Deseje-me se puder - Capítulo 57
Diandre se encolheu na hora, intimidado pelo tom de voz que parecia prestes a esganá-lo.
— Olha, eu só… já faz um tempo… E o cara nem parece que tá tentando procurar nada…
Ele foi resmungando uma desculpa qualquer, mas ninguém mais estava prestando atenção nele. O foco já tinha mudado para outro assunto.
— Por que diabos o Miller tá interessado no Dane?
— Pra falar a verdade, eu já estava com um mau pressentimento desde que ele insistiu em ir almoçar com eles. Como ninguém impediu?
— E como a gente ia impedir? Seria muito na cara!
— Isso! E uma vez daria algum problema? Eles nem saíram sozinhos, havia outro cara junto…
— O Dane só aceitou sair porque tinha outro interesse. Então é pouco provável que tenha dito alguma besteira. Além disso, para que ele falaria disso agora? Já faz tempo.
— Então por que esse desgraçado resolveu perguntar sobre o Dane do nada?
— Será que ele ouviu alguma coisa suspeita?
— Assim, de repente?
A dúvida voltou para o ponto de partida. O grupo se entreolhou, todos com cara de preocupação, mas sem ninguém saber direito o que pensar.
***
Grayson ficou sozinho na academia, perdido em pensamentos. Fitava um ponto qualquer, depois passava a mão pelos cabelos, depois coçava o queixo… e assim ficou por um bom tempo.
Talvez fosse melhor apelar para aquele método.
Se queria uma resposta, essa era a maneira mais fácil e eficiente. Agora só precisava escolher a pessoa certa.
O som da porta se abrindo tirou Grayson de seus devaneios. Ele ergueu a cabeça e viu um dos bombeiros congelando no lugar assim que seus olhares se cruzaram.
‘Sim, ele é perfeito.’
Grayson abriu um sorriso.
— Preciso falar com você. Pode me dar um minutinho?
O cara arregalou os olhos e olhou ao redor, como se procurasse uma rota de fuga. Mas não tinha ninguém além deles dois. Então apontou pra si mesmo, hesitante.
Grayson confirmou com um aceno.
— É, você mesmo. Você e eu.
Ele apontou para o bombeiro e depois para si, inclinando a cabeça e sorrindo de um jeito quase… gentil?
— Conto com você.
Era difícil alguém resistir a esse truque. E claro, o cara que estava todo travado de medo acabou cedendo e assentiu com um movimento hesitante.
***
‘Que porra tá acontecendo aqui?’
Ezra não conseguia controlar o coração acelerado e olhou furtivamente para Grayson, sentado à sua frente. Ele sabia que voltar para a sala de treinamento tinha sido um erro. Aquele maldito momento em que voltou para academia para pegar uma coisa que tinha esquecido… Se tivesse simplesmente deixado pra lá, não teria dado de cara com Grayson.
E agora estava ali.
Ele levou o copo de cerveja à boca, tentando disfarçar o nervosismo. A situação era tão absurda que ele nem percebeu quando concordou em sair para beber.
Beber, a sós, com Grayson Miller.
Se alguém ficasse sabendo disso, iam questionar sua sanidade.
“Era só uma cerveja. Só uma. Ele ia beber essa e cair fora. Nada mais.” Ezra repetia para si mesmo. Era o melhor que ele podia fazer.
Determinado, ele inclinou a cabeça para trás e engoliu a cerveja em um só gole. Grayson, do outro lado da mesa, observava em silêncio. Ezra, que já havia acabado com metade da cerveja de uma vez, colocou a garrafa na mesa com um baque e encarou Grayson diretamente.
— Então, sobre o que você quer falar?
Sua pronúncia já parecia um pouco arrastada, como se o álcool já estivesse começando a fazer efeito. Claro, afinal, mesmo sendo cerveja, ele bebeu muito rápido. Grayson franziu os olhos, pensativo. Ezra não era um Alfa, imune a drogas ou álcool.
Mantendo a indiferença e o cinismo por aquele homem escondidos, Grayson abriu a boca com uma expressão leve no rosto.
— Preciso da sua ajuda.
— Que tipo de ajuda?
Ezra se inclinou para frente, falando cada palavra bem devagar, tentando parecer intimidador. Mas, para Grayson, ele parecia mais um suricato curioso. Um empurrãozinho e ele se espatifaria no chão. Olhando para ele com aquele ar de “por que eu estou aqui mesmo?”, Grayson fez um teatro de hesitar antes de falar:
— Tenho a impressão de que vocês estão me evitando. Queria saber se é por causa do… Dane Stryker.
Ele fez uma pausa proposital para ver a reação. Como esperado, Ezra engasgou com a própria saliva e ficou todo nervoso.
— O-o-o que tem o Dane?! O que ele tem a ver com isso?! Que história é essa?!
— Bom…
Enquanto Ezra se embolava nas palavras, Grayson fez ainda mais suspense, só para irritá-lo. E funcionou. Ezra, com o rosto tenso, segurou a respiração, esperando o que viria a seguir. “fala logo, cacete!” O desespero estava estampado na cara dele.
Depois de soltar um suspiro demorado só para aumentar o drama, Grayson finalmente falou, bem devagar:
— É que… eu posso ter feito papel de bobo na frente dele, e talvez seja por isso que vocês me evitam…
Ezra, que ainda estava segurando a respiração, soltou o ar com um suspiro explosivo.
— …O quê?
Ele ficou ali, piscando, com cara de quem levou um soco na cabeça. Grayson só olhava de volta, com um meio sorriso amargo nos lábios.
***
O bar estava lotado. Era aquela hora da noite em que todo mundo começava a falar alto demais para ser ouvido. Mas a mesa deles continuava em um silêncio estranho. Ezra piscou, tentando processar.
— Espera, então…
Ele finalmente começou a falar, mas, sem saber o que dizer, gesticulou com uma mão, ganhando tempo, antes de franzir o rosto e perguntar:
— Você fez papel de idiota na frente dele? Como assim? Quando? De que jeito?
‘…Será que ele estava falando sobre o dia em que desmaiou?’
O pensamento fez Ezra entrar em alerta de novo. Ele sentia que estava prestes a dar uma volta enorme e acabar no mesmo ponto, então começou a planejar uma saída estratégica. Mas Grayson foi mais rápido.
— Abri a porta errada achando que era o banheiro. O Dane estava lá dentro transando com alguém. Eu devia ter saído na hora, mas antes que pudesse pensar direito bati a cabeça na porta e desmaiei.
Então era disso que ele estava falando.
Mas… algo não batia com a versão que Ezra conhecia.
— Você bateu a cabeça na porta? Sozinho?
Grayson concordou calmamente com um aceno de cabeça. Vendo aquela reação, Ezra tomou um gole de cerveja em vez de engolir em seco e olhou para ele novamente.
— E-e quando foi isso?”
Era uma pergunta importante, mas Grayson respondeu como se não fosse nada.
— No dia da minha festa de boas vindas naquele bar.
Ezra piscou, atordoado. Como assim? Ele tinha certeza absoluta de que Dane tinha dado uma surra nesse desgraçado e deixado ele desmaiado no chão.
…Ou pelo menos era o que todo mundo tinha assumido.
E então, caiu a ficha. Ninguém tinha realmente visto o que aconteceu. Eles só presumiram. Mas Dane disse, com todas as letras, que esse idiota desmaiou sozinho.
E agora, Grayson estava confirmando exatamente isso.
Ezra olhou para ele de novo, dessa vez sem saber bem como reagir. O cara parecia meio hesitante, como se estivesse prestes a admitir um grande segredo.
— Então, espera aí… Sério mesmo? Você realmente bateu a cabeça sozinho e apagou? Mesmo?
O fato de Ezra ter repetido “mesmo” duas vezes fez Grayson assentir com um sorriso autodepreciativo.
— Isso acontece bastante por causa da minha altura. Ridículo, certo? Eu sou meio desastrado.
Enquanto observava a expressão de Ezra, Grayson começou a contar mentalmente. No máximo cinco segundos. Era sempre assim. Depois disso, a reação que ele queria vinha sem erro.
Ele já tinha passado por esse tipo de situação inúmeras vezes. Não importava o quanto alguém fosse desconfiado ou odiasse Alfas dominantes como ele, essa tática sempre funcionava.
Mostrar vulnerabilidade.
E quanto maior a fraqueza, melhor. Ele sabia exatamente o quanto revelar para conseguir o que queria, fosse algo material ou algo intangível. Nunca tinha falhado, e agora não seria diferente. Vendo o rosto de Ezra começar a se iluminar, Grayson sorriu sutilmente.
…3, 2, 1.
— Ahaha! Ahahahaha! Então foi isso? Ahahaha!
Ezra explodiu em risadas, batendo na mesa. Ele tinha baixado completamente a guarda. Grayson sabia que já tinha ganhado.
— Ah, cara, todo mundo faz umas cagadas dessas. Uma vez eu mijei na frente de casa sem perceber e minha esposa ficou furiosa. Eu acertei o canteiro de flores dela e ela não falou comigo por um mês.
— Entendo, deve ter sido constrangedor.
— Nem me fala, foi uma tortura…
Ezra se empolgou contando a história, e Grayson escutou tudo com um sorriso. Mas então, baixinho, ele murmurou para si mesmo:
— Então ele realmente estava lá naquele dia.
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Continua