Deseje-me se puder - Capítulo 10
O chefe dos bombeiros não teve escolha a não ser fingir que não sabia de nada e ignorar a situação. Afinal, se aguentasse o riquinho encrenqueiro por apenas um ano, o departamento receberia uma doação absurda. Além disso, ele poderia pedir o que quisesse, como aqueles caminhões de bombeiros de última geração e equipamentos que ele tanto desejava. Quem diabos diria não para uma oferta dessas?
Os bombeiros também estavam indignados, claro. Ninguém gosta de ver um novato entrando de paraquedas num cargo pelo qual eles ralaram para conquistar. Mas depois de um ano, com a recompensa nas mãos, todos ficariam mais tranquilos e até entenderiam a decisão do chefe.
Mesmo assim, era difícil entender por que diabos Miller desembolsou uma grana dessas só para arranjar um passatempo para o filho. Mas, com o dinheiro que ele tinha, dava para fazer essas extravagâncias sem piscar. Para alguém comum como o chefe dos bombeiros, isso era simplesmente impensável.
Até mesmo Ashley Miller, famoso por ser frio e sem coração, parecia ter um ponto fraco quando o assunto era o filho.
Apesar do que ele disse aos funcionários, o chefe dos bombeiros também estava se sentindo desconfortável, com uma sensação de mal-estar crescendo em seu estômago conforme ele pensava mais sobre a situação. Mas ele também não tinha escolha a não ser aguentar. No fim das contas, ele também tinha que suportar aquilo por um ano.
Ele tossiu, pegou os papeis na mesa e os revirou, mais para fazer cena do que por necessidade.
— Recebi o recado do senador Miller. Mas ainda precisamos seguir o protocolo básico, então vou te fazer algumas perguntas. Tudo bem?
— Claro, à vontade.
Isso também tinha sido combinado antes. Claro, era apenas uma formalidade, mas não poderia ser ignorada. Afinal, eles não poderiam deixar margem para qualquer acusação de irregularidade no futuro.
O chefe dos bombeiros pigarreou de novo, endireitou a postura e olhou para o homem à sua frente.
— Vamos lá, se apresente. Que tipo de pessoa você é?
— Meu nome é Grayson Miller.
A partir desse começo básico, ele seguiu falando sem nem hesitar. Enquanto ouvia o homem, a expressão do chefe dos bombeiros não mudou. As perguntas eram aquelas baboseiras genéricas que todo candidato a bombeiro tinha que responder. Não importava o que Grayson dissesse – o resultado já estava decidido, então o chefe ouvia com um olhar distraído.
…Pera.
Mas, enquanto ouvia calado o tom de voz do homem, o jeito fluido de falar, os gestos precisos, até o modo como ele mantinha o olhar fixo – ele gradualmente percebeu que algo estava errado. Sem perceber, o chefe se ajeitou na cadeira e tentou se concentrar na entrevista de novo. Mas quanto mais prestava atenção, pior ficava. Uma pontada de desconforto virou um arrepio, depois um calafrio na espinha.
Tinha alguma coisa errada ali.
E então, algo que ele tinha ouvido em algum momento veio à tona de repente em sua mente.
“Todos os alfas dominantes são psicopatas.”
Diziam que eles eram lindos de um jeito quase hipnótico, mas que o cérebro vinha todo bichado de fábrica. Alguém, em algum momento, tinha cuspido essa frase cheia de ódio, jurando que nenhum Alfa dominante era mentalmente estável. E que, a menos que você fosse um alfa também, não seria capaz de entendê-los.
E, de repente, essa teoria se encaixava direitinho com o homem sentado na frente dele.
Um arrepio subiu pelas costas do chefe, e seu estômago se revirou.
***
Lá fora, o céu estava azul sem uma nuvem. Um grupo de bombeiros que olhava para cima, logo se entreolhou com expressões carregadas de significado. Eles já tinham ouvido que Grayson Miller havia ido ao escritório do chefe dos bombeiros, então logo chegariam ao momento do confronto.
— Todos prontos?
Um deles perguntou, e os outros assentiram um por um.
— Quanto tempo ele já está lá dentro?
— Já devia ter saído. Logo ele aparece.
— Melhor a gente ensinar direitinho como as coisas funcionam aqui. Vamos mostrar que ser bombeiro não é brincadeira.
— Vamos fazer ele mijar nas calças.
— Vai ser lindo ver ele correndo todo ensopado.
— “Ai, socorro, me ajudem!” Hahaha!
Alguém gritou, imitando um pedido de socorro, e a roda de bombeiros explodiu em risadas. Eles estavam acostumados a treinar músculos todos os dias e lidar com trabalhos pesados – um playboy qualquer não seria páreo para eles. Além disso, Valentina estava lá observando. Se existia um momento perfeito para bancarem os machões, era esse.
‘Venha então, playboy! Vamos ver o que você aguenta!’
Eles ficaram ali, enchendo o peito, os músculos tensionados, encarando o corredor de onde Grayson deveria surgir. O silêncio ficou pesado por um instante, mas não durou muito.
— …Ele tá vindo.
Alguém murmurou, ao ouvir os passos se aproximando. Engoliram seco. Um dos caras fechou o punho, preparando-se para a humilhação pública que estava por vir. Assim que o chefe dos bombeiros virou a esquina, todos os olhares se voltaram para trás dele, ansiosos para ver a expressão apavorada do filhinho de papai.
Vamos ver essa carinha bonita. Em breve ele vai estar chorando feito um bebê.
E então, sob olhares cheios de ódio, Grayson apareceu.
Algo sobre a perspectiva parecia errada.
Muito errada.
A primeira coisa que passou pela cabeça de todos foi: Tem algo de errado com a escala disso.
Todo mundo sabia que Ashley Miller, o patriarca da família, era um monstro de alto. Então, claro, o filho devia ser grande também. Alguns até já tinham visto fotos ou vídeos dele por aí. Estavam meio preparados.
Mas imaginar é uma coisa. Ver de perto é outra completamente diferente.
O cara era imenso. Parecia ter três cabeças a mais que qualquer pessoa normal. Ele não era apenas alto – ele era grande, no sentido mais absoluto da palavra.
Os bombeiros ficaram ali, parados, de boca aberta, encarando o homem que deveria estar tremendo de medo… mas que, pelo visto, era quem realmente botava medo.
Não era só a altura dele que fazia todo mundo duvidar dos próprios olhos. O cabelo loiro brilhante refletia a luz do sol, quase cegando, e aqueles olhos roxos intensos, que ninguém nunca tinha visto antes, só aumentavam o ar de mistério em volta dele.
E não para por aí. Os olhos puxados, o nariz perfeitamente reto, a boca bem desenhada e os lábios grossos – o cara era simplesmente perfeito. A camisa, com alguns botões abertos, revelava um peitoral musculoso, e os braços e pernas compridos só deixavam tudo ainda mais impressionante. Até os dedos dele pareciam coisa de catálogo de joalheria. O cara tinha saído diretamente de uma passarela de moda.
E o cheiro? Meu Deus, o cheiro.
Era doce, viciante, impossível de ignorar. Aquela fragrância deixava a mente deles meio nublada, como se estivessem prestes a cair num transe.
Esse cara definitivamente não devia estar aqui.
Era a única explicação plausível. Ele entrou no lugar errado, ou talvez estivesse ali para gravar algum vídeo promocional do corpo de bombeiros. Isso fazia muito mais sentido. Porque esse… esse não podia ser o desgraçado do Grayson Miller.
Mas então ele parou a alguns passos de distância, e o silêncio só foi quebrado quando o chefe dos bombeiros tossiu, trazendo todo mundo de volta à realidade. Mesmo assim, ninguém conseguia parar de encarar.
— Esse aqui é o Grayson Miller. Como já devem saber, ele vai trabalhar conosco pelos próximos 12 meses. Espero que o recebam bem. Vai passar rápido, então vamos tentar fazer isso funcionar.
Tradução: Aguentem firme por um ano e acabou.
Os bombeiros entenderam a mensagem subentendida. E, aos poucos, aceitaram uma verdade difícil de engolir: o cara que eles estavam ansiosos para humilhar estava bem ali, na frente deles.
— Esse cara é o Miller?
Um deles franziu a testa, desconfiado. O olhar desafiador não escondia a dúvida na voz.
— É ele.
O chefe respondeu sem muita paciência.
— Já expliquei a situação antes. Hoje vamos só fazer uma rápida apresentação e é só. O treinamento começa amanhã, então sem exageros.
Ele queria dizer “não arranjem confusão”, mas sabia que o recado provavelmente não seria seguido. O chefe olhou pra Grayson com desconfiança e completou:
— Hoje à noite terá uma festa de boas-vindas no bar. Todos têm que comparecer, sem falta. Quem não estiver aqui pode se apresentar lá.
Tentou soar o mais neutro possível, mas Grayson, para variar, parecia não dar a mínima. Com aquele tamanho todo, ele tinha uma visão privilegiada do quartel e usou esse tempo para dar uma olhada ao redor, completamente desinteressado na conversa.
O chefe revirou os olhos e saiu.
‘Enfim, são adultos eles que se virem. Já fiz minha parte. Não preciso avisar a ninguém sobre esse cara, eles vão descobrir sozinhos.’
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Continua….