Deseje-me se puder - Capítulo 34
Grayson parecia prestes a agarrar Dane pelo colarinho, mas, claro, não teve a chance. No exato momento em que ele avançava, um estrondo ensurdecedor ecoou e parte da escada desabou.
Equilibrando-se precariamente no que restava dos degraus, ele olhou para baixo e viu um buraco negro se abrir onde antes havia piso firme. Dane aproveitou a hesitação dele e disparou pelo corredor. Grayson soltou um palavrão curto e não teve escolha senão correr atrás dele. Quando já tinham revistado quase todo o segundo andar, o som do rádio interrompeu a busca. Era Wilkins.
[ Dane, Dane! Você tá bem? Ainda não encontrou?]
— Ainda estou procurando. Estamos no segundo andar.
[Espera, espera! Charles deve estar no sótão!]
Uma voz desconhecida irrompeu pela frequência.
Dane parou no mesmo instante.
Grayson olhou para suas costas e pensou: ‘Pronto, agora já era. Ele deve estar pensando “estamos ferrados”’
Convencido de que agora, sim, Dane desistiria, Grayson já se preparava para dar meia-volta quando ouviu:
— Onde fica o sótão?
‘…O quê?’
Grayson franziu a testa e encarou Dane. Não conseguia ver sua expressão, já que ele estava de costas, mas dava para sentir. ‘Esse desgraçado não vai recuar.’
[No teto do quarto dos fundos… tem um botão…] a voz no rádio respondeu, trêmula. [Charles sobe lá o tempo todo?]
[Sim, sim! Treinei ele para fazer isso se algo assustador acontecesse. Se ladrões invadissem e tentassem matar Charles. E também para não perdê-lo caso ele se assustasse e saísse correndo…]
A voz do homem ficou embargada, e sua súplica veio carregada de desespero.
— V-vocês vão encontrar ele, não é? O Charles ainda está vivo, não tá…?]
Antes que ele pudesse continuar, Dane cortou a transmissão sem a menor cerimônia.
Se era porque não tinha paciência para choramingos ou porque cada segundo contava, Grayson não sabia.
Mas ele tinha certeza de uma coisa: Dane já sabia o que fazer a seguir.
‘Ah isso não vai acontecer.’
— Ei, já chega…
— Miller.
No instante em que Grayson ia dizer que não daria mais um passo, Dane o interrompeu, chamando-o pelo nome. Pela primeira vez desde que entraram naquela casa infernal, ele olhou para trás.
— Saia daqui. Você não precisa estar aqui. Só está atrapalhando.
Claro, era exatamente isso que Grayson pretendia fazer. Ele já tinha ido longe demais, feito mais do que o suficiente. Mas ouvir Dane dizer isso primeiro – e ainda por cima nesse tom de superioridade – o irritou profundamente.
— E você?
Ele queria perguntar se Dane realmente ia se jogar naquele fogo por um cachorro que, vamos encarar a realidade, já devia estar morto. Mas nem teve tempo.
Dane simplesmente desapareceu na fumaça sem nem se dar ao trabalho de responder.
Grayson ficou parado por um momento, piscando, incrédulo. Mas o choque logo foi substituído por puro instinto de sobrevivência quando outro estrondo ecoou pela casa. Mais uma parte do prédio cedeu.
Agora era impossível segui-lo. Não que ele quisesse. Ficar ali era pedir para morrer.
E Dane sabia disso. Se até Grayson, um amador completo, entendia o risco, aquele maluco não podia ser tão burro a ponto de ignorá-lo.
‘Ele vai dar um jeito e sair.’
Grayson se agarrou a essa certeza e se virou para ir embora. No fim das contas, ninguém quer morrer. Nem mesmo Dane. Dane não era exceção, então ele certamente abandonaria o cachorro e sairia correndo. No final, a própria vida é o que mais importa.
Enquanto corria para fora, uma lembrança relampejou em sua mente: Wilkins dizendo para não sair sozinho de jeito nenhum, mas ele rapidamente descartou o pensamento. Afinal, Dane já estaria logo atrás dele quando saísse, então que diferença fazia?
Sem olhar para trás, Grayson correu direto para fora do inferno.
Wilkins permanecia no mesmo lugar, observando nervosamente a casa em chamas. O fogo engolia o imóvel como ondas violentas, e o brilho vermelho que tremulava através das janelas parecia as labaredas do inferno. Não era a primeira vez que ele enfrentava uma situação dessas, mas era impossível não sentir a tensão quando vidas estavam em risco. Mesmo sendo o responsável pela operação, Wilkins já tinha perdido completamente a noção do tempo desde que Dane entrou no edifício. O que diabos ele estava pensando, desligando o rádio?
— Charles, Charles…”
O homem ao lado dele continuava chamando pelo cachorro entre soluços. Wilkins também estava angustiado, mas não havia nada que pudesse dizer para confortá-lo. Apenas pousou uma mão firme sobre seu ombro quando, de repente, uma silhueta surgiu no meio das chamas.
— Dane?
Ao ouvir o nome, o homem parou de chorar e olhou imediatamente na mesma direção. Prenderam a respiração, esperando ver quem tanto aguardavam sair daquele inferno. Mas, para surpresa – e decepção – de ambos, quem retirou a máscara não foi Dane.
— Grayson!
— E o Charles?! —perguntou Wilkins quase ao mesmo tempo.
Grayson tirou o capacete, passou a mão pelos cabelos molhados de suor e respondeu com o tom despreocupado que sempre fazia o sangue dos bombeiros ferver.
— Aquele idiota entrou de volta para procurar o cachorro.
— O quê?
A fúria de Wilkins foi instantânea. Ele avançou um passo, sua voz elevou-se de indignação.
— Então quer dizer que Charles ainda não foi encontrado?! Onde vocês se separaram? Você ouviu tudo que eu disse, não ouviu? Eu disse que Charles devia estar escondido no sótão, mas o rádio cortou e…
— Chega! Dá para calar a boca por um segundo?!
Wilkins, já no limite, explodiu. O homem que até então chorava e gritava descontrolado se encolheu, arregalando os olhos de surpresa. Mas Wilkins ignorou sua reação e se virou bruscamente para Grayson, a urgência transbordando em sua voz.
— O Dane entrou de volta? Para procurar o cachorro?
Ele encarou Grayson de cima a baixo, seu olhar por fim se fixando em seu rosto, carregado de incredulidade e raiva.
— E por que diabos você saiu sozinho? Eu não falei mil vezes para vocês ficarem juntos?! Como é que você abandona seu parceiro e sai sozinho? Como?! Suas pernas simplesmente te trouxeram para fora, é isso?!
Ele parecia genuinamente incapaz de entender. Nenhum bombeiro em sã consciência deixaria um companheiro para trás numa situação dessas. Mas, diante da indignação de Wilkins, Grayson manteve o mesmo sorriso insolente e respondeu com a maior naturalidade do mundo.
— Ele mandou eu sair porque eu estava atrapalhando. E eu não consegui dizer não para um pedido desse.
— …O quê?
Wilkins piscou, atordoado, como se sua mente estivesse tentando assimilar tamanha estupidez. Sua expressão refletia uma mistura caótica de choque, desprezo e pura fúria.
— O Dane está sozinho lá dentro?! — berrou Ezra ao captar a informação.
Os bombeiros de outra unidade, que haviam chegado como reforço, começaram a se reunir conforme o fogo ia sendo controlado. Wilkins cerrou os punhos com tanta força que seus dedos ficaram brancos, seus olhos faiscando de ódio ao encarar Grayson. E então, finalmente, explodiu.
— Você acha que isso é algum tipo de piada?! Mesmo que Dane tenha dito isso, você devia ter ficado lá com ele! No mínimo, devia ter avisado pelo rádio! Como é que você simplesmente sai e deixa seu companheiro para morrer no meio das chamas?! Você ainda tem a audácia de se chamar de bombeiro, seu desgraçado?!
Ele tremia de raiva. E não era só ele. Ezra e os outros bombeiros também começaram a gritar, cada um despejando sua própria indignação.
— Seu merda, você não vale nada! Qualquer um com um pingo de humanidade teria ficado!
— Desde o começo isso foi um erro! Aceitar você na equipe foi a pior decisão possível! Você não pertence a esse lugar, seu lixo!
— Eu sabia que isso ia acontecer! Eu disse desde o início que você não servia para essa profissão! Todo mundo aqui sabia!
Gritos e xingamentos choveram sobre Grayson, mas ele simplesmente continuava sorrindo. A expressão inalterada, quase zombeteira, só alimentava ainda mais a raiva dos colegas. Até que, finalmente, ele deu de ombros e disse, com um tom irritantemente tranquilo:
— Olha, eu entendi que vocês são super unidos e tal, mas em vez de perder tempo me xingando, alguém devia entrar lá e tirar aquele cara de lá, não acham?
— Não precisa nem dizer, seu bosta! Já íamos fazer isso! — gritou um dos bombeiros, já avançando em direção ao edifício.
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Continua…