Deseje-me se puder - Capítulo 104
— Certo.
Ashley olhou para o filho com frieza e fez uma observação.
— Já te disse mil vezes que você precisa ter cuidado extra porque seus níveis de feromônios são naturalmente altos. Agora você deve se lembrar. Não seja negligente, amanhã mesmo verifique seus níveis de feromônios e, se for urgente, peça ao Stewart para drená-los com uma injeção.
— Sim, entendi.
Grayson respondeu prontamente, como sempre. Com um sorriso no rosto, como de costume.
Norman Steward era o chefe do centro médico especializado em feromônios de Alfas dominantes. Quem fundou o lugar foram os pais dele, e quando os dois morreram num acidente, Steward assumiu o comando.
Provavelmente, ninguém no mundo entendia mais de feromônios do que ele. O centro era o destino obrigatório para qualquer Alfa dominante que tivesse problemas com isso, o que fazia com que doações nunca faltassem. O que faltava mesmo eram voluntários. Afinal, não era qualquer um que topava servir de cobaia para os estudos.
A menos que fosse alguém completamente desesperado.
E, no fim das contas, ninguém ia mais àquele consultório do que o próprio Grayson. Mas claro, Grayson não fazia isso por ser tão autodestrutivo como seu irmão mais novo, Chase. Ele só tinha um interesse genuíno na pesquisa sobre feromônios – e fazia questão de ser a própria cobaia. Ashley sabia disso. Assim como sabia que ele seguia as recomendações direitinho e nunca negligenciava a drenagem dos feromônios.
Ainda assim, o fato de Ashley reforçar essa ordem repetidamente era uma prova clara de como ele era especialmente sensível ao acúmulo de feromônios de Grayson. Não era só uma preocupação qualquer – era algo que realmente mexia com ele e o deixava em estado de alerta. Toda a família já tinha notado que, entre todos os irmãos, Grayson era o único com quem Ashley demonstrava esse nível de obsessão. Mas, ao mesmo tempo, ninguém questionava essa atitude, porque todos sabiam que havia um motivo legítimo para isso.
‘… Faz tempo que eu não vou lá.’
Grayson percebeu de repente. Tinha esquecido completamente de visitar o laboratório de Steward. Isso nunca tinha acontecido antes. A razão era simples: sua vida estava mais divertida do que nunca.
Ainda assim, Ashley tinha razão. Se ele não drenasse os feromônios, ia acabar louco ou com danos cerebrais. E, sinceramente, isso não estava nos planos. O jeito mais prático agora era resolver com a injeção.
‘De qualquer forma, eu deveria ir à festa…’
Era muito mais conveniente tomar a injeção em uma festa do que precisar ir até o laboratório para isso. Antes, quando seu irmão Chase usava essa injeção nessas ocasiões, Grayson costumava zombar dele, achando exagero ou desnecessário. Mas agora, parando para pensar, ele via isso de outra forma. No fim das contas, acabou sendo uma vantagem. Afinal, por causa de Chase, o medicamento já tinha sido testado e aprovado.
Óbvio que quem tinha desenvolvido o medicamento para as festas de feromônio era o próprio Steward. Será que ele ficaria surpreso ao saber da situação atual de Grayson?
‘Provavelmente, ficaria intrigado. Especialmente se ele soubesse que agora eu entendo o que é medo.’
‘E o que é amor.’
Grayson piscou.
‘Ah, Grayson piscou os olhos. Agora que penso nisso, eu não contei isso a ele.’
— Pai, eu…
— Não.
Antes que pudesse continuar, Ashley cortou com frieza.
— Eu fui bem claro, não fui? Você tem que cumprir um ano inteiro. Nem pensa em largar tudo de novo.
Ashley repreendeu o filho com um tom severo. Na verdade, ele já esperava por isso. Em uma situação normal, por essa época, Grayson já estaria desanimado, admitindo que estava errado, e provavelmente estaria se preparando para fugir ou já teria desaparecido. Como sempre fez.
O fato de estar morando com alguém realmente o surpreendeu um pouco, mas também não era novidade. Já aconteceu antes: ele largava tudo para fugir com um parceiro, só para depois perceber que tinha cometido um erro e abandonar a pessoa sem aviso.
O motivo de Ashley estar ali hoje, sob o pretexto de fazer uma doação ao corpo de bombeiros, na verdade era outro. Ele queria ver de perto como Grayson estava. Queria garantir que ele não iria fugir assim que o interesse acabasse, como sempre fazia.
Diante do olhar frio do pai, Grayson, de repente, soltou uma gargalhada.
— Puahaha!
A reação dele, completamente fora de contexto para a situação, não surpreendeu Ashley. Ele já estava acostumado – sabia que era simplesmente a natureza do filho – e, por isso, não se incomodou. No entanto, precisava corrigir esse comportamento. Tinha que deixar bem claro, quantas vezes fosse necessário, que rir em momentos assim era um erro. Se continuasse fazendo isso, alguém acabaria percebendo sua condição, e essa fraqueza poderia se tornar uma arma contra Grayson.
— Está errado, Grayson. Nessas situações, você não pode rir.
— Sim, senhor.
Como sempre, Grayson respondeu sem hesitar. Mas, em vez de se sentir satisfeito, Ashley franziu ainda mais a testa.
— Então por que ainda está sorrindo?
Dessa vez, Grayson não respondeu de imediato. Ele piscou algumas vezes, como se não tivesse entendido.
— Eu estou sorrindo?
Aparentemente, sim. Seu rosto ainda estava levemente curvado num sorriso, provavelmente porque ainda não tinha conseguido ajeitar a expressão depois de rir tão repentinamente. Ashley reprimiu um suspiro. Não havia o que fazer. Era apenas uma deficiência do seu filho.
— Então, o que você queria dizer? Desde que não seja que vai desistir.
Quando perguntou com um tom direto e profissional. Grayson piscou, como se só agora tivesse lembrado. Seus olhos brilharam com um súbito estalo de memória.
— Ah, sim. Eu descobri o que é ter medo.
Ashley, que estava prestes a levar a xícara de chá aos lábios, parou no meio do movimento. Grayson continuou olhando, ainda com os cantos da boca levantados.
Lentamente – com movimentos muito deliberados – ele abaixou a xícara de volta ao pires. Após um breve silêncio, o som quase imperceptível da xícara tocando o pires ecoou, e Ashley finalmente falou.
— … O que você acabou de dizer?
***
A sala de chá estava inundada por uma luz quente e dourada. A brisa fresca entrava pela janela aberta, dando àquele espaço a mesma atmosfera tranquila de um piquenique no jardim.
De um lado da mesa redonda, Dane estava sentado de frente para Koy. Ele se sentia deslocado no ambiente luxuoso, mas, ao mesmo tempo, não via outra opção além de permanecer ali. Observando o mordomo silenciosamente se afastar após servir os doces, ele pensou que, pelo menos, agora sabia que aquela casa realmente tinha funcionários.
Bom, fazia sentido. Alguém precisava ter preparado aquele café da manhã exagerado.
Só de lembrar da mesa luxuosa, um arrepio subiu pela sua espinha. Instintivamente, olhou para a porta fechada, perdido nos próprios pensamentos.
E então, do nada, Koy exclamou em um tom estridentemente animado:
— Dane você é o namorado do meu filho?!
Ao virar a cabeça, Dane viu Koy com os olhos brilhando, incapaz de esconder a emoção. Na verdade, ele estava visivelmente feliz desde que vira Dane pela primeira vez.
Dane achou aquela reação desconcertante. Mas o que o deixava ainda mais confuso era o fato de não sentir nenhum incômodo ou sentimento de rejeição por aquele homem, mesmo sendo um completo estranho. Na verdade… longe de sentir rejeição, ele sentia uma estranha familiaridade.
A primeira impressão que teve ao ver Koy não tinha sido um engano. A sensação continuava ali, inalterada. Essa constatação o deixou inquieto. E, como se tivesse percebido sua hesitação, Koy continuou falando no mesmo tom animado:
— Nós temos uma conexão! Os ômegas dominantes sempre sentem isso entre si.
‘Conexão? Que tipo de besteira era essa agora?’
Dane continuou sem entender, mas Koy, claramente empolgado, não parou por aí.
— Ômegas dominantes conseguem se reconhecer. E costumam sentir uma certa afinidade entre si. Provavelmente, você também sente isso por mim. Algo como, uma sensação de família?
Dane franziu a testa e soltou um riso cínico ao ouvir essa palavra. Família. Havia conceito mais absurdo? Esse sujeito claramente não fazia ideia do quão podre podia ser uma comunidade unida pelo sangue.
Enquanto encarava Koy, que sorria para ele com aquela expressão radiante, Dane se lembrou de Ashley Miller e de como o olhou com desconfiança momentos antes.
Ele provavelmente vivia se metendo nas mais variadas depravações sob o pretexto de “neutralizar feromônios”, mas não suportava a ideia de que seu parceiro pudesse desviar o olhar por um segundo sequer.
‘Típico, de alguém egoísta.’
Dane pegou sua caneca e a levou aos lábios sem pensar muito – mas então hesitou.
<Coco de gato…>
Ele franziu o nariz, mas acabou engolindo o café mesmo assim.
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Continua…