Deseje-me se puder - Capítulo 157

* * *

Fuuu…

Ezra soltou um longo suspiro enquanto encarava uma das paredes com o olhar vago. Sua mente estava entorpecida, vazia, sem pensar em nada. Por hábito, levou o copo à boca, mas parou abruptamente ao perceber que estava vazio. Com um murmúrio baixo, soltou um palavrão.

Ao notar que a garrafa já estava quase pela metade, inclinou-a novamente. Mas, de repente, sentiu a presença de alguém. Ezra virou o rosto – e paralisou. Sua esposa, com o rosto abatido, estava encostada no batente da porta.

— Sandra…

Ezra ficou tão surpreso que o efeito do álcool pareceu sumir num instante,  levantou-se apressado e se aproximou. O rosto da esposa, ainda mais pálido com as sombras nas bochechas fundas, parecia exausto. Com o coração apertado, segurando as lágrimas que ameaçavam cair, ele falou:

— Por que você saiu do quarto? Está precisando de alguma coisa? Quer que eu pegue água?

Enquanto olhava ao redor, procurando algo, ela balançou a cabeça.

— Não… tá tudo bem. É que você ainda não tinha ido dormir, achei que tinha acontecido alguma coisa…

— Não aconteceu nada, não se preocupe.

Ele respondeu prontamente e depositou um beijo em sua testa. Mesmo assim, Sandra o olhava com um semblante cheio de preocupação.

Nos últimos tempos, Ezra ficava assim todas as noites. Agia como se estivesse tudo normal, mas, depois de colocar as crianças na cama, ficava sozinho na cozinha, bebendo até desmaiar em cima da mesa – onde permanecia até a manhã seguinte. Era impossível para Sandra não se preocupar ao vê-lo daquele jeito.

— O que está acontecendo com você, Ezra? Me conta… é por causa do dinheiro?

— Não, não é isso, Sandra. Não tem nada a ver com isso.

— Não tem como não ser. É claro que é. Me desculpa… eu vou tentar pedir ajuda para o meu pai de novo.

— Não, não faz isso. Não precisa, de verdade, Sandra.

A mãe de Sandra havia falecido cedo e o pai se casou novamente, cortando os laços com ela havia muito tempo. Mesmo assim, diante de uma situação desesperadora, ela reuniu coragem e pediu ajuda – só para ser rejeitada friamente. Além de não receber nenhuma assistência, ainda teve que ouvir insultos, Sandra chorou metade do dia. Ezra jamais permitiria que ela passasse por aquilo de novo, ainda mais com a saúde já fragilizada.

— Está tudo bem, Sandra. Eu consigo aguentar mais um pouco.

Ele disse isso enquanto a abraçava com força mas, no fundo, sabia que ela não estava errada. As circunstâncias familiares de Ezra também não eram muito diferentes; ele havia perdido o contato com seus pais há muito tempo, e por isso os dois só tinham um ao outro. Talvez por isso o amor entre eles fosse tão intenso…

Tok tok tok. Tok tok tok.

No meio de um suspiro curto, o som de batidas na porta de entrada fez Ezra se sobressaltar. Ele sentiu Sandra estremecer em seus braços. Os dois se entreolharam, confusos.

‘Quem poderia ser a essa hora?’

— Vá para o quarto.

Ezra pediu, com firmeza, e se virou para sair da cozinha. Espiou pela janela da sala para ver quem estava do lado de fora – e ficou em choque. Reconheceu um dos dois homens ali. Era um ruivo altíssimo. Perplexo, Ezra foi até a porta e a destrancou, assim que abriu e colocou a cabeça para fora, falou:

— Dane? O que você está fazendo aqui a essa ho-…?

Mas antes que pudesse terminar a frase, Dane agarrou-o pelo colarinho e o puxou com força. Ezra nem teve tempo de se dar conta do que estava acontecendo: thump – seu corpo foi jogado contra a parede, e ele gritou de dor. Dane aproximou o rosto, com os olhos cheios de fúria, e cuspiu as palavras:

— O que você fez com Grayson?

Diante da situação repentina, Ezra empalideceu na hora. O cheiro forte de álcool escapava de sua respiração ofegante e desesperada. Dane, com a testa franzida e os dentes rangendo, rosnou:

— Para quem você vendeu o Grayson, seu bêbado inútil? Ezra, estou decepcionado com você. Nunca imaginei que você fosse um lixo assim.

— Ve… vender? N-não, não foi i-i-isso. Eu… eu não sei de nada, não sei de nada mesmo!

Ezra gaguejou desesperadamente, mas Dane apertou seu pescoço com força. O ar sumiu em um instante, e ele soltou um gemido sufocado. — Ngh… ngh… — Apenas conseguiu emitir ruídos abafados com o rosto ficando vermelho.  Joshua, que até então observava em silêncio, finalmente falou com voz calma:

— Vai com calma, Dane. Se ele desmaiar, só vamos perder tempo.

O homem de voz e expressão frias parecia ainda mais ameaçador do que Dane, que claramente estava fora de si. Joshua olhou o relógio de pulso e disse, com uma voz cortante:

— Solta ele um pouco, senão ele vai desmaiar.

Dane estalou a língua com irritação, mas aliviou a força da mão. Ezra caiu no chão na mesma hora, sem forças.

— Ghah… ghek… cof, cof… keh…

Dane observou por um instante o homem se contorcendo no chão, ofegante, antes de trocar um olhar com Joshua. Ao ver o segurança assentir levemente enquanto conferia o relógio, Dane imediatamente agarrou Ezra pela nuca e o empurrou contra a parede.

— Argh!

Ezra gritou, engolindo em seco, enquanto sua cabeça era pressionada contra a parede. Atrás dele, Dane murmurou com a voz baixa:

— Anda, fala logo. Quanto mais tempo você enrolar, mais violento isso vai ficar.

— La-larga… me larga, eu… argh!

Ezra tentou se soltar, mas estava bêbado e não tinha forças para resistir ao poder esmagador de Dane, só conseguia se debater fracamente contra a parede. Joshua, que observava a cena, empurrou os cabelos da testa para trás e aconselhou:

— Não temos tempo. Vamos jogá-lo no porta-malas.

— O quê… o quê?

Ezra arregalou os olhos, surpreso. Joshua o encarou com um rosto inexpressivo e disse:

— Se você ficar gritando aqui, vai acordar todo mundo. Temos que pensar nos vizinhos, não é?

Ele falou como se estivesse sendo gentil, mas o verdadeiro motivo era outro. Se alguém ouvisse os gritos e chamasse a polícia, seria uma dor de cabeça. Ezra percebeu o que havia por trás daquela falsa consideração e empalideceu. Joshua completou, com um tom falsamente amável:

— Quando se corta um dedo, até o soldado mais corajoso grita muito de dor, sabia?

O sorriso dele era radiante, mas justamente por isso, ainda mais arrepiante. Ezra, ao encarar aqueles olhos verdes, teve certeza: Esse cara deve ser um Alfa dominante. Caso contrário, como ele conseguiria dizer algo tão horrível com tanta leveza? Era como ver um comercial da Califórnia, com alguém sorrindo alegremente sob o sol, segurando uma laranja recém-colhida, enquanto ele falava de tortura.

— N-não! Por favor, não! Me solta! NÃÃÃO!

Ezra gritou em pânico, sendo erguido por Dane. Ele se debatia o máximo que conseguia, até que Dane, olhando de cima, disse friamente:

— Que barulhento. Melhor deixá-lo inconsciente.

— NÃO! ESPERA! ESPERAAAA–!

Quando Dane moveu a mão para cobrir seu nariz e boca, Ezra, em pânico, finalmente cedeu:

— Fui eu, fui eu… eu fiz isso…

Ele confessou em meio ao choro. Dane trocou um breve olhar com Joshua antes de soltar Ezra. Os dois homens permaneceram em pé, olhando para ele de cima com expressões frias.

— Fala logo. O que foi que aconteceu?

Ezra, soluçando, começou a relatar os acontecimentos, tropeçando nas palavras entre os soluços. Contou desde o momento em que um homem se aproximou, justamente quando ele estava passando por dificuldades financeiras, até o ponto em que, após aceitar o dinheiro, atraiu Grayson para uma emboscada – e, por fim, a última lembrança que tinha: Grayson sendo sequestrado bem na sua frente.

Dane ouviu tudo com uma expressão carregada, e quando Ezra terminou, soltou uma exclamação de incredulidade:

— Então você está me dizendo que ficou calado esse tempo todo? Agindo como se nada tivesse acontecido?

— Eu também sofri com isso…! — Ezra gritou chorando. — Eu também fiquei atormentado pela culpa o tempo todo. Nem consigo dormir direito agora, por causa do que eu… por causa do que eu fiz com o Miller….

Ezra chorava deitado no chão, como uma criança, aos prantos. Diante daquela cena, Dane e Joshua permaneceram em silêncio por um tempo. Já suspeitavam de algo, mas ouvir a verdade os deixou ainda mais atônitos. Dane passou a mão pela testa e resmungou um palavrão, Joshua, ao seu lado, ficou pensativo, acariciando o queixo.

O tempo continuava passando. Não podiam ficar parados ali para sempre.

— Fala.

A voz áspera de Dane fez Ezra parar de chorar de repente. Ainda com os olhos marejados de lágrimas, ele ergueu o rosto inchado, olhando para cima, para o homem que o encarava com os dentes cerrados.

— Eu disse para falar. Onde estão aqueles filhos da puta?

— E-eu n-não sei… é verdade, eu não sei! — respondeu Ezra, balançando a cabeça com insistência. — Eu só levei o Miller até o lugar que eles tinham marcado. E aquele dia foi a última vez que vi eles… depois disso, nunca mais tivemos contato. É sério, estou dizendo a verdade!

Ele repetiu as palavras, como se implorasse para acreditarem nele. Dane franziu a testa, então propôs uma solução:

— Então chame aqueles desgraçados aqui.

Os olhos de Ezra se arregalaram de susto. Dane prosseguiu, num tom ameaçador:

— Invente qualquer desculpa para que esses filhos da puta saiam do esconderijo. Faz esses desgraçados virem até você. A partir daí, a gente cuida do resto.

— N-não… não! Não dá!

Ezra ficou branco como papel, sacudindo a cabeça em desespero.

— M-me perdoa, mas se eu fizer isso, a Sandra e… meus filhos vão estar em perigo! Você não faz ideia do quão perigosos eles são! Eles sabem tudo sobre mim. Se descobrirem que falei alguma coisa… com certeza não vão deixar barato. Podem machucar meus filhos, minha família inteira!

Enquanto Ezra gritava e chorava desesperadamente, Joshua, que até então havia observado em silêncio, falou com uma voz calma:

— Você acha que Ashley Miller vai poupar seus filhos?

Naquele instante, Ezra congelou. O bairro residencial mergulhou em um silêncio absoluto sob o céu escuro. Joshua olhava para ele, agora completamente atônito, e deu o ultimato:

— Escolha. Ficar calado e morrer junto com sua família nas mãos desses desgraçados quando eles descobrirem… ou confessar agora e deixar que Ashley Miller cuide só de você.

Ezra não respondeu. Apenas levantou os olhos, encarando os dois homens. O vento frio da noite passou entre eles, cortando o silêncio como uma lâmina.

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Continua…