou um olhar para Darling antes de voltar a encarar Dane.
— Mas você não está exatamente sozinho, certo? Você tem a Darling.
Ao ouvir isso, Dane olhou para Darling. Por um momento, uma emoção transpareceu em seu rosto, que até então parecia indiferente.
— Ah… É, acho que sim..
Apesar da resposta comum, Grayson sentiu um arrepio estranho. Alguma coisa o incomodou. Ele não conseguia identificar o que estava sentindo, mas algo parecia fora do lugar. Por que ele se sentia assim?
‘…Ah.’
De repente, ele percebeu.
Será que nem mesmo Darling era capaz de prender esse homem?
Uma sensação de vazio e frustração o atingiu, como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés.
Ding-dong…
O som repentino da campainha o fez voltar à realidade. Dane também se sobressaltou, franzindo o cenho. Pelo jeito, ele não esperava visitas.
— Tsc.
Ele estalou a língua e se levantou sem pressa, caminhando até a porta.
Ding-dong…
Com um estalo de língua, Dane se levantou e seguiu até a porta. Antes que pudesse abrir, a campainha tocou de novo, um som que, por algum motivo, soava inquietante.
Grayson também se levantou, meio hesitante, mantendo os olhos na porta. Quando ela finalmente se abriu, uma mulher de cabelos castanhos apareceu do outro lado. Seu rosto, parcialmente encoberto por Dane, estava tomado por nervosismo.
— Quem é…?
Dane estava de costas, mas Grayson podia imaginar perfeitamente que ele estava franzindo a testa. Lentamente, Grayson se levantou e se aproximou de Dane. A cada passo que dava, o rosto da mulher ficava mais claro em seu campo de visão. Ele notou que ela tinha um corpo delicado, quase frágil, e uma aparência adorável. De repente, ele sentiu uma pontada de desconforto.
— Dane… você não se lembra de mim? A gente se conheceu num clube, uns três meses atrás…
A voz dela tremia um pouco. Dane coçou a cabeça, como se tentasse puxar pela memória. Se ela tinha vindo até ali, então o mais provável era que ele a tivesse levado para casa. Ou seja… uma das mulheres com quem ele dormiu. A mulher, impaciente, se apressou em acrescentar:
— Naquele dia, você me comprou um Cinderela. Eu disse que não bebia muito, e você sugeriu esse drink, lembra?
— Ah…
Uma lembrança vaga lhe veio à mente. Sim, ela não bebia bem, o que ele achou curioso, considerando o ambiente em que estavam. Lembrava-se de ter comprado o coquetel sem álcool para ela e trocado algumas piadas sem importância. Ela era divertida, então ele a levou para casa, passaram uma noite agradável, tanto que ele até fez o café da manhã e chamou um táxi para ela. Depois disso, nunca mais a viu.
— Certo, estou lembrando.
Ela pareceu aliviada e forçou um sorriso.
— Que bom… Então, eu…
Dane arqueou uma sobrancelha, ainda sem entender por que ela estava ali.
— Mas o que você está fazendo aqui
A mulher respirou fundo antes de soltar a bomba, com a voz trêmula.
— Eu… estou grávida.
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Continua…