Deseje-me se puder - Capítulo 22
— Só ferrar com aquele desgraçado já não era suficiente? Por que eu tenho que entrar nessa também?
Wilkins manteve a calma e tentou convencer Dane.
— Até dava para fazer do jeito simples, mas nós precisamos esmagar ele de vez. O Miller pode ser um gênio na arte de enganar mulheres, mas no que realmente importa, ele é um zero à esquerda. E para deixar isso bem claro, precisamos de alguém como você.
Dizendo isso, Wilkins segurou firme os braços de Dane, impedindo qualquer chance de fuga.
— Você é peça-chave nesse plano.
Dane fez uma careta de desagrado, como se tivesse acabado de levar uma agulhada na espinha.
— Se um plano depende de uma condição ‘obrigatória’ para funcionar, não significa que já deu errado desde o começo?
Ainda tentando escapar da armadilha, ele insistiu. Mas dessa vez, Wilkins ficou sério e soltou seu argumento final.
— Dane, não se trata só de zoar o Grayson Miller. Ele precisa sentir na pele que não está no nosso nível. Precisa aprender logo o lugar dele, ou vamos passar o ano inteiro lidando com as merdas que ele pode aprontar. Quanto antes cortarmos isso, melhor.
Claro, como líder, Wilkins precisava encontrar um jeito de manter Grayson sob controle. E já que o cara obviamente não ia obedecer ninguém de bom grado, um empurrãozinho extra era mais do que justificável.
Dane não parecia ainda muito convencido, mas antes que pudesse protestar de novo, Ezra entrou na conversa.
— Você deveria colaborar. Pensa bem: e se esse cara ficar preso num incêndio? Alguém vai ter que ir buscar ele. Quem você acha que vai ser?
Dane fez uma careta e, sem dizer nada, apontou para si mesmo com o indicador, claramente incomodado com a resposta óbvia.
Ezra confirmou com a cabeça, sem nem hesitar.
— Exato. Claro, eu e os outros também entraríamos, mas você com certeza teria que ir junto. E sabe por quê? Porque você é o mais forte aqui. Se tem alguém que conseguiria arrastar aquele idiota para fora de lá, esse alguém é você!
A explicação cheia de entusiasmo de Wilkins era, na verdade, um monte de besteira bem embalada, mas Dane percebeu que escapar dessa armadilha seria difícil.
— Dane Stryker.
Wilkins chamou seu nome completo, solenemente, como quem anuncia uma sentença. Olhou para ele com a expressão mais séria do mundo antes de perguntar:
— Você vai fazer isso ou não?
— …ah.
Dane passou a mão no rosto e soltou um suspiro profundo. Pronto. Estava decidido.
***
O sol castigava sem descanso naquela tarde.
O céu estava absurdamente azul, sem nenhuma nuvem à vista. O calor fazia o chão brilhar e refletia nas janelas dos prédios, deixando tudo ainda mais irritante. Pelo menos o vento ajudava um pouco. Mas assim que Dane chegou ao local do teste, desejou poder tapar o sol com a mão e simplesmente evaporar dali.
O lugar já estava cheio de gente esperando. Como se não bastasse a palhaçada toda, tinha até um grupo de mulheres do quartel reunido, claramente animadas para assistir ao show. Elas vibravam e gritavam o nome de Dane enquanto jogavam vaias para Grayson. Olhando aquilo, ele considerou seriamente dar meia-volta e ir embora.
— Anda logo, vem cá! Vou explicar o percurso. Dane! Dane!
Wilkins chamou de novo, impaciente, e Dane não teve escolha senão arrastar os pés até ele. Grayson já estava lá, esperando, com aquela cara de quem não leva nada a sério. Assim que os dois se posicionaram, Wilkins abriu o mapa e começou.
— Aqui é o nosso quartel.
Ele bateu o dedo no papel algumas vezes.
— Vocês saem daqui, fazem essa volta e voltam. Se correrem direitinho, dá para terminar em meia hora. Olha só, passem por aqui, depois peguem essa curva…
Dane escutou de forma automática, só lançando um olhar vago para o mapa. Ele já conhecia esse percurso. Era quase igual ao trajeto que faziam nas corridas de treino, passando pelo morro atrás do quartel. A única diferença era um trecho mais afastado e cheio de curvas, provavelmente adicionado só para dificultar um pouco mais. Fazia sentido, já que isso não era um teste de resistência de verdade, mas sim uma forma elaborada de ferrar com Grayson.
Não que fosse mudar muita coisa.
Dane cruzou os braços e ficou observando, entediado, até sentir um incômodo estranho.
Alguém estava olhando pra ele.
Levantou o rosto e deu de cara com os olhos violeta de Grayson, fixos nele com uma intensidade irritante.
‘Desde quando esse cara tá me encarando?’
Não sabia, mas pelo tempo que aquela troca de olhares durou, não devia ser pouco. Estava tentando intimidá-lo? Era só mais uma idiotice numa sequência infinita de burrices. Dane não tinha a menor intenção de desviar o olhar primeiro, então sustentou o contato sem hesitar.
Nesse instante, algo mudou.
Os olhos de Grayson escureceram, adquirindo um tom ainda mais profundo, quase preto. Ao mesmo tempo, o perfume característico dele, sempre presente, se intensificou no ar ao redor.
O ambiente ficou mais pesado, como se o próprio ar tivesse se tornado denso e cortante. Foi um efeito imediato, avassalador.
— Ah!
— Jane, você tá bem?!
— Mark, que foi? Mark!
— Alguém tem remédio aí?!
Os colegas de trabalho ômegas sentiram o impacto de imediato. Alguns cambalearam, outros começaram a respirar com dificuldade, claramente afetados.
—Ahh…
Dane soltou um suspiro curto, sem paciência. Claro, só podia ser por causa desse maldito feromônio transbordando de Grayson.
Um cheiro ridiculamente doce.
O cara era enorme, mas exalava um aroma que parecia açúcar puro.
Dava a sensação de que, se mordesse o ar, seus dentes iam apodrecer na mesma hora.
Dane também sentiu o efeito, mas, graças à sua experiência e genética diferenciada, conseguiu segurar bem a onda. O problema era o resto dos ômegas, que não tinham essa sorte. Esse desgraçado estava jogando feromônio no ar sem um pingo de consideração, como se os outros não existissem. Como todo alfa dominante fazia.
A ideia de simplesmente apagar Grayson ali mesmo foi bem tentadora. Só um soco bem dado e pronto.
Mas, por ora, segurou o impulso. Resolver tudo assim toda vez não era um bom hábito.
Talvez Wilkins tivesse razão. Seria ótimo colocar esse cara no lugar dele. Apostava que esses músculos de academia, moldados à base de whey protein, iam falhar miseravelmente quando ele tivesse que usar o corpo inteiro em um treino de verdade. Em pouco tempo, Grayson ia se arrepender de toda essa pose de durão.
Dane respirou fundo e decidiu deixar passar.
— …Então, entenderam? Os dois?
— Sim.
— Claro.
Os dois responderam, mas continuaram se encarando, como se nada mais existisse.
Wilkins observou os dois, olhou de um para o outro, deu de ombros e enrolou o mapa na mão.
— Certo, vamos começar. Vão para linha de largada, andem logo.
Wilkins apressou os dois quando Dane sentiu alguém chamando seu nome baixinho.
— Dane, Dane.
Era Diandre. Ele olhou para os lados, conferindo se ninguém estava prestando atenção, e discretamente enfiou uma nota de 10 dólares na mão de Dane.
— Dê um jeito de socar aquele desgraçado quando ninguém estiver olhando. Se puder acertar na cara, melhor ainda.
Dane olhou a cara fechada de Diandre, depois para nota amassada na mão, e sem dizer nada a dobrou e enfiou no bolso.
— Dez dólares? Só?
Diandre hesitou por um segundo, mas logo começou a revirar os bolsos, tirando um monte de notas amassadas e jogando na mão de Dane. Ele ficou lá, com uma cara de ansioso, esperando Dane aceitar. Dane, sem dizer nada, foi abrindo as notas uma por uma, conferindo o valor, e finalmente deu um aceno com a cabeça.
— Trinta e oito dólares… e vinte e cinco centavos. Fechado.
Diandre, na pressa, ainda catou as últimas moedinhas do bolso e despejou na mão dele. Dane só aceitou, guardou tudo no bolso e deu dois tapinhas no braço do “cliente” antes de se virar para ir embora.
— Tô contando contigo, Dane! Eu acredito em você!
Sem olhar para trás, Dane apenas ergueu a mão num aceno preguiçoso e seguiu andando até a linha de largada, onde todos já esperavam.
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Continua…