Deseje-me se puder - Capítulo 106
O silêncio voltou a se instalar. Dessa vez, demorou um pouco mais. Ashley ficou um tempo só observando a reação do filho antes de se recostar na cadeira, como se já soubesse exatamente o que viria a seguir.
— Se você não tem certeza, então isso é basicamente a mesma coisa que mentir.
O tom era frio como sempre. Grayson, no entanto, apenas sorriu de canto antes de responder:
— Tenho certeza de que o que sinto é amor. É diferente de tudo o que já senti antes.
— Ah, é?
Ashley riu de leve e perguntou:
— E você tem alguma ideia do que o Dane Stryker sente?
Os olhos de Grayson se moveram pela primeira vez. Seus olhos, que haviam se desviado discretamente para um lado, pararam por um momento e depois voltaram ao lugar original.
— Talvez?
Ashley se levantou da cadeira, como se dissesse que já era o suficiente. Olhou para o filho, que o seguiu com o olhar, e então deu a ordem:
— Fique aqui. Não saia até que eu diga que pode.
— Certo.
Grayson nem discutiu, apenas voltou a se acomodar na cadeira. Satisfeito, Ashley saiu da sala. Do lado de fora, um dos funcionários estava de guarda na porta.
— Não deixe o Grayson sair.
— Sim senhor.
Assim que Ashley deu a ordem, o empregado respondeu imediatamente e bloqueou a porta com o corpo. Só então Ashley começou a caminhar pelo corredor.
***
Toc, toc.
O som repentino de batidas na porta fez com que Dane e Koy virassem a cabeça ao mesmo tempo. Assim que a porta se abriu, Ashley apareceu.
— Ash!… E Grayson?
Koi se levantou animado, mas logo espiou atrás do recém-chegado, procurando pelo outro. Ashley respondeu com um tom de voz normal:
— Eu mandei ele ficar na sala. Preciso resolver umas coisas primeiro.
— Resolver umas coisas?
Koy inclinou a cabeça, intrigado. Mas Ashley já tinha mudado o foco para Dane.
— Dane Striker, podemos conversar um pouco?
A voz fria fez Dane hesitar. ‘Mas que merda ele quer comigo?’ Pelo jeito, Koy também não fazia ideia. Ashley fez um gesto discreto com os dedos, chamando Dane para segui-lo e Koy que estava prestes a ir junto, foi imediatamente barrado:
— Espere aqui, não saia.
— Ah… certo.
Koy olhou alternadamente para Dane e Ashley, parecendo confuso, mas logo assumiu uma expressão de resignação e sentou-se novamente. Dane sentiu um incômodo estranho no peito. Algo naquela atmosfera parecia familiar.
Assim que saiu, notou o funcionário de Ashley parado na frente da porta. Quando ele e Ashley se afastaram, o homem imediatamente se posicionou, bloqueando a entrada como se não permitisse a entrada de ninguém. Dane não sabia se ele estava trancando Koy lá dentro ou tentando impedir a invasão de alguém.
Foi nesse momento que ele lembrou de algo que tinha esquecido.
<Tem uma casa de veraneio que meu pai construiu por aqui.>
<Ele provavelmente construiu para trancar o meu Papai dentro>
Dane sentiu um arrepio estranho ao perceber que o homem caminhando à sua frente, Ashley Miller, era justamente o cara que construiu uma casa só para prender o próprio parceiro. E que esse mesmo parceiro, até alguns minutos atrás, estava ali conversando com ele como se nada tivesse acontecido.
‘Com que tipo de família maluca eu fui me meter…’
Enquanto refletia sobre isso, Ashley abriu a porta de um cômodo. Ele fez um gesto com a cabeça, indicando que Dane deveria segui-lo, e entrou primeiro. Dane, embora relutante, não teve escolha a não ser seguir as instruções.
Assim que a porta se fechou com um clique, ele se deu conta de que estava sozinho com Ashley Miller em uma sala vazia, sem um único móvel.
Foi então que sentiu um cheiro adocicado no ar. Era familiar, mas ao mesmo tempo diferente de qualquer coisa que já tinha sentido antes. Ele soube na hora o que era.
Era o feromônio de Ashley Miller. Como todo alfa dominante, o cara exalava a própria presença sem qualquer cerimônia. Se houvesse algum ômega por perto, poderia entrar em cio, mas era óbvio que Ashley nunca parou para pensar nesse tipo de detalhe.
Dane sentiu um leve desconforto. Não que ele fosse imune – longe disso –, mas pelo menos sua condição de ômega dominante lhe dava uma resistência maior. Se não fosse por isso, já teria mandado tudo para o inferno e fugido dali.
Enquanto ele continuava parado com uma expressão claramente irritada, Ashley, posicionado a alguns passos de distância, finalmente falou:
— Dane Stryker. Eu te chamei aqui porque tenho algumas perguntas.
— Então, vá em frente.
Dane respondeu no seu tom habitual, relaxado e insolente. Ashley franziu o cenho, obviamente insatisfeito com a atitude, mas não disse nada. Provavelmente porque sabia que essa interação não duraria muito tempo. No fim das contas, ele não se importava com as maneiras de Dane – havia algo mais importante a tratar.
— O Grayson me disse que está namorando você. Isso é verdade?
Dane parou por um instante. Não fazia ideia do que Ashley queria conversar, mas definitivamente não era isso que esperava. Coçou a nuca, sem jeito, e acabou admitindo:
— Bem… tecnicamente, sim.
Dizer isso em voz alta fez com que sentisse um arrepio estranho na espinha. Como se já esperasse que aquilo fosse se tornar um problema. Especialmente com Ashley o encarando daquele jeito. Então, meio que por reflexo, ele tentou se justificar:
— Foi uma situação complicada. Não… foi exatamente algo que eu escolh…
No meio da frase, algo na expressão de Ashley mudou sutilmente, mas mudou. E Dane percebeu.
‘Por que ele está me olhando assim…?’
Antes que pudesse processar, Ashley disparou, direto ao ponto:
— Ele te estuprou?
Dane piscou atordoado.
— O quê?
Dane olhou para Ashley com os olhos arregalados. Para sua surpresa, Ashley fez uma careta e soltou um profundo suspiro, como se dissesse: ‘Então ele realmente fez isso.’
— Então, você vai denunciá-lo?
— O quê?
Dane piscou de novo, completamente perdido. Mas Ashley continuou, sem dar tempo para ele reagir:
— Diga o que você quer, farei qualquer coisa que pedir. Claro, também tomarei as medidas adequadas em relação a ele.
A seriedade no tom de Ashley fez Dane engasgar. O cara estava mesmo falando sério. Como se estivesse pronto para pagar qualquer preço, sem hesitar.
E foi nesse instante que Dane teve uma visão de algo precioso, inatingível: uma coleção de artigos luxuosos para gatos. Itens tão absurdamente caros que ele sequer ousou colocá-los no carrinho de compras.
Por um breve segundo, ele quase cedeu à tentação. Mas, no fim, resistiu e confessou com a voz meio abafada:
— Não… o Miller não fez isso. Na verdade, cof, fui eu que…
‘Maldito ciclo de calor. Maldito RUT do inferno!’
O rosto de Dane pegou fogo. Ele desviou o olhar, sentindo uma vergonha sufocante ao admitir, com todas as letras:
— Eu… que ataquei o Miller.
O silêncio entre os dois se arrastou de forma desconfortável.
Pela primeira vez na vida, Dane pensou seriamente em sair correndo para algum lugar.
Ashley permaneceu quieto, olhando para ele sem expressão, sem dar qualquer pista do que se passava em sua mente. Então, depois do que pareceu uma eternidade, ele finalmente falou, devagar:
— Você que… atacou ele?
Dane nem conseguiu responder em voz alta. Apenas fez um pequeno aceno com a cabeça, quase imperceptível. Ashley franziu o cenho, inclinando levemente a cabeça para o lado.
— Por quê?
A reação deixava claro que ele simplesmente não conseguia entender. E fazia sentido. Dane mordeu o lábio inferior, hesitou por um instante e, por fim, admitiu em um tom baixo e meio constrangido:
— Eu entrei… no ciclo de calor.
— Ah…
Ashley soltou um som que parecia uma mistura de entendimento e confirmação. Claro, se não fosse por isso, Dane mesmo nunca teria se imaginado naquela situação com Grayson.
Enquanto encarava Dane, Ashley teve um pensamento inesperado. ‘Então ele é um ômega?’ Não era algo que tinha previsto, mas, pensando bem, considerando que o parceiro de Chase era Joshua Bailey um Ômega que não demonstra fisicamente sua genética, aquilo não era tão surpreendente assim.
Logo ele descartou o pensamento e voltou para o que realmente importava.
— Então, ele está ameaçando processar você?
Dane ficou tão surpreso com a pergunta que automaticamente ergueu os olhos para encará-lo.
— O quê? Não! Ele nunca disse nada sobre isso.
— Então… qual é o problema?
Dessa vez, foi Dane quem ficou sem palavras. Ele abriu a boca, mas não soube o que responder. Ashley arqueou levemente as sobrancelhas e perguntou de novo, claramente intrigado:
— Se Grayson não tem nenhuma reclamação sobre isso, não há nada que eu precise fazer, certo?
Dane só conseguiu encará-lo, completamente sem reação.
‘O que há com essa família…?’
Ele achava que já tinha visto de tudo na vida, que nada mais poderia surpreendê-lo depois de tudo que passou. Mas essa situação? Essa definitivamente era nova.
‘Será que eu passei tempo demais vivendo na sarjeta? É assim que os ricos lidam com as coisas?’
‘Tipo… um ômega acabou de confessar que estuprou seu filho e essa foi a reação dele? Sério?’
Ele não conseguia entender.
Talvez fosse uma questão de criação. Mundos completamente diferentes. Mas mesmo assim… isso parecia longe de ser uma resposta normal.
Então, de repente, uma memória que ele havia esquecido voltou à tona. Grayson, mencionando que já havia sido preso em algum lugar. E o fato de que, na época, ele nem sequer sabia se aquilo era considerado um castigo.
A imagem se formou tão clara na cabeça de Dane que era como se ele estivesse vendo com os próprios olhos: A imagem desse homem trancando o pequeno Grayson em um porão escuro e fechando a porta.
E nesse instante, Dane sentiu sua mente congelar por completo.
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Continua…
Água viva
Jesus…. Não sei pq, mas senti uma grande agonia de 🥺