Deseje-me se puder - Capítulo 25
Conforme o chefe falava, a voz dele só ia ficando mais alta. Wilkins, visivelmente desconfortável, tentou desesperadamente acalmar a situação.
— Chefe, o teste físico é importante. Se alguém não estiver preparado no campo, isso pode colocar toda a equipe em risco…
— E quem foi que te deu autoridade para decidir isso sozinho, hein? Você devia ter falado comigo antes! E se não confia no cara, era só não levar ele para as operações. Podia colocá-lo para fazer serviço auxiliar, qualquer coisa! Mas não, você achou que seria uma boa ideia arrastar o Miller para essa bagunça e fazer tudo do seu jeito?! O que foi? Eu virei enfeite agora?!
O burburinho que rolava entre os bombeiros já tinha sumido. Agora só se ouvia a voz do chefe, ecoando pelo lugar. Wilkins apenas abaixou a cabeça e repetiu um envergonhado “Desculpe, senhor.”
O chefe, todo vermelho de raiva, olhou em volta e, vendo que o Grayson não estava ali, continuou gritando:
— E aí? Como está a situação? Isso ainda não acabou? Faz quanto tempo que essa palhaçada começou?
Wilkins respondeu sem hesitar:
— Já fazem umas três horas.
— O QUÊ?!
Na verdade, já tinham se passado três horas e cinquenta minutos, mas ninguém ali era maluco o suficiente para corrigir o chefe nesse estado. O silêncio foi absoluto enquanto todo mundo segurava a respiração.
E então, como esperado, veio a explosão:
— DUAS HORAS JÁ ERA MAIS QUE O SUFICIENTE! E JÁ SE PASSARAM TRÊS HORAS?! E VOCÊS AINDA ESTÃO AQUI PARADOS? VÃO LÁ BUSCAR O MILLER, AGORA! E VOCÊ, WILKINS… VAMOS TER UMA CONVERSA DEPOIS.
O chefe apontou um dedo ameaçador para Wilkins antes de dar mais um rugido de frustração. Wilkins apenas assentiu, sabendo que já tinha enfiado os pés pelas mãos.
Ele rapidamente se virou para os outros e começou a dar ordens.
— Eles podem estar voltando, então vamos subir pelo lado oposto. Peguem os kits de primeiros socorros, é melhor prevenir do que remediar.
Selecionando os melhores da equipe, Wilkins organizou tudo o mais rápido possível. Os bombeiros se apressaram em pegar os suprimentos e se preparar para a busca.
O sol estava quase se pondo. Se demorassem mais, a coisa ia ficar ainda pior.
— Ah… hã?
Alguém soltou um som meio perdido. Quem estava distraído e virou o rosto automaticamente ficou paralisado. E então, ao perceberem a estranha mudança no ar, os outros seguiram o olhar e… também congelaram no lugar.
No final do caminho, lá estava ele, o cara que tinham esperado por horas.
Grayson Miller.
Seu cabelo loiro, que normalmente brilhava como ouro, agora estava coberto de terra e folhas, parecendo mais um esfregão do que qualquer outra coisa. Seu corpo inteiro estava cheio de arranhões e cortes, as roupas completamente destruídas, e o rosto… bom, parecia que alguém tinha usado ele de saco de pancada. Amanhã, com certeza, estaria coberto de hematomas.
— E aí, chefe.
Ele levantou uma mão e cumprimentou Wilkins com um sorriso brilhante, como se tivesse acabado de voltar de um passeio tranquilo.
O choque foi geral. Todos só ficaram encarando, sem saber o que dizer. Enquanto isso, Grayson caminhou até parar na frente de Wilkins, completamente despreocupado.
— Voltei. Isso significa que o teste acabou? Como completei, imagino que agora já posso participar das operações, certo?
Nada no estado dele indicava que tinha passado pelo teste “sem problemas”, mas, ainda assim, Grayson se mantinha firme, cheio de confiança. Apesar de estar um caos da cabeça aos pés, ele não tentou se justificar, não acusou ninguém e nem reclamou do que tinha acontecido. Nenhum escândalo, nenhuma ameaça de retirar o financiamento da corporação, nenhum discurso sobre processar a todos até levá-los à falência.
O chefe, que já estava preparado para escutar um “vou processar essa porcaria de lugar” ou “vou tirar meu financiamento dessa espelunca”, ficou sem palavras, só piscando como um idiota. Desde que Grayson apareceu no alojamento, ele nunca tinha entendido qual era a desse cara. E pelo visto, continuará sem entender.
E, sinceramente, ninguém ali entendia.
Ele realmente queria mesmo ir para as operações de campo depois de tudo isso? Que tipo de maluco passava por um inferno desses e voltava perguntando aquilo como se fosse uma criança empolgada?
— Ah… É… Bom, sim, tecnicamente.
Ainda meio atordoado, Wilkins apenas assentiu com a cabeça. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Ezra finalmente saiu do transe e gritou:
— E o Dane?!
A pergunta dele pareceu apertar um botão, porque no mesmo instante todos começaram a berrar ao mesmo tempo.
— É mesmo, cadê o Dane?!
— Ele estava na sua frente! Como diabos você chegou primeiro?!
— Seu desgraçado! O que você fez com ele?! Não tem outra explicação para você ter chegado antes!
O barulho só aumentava, e já tinha gente avançando para cima de Grayson como se fossem esganar ele, quando de repente alguém gritou:
— DANE!
No começo, a voz se perdeu no meio da barulheira, mas um dos outros escutou, olhou na direção certa e começou a berrar também.
— OLHEM! O DANE, ELE TÁ ALI!
— Dane?! — repetiram, enquanto todo mundo olhava desesperado ao redor.
E lá estava ele. Vindo na mesma direção de onde Grayson tinha aparecido. Caminhando feito uma alma penada, arrastando cada passo como se estivesse carregando o peso do mundo. Assim que os colegas o reconheceram, gritos encheram o ar, e uma pequena multidão correu na direção dele.
— DANE!
— MEU DEUS, VOCÊ TÁ AQUI!
— QUE MERDA ACONTECEU?! A GENTE TAVA PREOCUPADO PRA CACETE!
— Caramba, olha o estado dele…
Cercado por rostos preocupados e vozes agitadas, Dane apenas balançou a cabeça, sem dizer uma palavra. Ele parecia exausto demais até para abrir a boca. Mas ninguém parecia ter intenção de parar de falar tão cedo.
No fim, foi o chefe quem botou ordem na bagunça.
— TODOS VOCÊS CALEM A BOCA E VOLTEM PARA OS SEUS LUGARES!
O berro do chefe fez os bombeiros darem um pulo e se afastarem na mesma hora. Como se alguém tivesse aberto o Mar Vermelho, um caminho se formou bem na frente de Dane, levando direto até o chefe.
Claramente sem paciência pAra isso, foi andando até Dane. O chefe analisou o estado dele de cima a baixo e estalou a língua num claro desgosto.
— Mas que porra foi isso?
O tom de voz já dizia tudo: ele estava meio incrédulo, e muito irritado. E com razão. Porque, assim como Grayson, Dane também estava um caco. O cabelo vermelho, que normalmente parecia propaganda de xampu, agora mais parecia um ninho de passarinho, cheio de folhas e galhos. O rosto estava sujo, cortado, com sangue seco grudado na pele. A farda? Um trapo.
O chefe suspirou fundo, esfregando a testa como se isso fosse curar a dor de cabeça.
— Estragou esse rostinho bonito… Devia ter vergonha.
O chefe falou como se Dane tivesse cometido um crime. Afinal, Dane era o “garoto-propaganda” do corpo de bombeiros. O queridinho do calendário. Toda vez que a foto dele saía na capa, o negócio vendia que nem água, a ponto de precisarem imprimir mais. Tinha até gente que aparecia no quartel só para ver o bendito ao vivo. Usar o rosto dele para arrecadar doações sempre dava resultado. E agora? Mas agora, ele estava todo acabado, como se tivesse se jogado de cabeça numa briga.
— O seu corpo não é só seu, sabia? É de todos nós!
A frase tinha um tom tão sério que dava até vontade de rir. Mas o chefe não estava brincando. Depois disso, ele emendou um sermão sobre como Dane foi burro de se meter nessa confusão, que seria um problema se ficasse com cicatrizes no rosto, e que era melhor ele ir direto para o hospital.
Mas Dane não estava nem aí para nada disso. Ele só prestou atenção na última frase.
— Vou te dar dois dias de folga remunerada. Vá descansar um pouco.
Finalmente, Dane deu um sorrisinho e acenou com a cabeça.
— Ótimo, valeu.
— Espera aí! Assim do nada?!
— Como assim? Todos nós entramos juntos nessa confusão e só o Dane recebe folga remunerada? Isso faz sentido?
— Isso é injustiça! E a igualdade, onde fica?!
Era óbvio que os membros iriam reclamar. Mas o chefe nem piscou.
— Vocês que arrastaram o Dane para isso, tenho certeza! Ele não se mete nos problemas dos outros, o cara só faz o trabalho dele e pronto. Todo mundo sabe que ele é um individualista do caralho! A menos que seja algo envolvendo sexo, dinheiro ou gatos, ele nunca iria se meter numa bagunça dessas por vontade própria! Eu tô errado? E ainda têm coragem de abrir a boca para reclamar? Todo mundo aqui deveria estar com vergonha!
Ele não estava errado. Mas, por algum motivo, parecia que o Dane também tinha levado uma bronca no meio disso tudo. O pessoal trocou olhares meio culpados, mas antes que alguém dissesse qualquer coisa, o próprio Dane resolveu reforçar o que foi dito.
— Exatamente. O senhor me entende como ninguém, chefe.
Ele colocou uma mão no peito, como se estivesse emocionado, e soltou um sorriso. O resto do pessoal ficou sem reação. Quando começaram a resmungar e xingar baixinho, o Dane deu uma olhada para eles, como quem diz: vocês acham que têm moral para falar alguma coisa? E, claro, não tinham.
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Continua…