Deseje-me se puder - Capítulo 103
O berro foi tão forte que todo mundo calou a boca na hora e começou a sair de fininho. Com expressões de insatisfação por não terem ouvido a história que desejavam, os funcionários começaram a se dispersar e deixar o local. O chefe, observando com olhos furiosos as costas dos funcionários que reclamavam enquanto se afastavam, logo se virou e entrou no escritório.
Lá dentro, o cheiro adocicado do feromônio ainda pairava no ar. Ele travou por um instante, mas logo balançou a cabeça e correu para abrir a janela. Até abanou o ar com as mãos, como se isso fosse ajudar a se livrar mais rápido da presença daquele desgraçado – spoiler: não ajudou.
— Haaah.
Afundando na cadeira, ele se pegou lembrando de algo que Ashley Miller havia dito:
<Se meu filho não acabar matando ninguém, já está ótimo.>
A lembrança dos olhos violeta e frios cravados nele fez um arrepio subir pela espinha. Ele sacudiu a cabeça, como se pudesse espantar a sensação. Para piorar, a memória da primeira vez que viu Grayson Miller veio logo em seguida. Ele soltou um suspiro. Os Alfas dominante eram extremamente assustadores.
***
Dane ainda estava atordoado pela situação inesperada, piscando os olhos em confusão. Era a primeira vez que ele encontrava alguém com traços genéticos semelhantes aos seus. Do outro lado, Koy parecia prestes a explodir de empolgação.
— Meu Deus, que baita sorte! Ainda bem que vim aqui! Eu tenho mesmo muita sorte!
Ele agarrou a mão de Dane num aperto cheio de emoção. Dane, sem jeito, ficou ali parado, sem coragem de puxar a mão de volta. Koy, por outro lado, não estava nem perto de se acalmar.
— Vamos tomar um chá ou algo assim? Melhor conversarmos num lugar mais…
— Koy.
Uma voz grave soou de repente. Quando os dois olharam na mesma direção, viram um homem alto, incrivelmente parecido com Grayson, olhando para eles.
— Ash! Grayson, meu filho!
Do nada, Koy deu um grito emocionado, soltou um “espera só um segundo” para Dane e disparou para frente. Dane, meio perdido, ficou assistindo enquanto Koy ignorava completamente Ashley Miller e ia direto abraçar Grayson. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Grayson retribuiu o abraço e até deu uns tapinhas nas costas de Koy. Depois, virou-se para Dane com um sorriso e soltou, bem casualmente:
— Bem-vindo, papai.
‘Papai? Koy?!’
Dane ficou paralisado. O cérebro ainda estava processando o choque quando outra dúvida brotou: ‘Mas então por que ele não tem o sobrenome Miller?’
Mas antes que pudesse formular outra pergunta, sentiu um olhar perfurante sobre si. Levantou a cabeça e seus olhos encontraram os de um homem que nunca tinha visto antes, mas que, de alguma forma, parecia familiar.
Os olhos violeta, frios como o de uma cobra, o fizeram congelar. O homem abriu a boca, falando num tom absurdamente doce, o completo oposto da forma como o olhava.
— Koy, por que você estava segurando a mão dele?
A voz era tão suave que parecia feita de açúcar derretido. O tipo de tom que deixaria qualquer um à vontade – exceto Dane, que sentiu um arrepio ruim.
— Ah, Ash. Bem…
Koy, que antes estava prestes a contar algo empolgante, de repente hesitou. Ele olhou rapidamente para Dane, pensou um pouco e, então, deu um sorrisinho travesso.
— É um segredo!
O clima no ambiente mudou na hora. O feromônio do homem ficou mais intenso, e até um resquício de hostilidade começou a surgir. Mas, claro, Koy, no meio de toda a sua animação, nem percebeu.
O clima era um desastre. De um lado, um homem lançava a Dane um olhar tão afiado que poderia perfurar aço. Do outro, Grayson olhava para o nada com a expressão de quem já estava cansado desse tipo de situação. E, no meio disso, Dane tentava entender por que diabos esse cara apareceu do nada para surtar com ele.
No entanto, Koi quebrou o gelo com um sorriso radiante:
— Ash, o que vamos fazer agora? Vamos para a casa do Grayson?
— …Claro, vamos.
O homem respondeu enquanto estendia a mão para Koy, arrancando-o de perto de Grayson com a maior naturalidade do mundo. E como se isso não bastasse, ele ainda o puxou para um abraço e beijou o topo da sua cabeça, como se fosse um ritual. Dane só conseguiu assistir à cena, perplexo.
Foi então que Koy soltou outra das suas:
— Então, será que posso convidar ele também? Seria bom conversar enquanto tomamos um chá.
Grayson e o outro homem viraram a cabeça ao mesmo tempo para encarar Dane. Ele queria dizer “não, obrigado” na mesma hora, mas sentia que essa opção simplesmente não existia. E, honestamente, a essa altura já estava óbvio quem era aquele cara. A semelhança era impossível de ignorar.
— Dane, acho que ainda não apresentei direito. Esse é meu pai e meu papai.— Grayson os indicou um por um e, por fim, apontou para Dane. —E este aqui é Dane Stryker. — Os dois se viraram para encará-lo, mas antes que Dane pudesse sequer respirar, Grayson completou com um sorriso orgulhoso: — Meu namorado, com quem moro atualmente.
Os olhares dos dois se voltaram imediatamente para Grayson. Seu rosto brilhava de orgulho, mas as reações de Koy e Ashley foram completamente diferentes. Enquanto Koy abriu um grande sorriso, feliz, Ashley franziu a testa e dirigiu um olhar desconfiado de Grayson para Dane.
***
A sala de estar parecia um congelador.
O sol da Califórnia entrava com força total pelas janelas enormes, mas, mesmo assim, o clima ali dentro era gelado.
Ashley Miller estava esparramado na poltrona, com as pernas cruzadas e o olhar fixo no filho do outro lado da mesa.
Depois de voltarem para casa em carros separados, eles se dividiram em pares. Enquanto Grayson seguiu Ashley para a sala de estar, Koy, sem cerimônia nenhuma, agarrou Dane e o arrastou para a sala de chá. Agora, aqui estavam eles: pai e filho, frente a frente, em um silêncio opressor.
Os empregados haviam servido chá e biscoitos em tempo recorde e sumido da mesma forma que apareceram. Assim que ficaram sozinhos, Ashley deixou o olhar vagar lentamente pelo corpo de Grayson até parar no que lhe interessava.
Os olhos se estreitaram, e Grayson percebeu o que ele queria dizer sem precisar de palavras.
Abaixo da mesa, sua perna balançava sem parar.
Ele prendeu a respiração, obrigou-se a parar e murmurou:
— Desculpe.
— Não aja de forma vulgar.
Ashley cortou friamente antes de levar a xícara aos lábios. O silêncio se prolongou até que ele repousasse a xícara de volta no pires.
— Quando foi que liberou os feromônios?
— Dois dias atrás.
Grayson respondeu imediatamente à pergunta de Ashley, como se estivesse esperando por ela. Ashley manteve os olhos fixos no rosto do filho e falou:
— O que eu disse que aconteceria se você mentisse para mim?
O tom era o mesmo de sempre, mas a atmosfera ficou afiada como uma lâmina. Grayson percebeu a mudança na hora e rapidamente ajustou sua resposta.
— Desculpe, não lembro exatamente.
Mentiu descaradamente, sem nem piscar. É claro que ele lembrava. Lembrava com detalhes cristalinos do dia em que passou a noite com Dane. Afinal, ele vinha renovando essa data comemorativa na sua cabeça todos os dias. E hoje… bem, hoje era o 28º dia.
No 30º, ele definitivamente precisava estar com Dane.
Só de pensar nisso, Grayson ficou de bom humor. Sem perceber, um sorriso começou a se formar em seu rosto, o que não passou despercebido por Ashley, que o encarou em silêncio. Ele não confiava nem um pouco nas palavras de Grayson. Provavelmente, estava pensando que era mais uma mentira. Mas, no fim das contas, desde que Grayson obedecesse, isso não importava.
— Vou pedir para a equipe de secretários encontrar uma festa próxima e te avisar. Não podemos deixar os feromônios se acumularem.
— Ah, não precisa.
O devaneio de Grayson foi interrompido pela realidade.
— Eu tenho o Dane comigo.
Ashley olhou para o filho com uma expressão impassível.
— E o que isso tem a ver com a remoção dos feromônios?
Até um tempo atrás, Grayson teria dito a mesma coisa. As duas coisas não tinham nada a ver.
Mas agora era diferente. Simplesmente porque, se não fosse o Dane, seu corpo nem sequer reagia. Se isso não era prova do destino, então ele não sabia mais o que era.
No entanto, discutir isso só iria irritar Ashley. Grayson respondeu com um sorriso:
— Entendido, farei isso.
Ashley continuou encarando Grayson em um silêncio pesado. O tipo de silêncio que fazia qualquer um prender a respiração. Mas então, finalmente, seu pai falou:
— Grayson, o que acontece se você não remover o feromônio a tempo?
— Eu fico fora de mim ou viro um completo imbecil.
Grayson respondeu sem hesitar e, claro, com um sorrisinho no rosto.
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Continua