Deseje-me se puder - Capítulo 09
No meio daquele clima de frustração e derrota, uma mulher que estava levantando pesos abriu a boca com uma expressão entediada.
—Acho que o grande e poderoso Miller deve ter feito uma doação enorme, para o corpo de bombeiros. Como é que a gente pode impedir isso? O cara é o maldito Miller.
— Que se foda essa merda!
Outro bombeiro soltou um palavrão com raiva. Todos estavam putos com essa situação ridícula, mas, como ela disse, não havia nada que pudessem fazer. Só restava extravasar a raiva levantando os pesos mais rápido que o normal e soltando uns xingamentos.
— Se for pensar pelo lado bom, talvez a gente ganhe alguma compensação por isso. Talvez novos equipamentos, uma reforma na academia, sei lá.
Outra mulher tentou aliviar o clima, mas o grupo inteiro só respondeu com caretas e resmungos irritados.
— No fim das contas, é tudo a mesma merda. E essa merda vai feder mais do que o normal.
Alguém soltou essa conclusão amarga, e ninguém discordou. Mas então um dos colegas levantou uma sugestão.
— Já que é assim… por que não damos uma recepção bem calorosa pra ele?
O grupo trocou olhares. Primeiro, um pouco confusos. Mas logo começaram a entender a situação. E quando entenderam, os rostos se iluminaram com sorrisos que não prometiam nada de bom.
Com certeza, a festa de “boas-vindas” que o chefe tinha imaginado não era nada parecida com o que eles estavam pensando.
Quem sabe ia ser até mais divertida.
Os comentários começaram a pipocar, um depois do outro.
— Oh, claro. Não dá para deixar passar assim, né? Afinal, estamos falando do grande e poderoso Miller.
— Exato. Vamos fazer uma recepção bem calorosa, com todo o nosso carinho.
— Ele deve ser um alfa dominante, né? A família Miller não se mistura com qualquer um.
— Quero ver como é esse tal de ‘feromônio’ dele.
O ambiente foi tomado por risadas baixas e cheias de más intenções. Os olhares deles brilhavam com pura hostilidade em relação ao membro da família Miller que nem tinham conhecido ainda.
‘Você não vai sair ileso dessa, Miller.’
Com esse espírito vingativo, todos voltaram a treinar com ainda mais intensidade, até que um deles parou de repente e olhou ao redor.
— Espera… cadê o Dane?
— Hã?
Só então notaram a ausência do colega e começaram a olhar em volta, confusos. Foi aí que Ezra respondeu:
— Ele está na delegacia. Disse que ia se atrasar.
O grupo inteiro parou o que estava fazendo e arregalou os olhos.
— Na delegacia?
— O quê? Por quê?
A palavra inesperada deixou todos de queixo caído, e as perguntas começaram a chover de todos os lados. Vendo que todo mundo estava fazendo a mesma pergunta, Ezra ficou sem graça e respondeu:
— É que….
***
— Dane Stryker, assine aqui.
O policial estendeu um documento sem qualquer expressão no rosto. Dane pegou o papel e rabiscou a assinatura sem nem olhar direito. O policial recolheu o papel de volta e continuou, com o mesmo tom monótono.
— A investigação vai seguir e entraremos em contato conforme necessário. Até lá, você está proibido de se aproximar da vítima. Fique avisado.
Ele continuou listando mais algumas restrições, mas Dane, que mal parecia interessado na própria situação, soltou um bocejo preguiçoso. O policial ficou visivelmente irritado, as veias da têmpora pulsando, mas o advogado ao lado interveio com uma risada forçada, tentando acalmar os ânimos.
— Pode deixar, eu vou cuidar para que ele siga tudo direitinho. Obrigado pelo trabalho duro. Com licença.
Com uma despedida meio apressada, ele empurrou Dane para fora da delegacia. Assim que saíram, o advogado soltou um longo suspiro de alívio e então resmungou:
— Só te peço uma coisa… Para de comer mulher casada, pelo amor de Deus.
Resolver problemas legais dos bombeiros fazia parte do trabalho do advogado da corporação, mas ele só sentia que valia a pena quando o problema envolvia algo relacionado ao serviço. Ter que lidar com um escândalo de traição, por outro lado, era um saco.
— Ela disse que era solteira.
Dane ainda estava de cara fechada, insistindo que não tinha culpa de nada.
— Eu também odeio dor de cabeça desnecessária, tá certo? Mas quem diabos ia adivinhar que o marido ia aparecer do nada? O cara já chegou espumando, nem quis me ouvir, só gritou feito um maluco. Eu só dei um soco para ver se ele se acalmava.
— Meu Deus, Dane, por que você bateu nele? Se formos parar para analisar, você era o errado da história!
O advogado estava começando a perder a paciência, mas Dane apenas cerrou os punhos e o encarou.
— Porque está gritando feito louco.
O tom seco fez o advogado se encolher pela primeira vez. Quando Dane relaxou a mão e voltou a olhar para frente, ele se apressou em andar ao lado dele, claramente tentando encontrar o momento certo para continuar a conversa.
Não demorou muito.
— Olha, eu sei que levar uma mulher do bar para cama faz parte da sua rotina. Mas por que, pelo amor de Deus, você foi para casa dela? Você nunca passa a noite fora, não era essa a regra? E a Darling, como fica?
‘Como é que esse cara sabe tanto da minha vida?’
Dane franziu o cenho para ele, e o advogado já continuou a falar como se tivesse lido sua mente.
— O chefe fez questão de me avisar que, se Dane Stryker se metesse em alguma merda, eu tinha que tirá-lo de lá o mais rápido possível. E ainda mencionou aquela gata que você tem, cega e surda, velhinha… Disse que se você se ferrar, ela vai acabar num abrigo porque ninguém vai querer adotar. Então para de arrumar confusão, cara! Seja mais responsável!
— Haaah…
‘Eu já sei disso, porra. Como se já não estivesse se sentindo um lixo por ter passado a noite fora e deixado Darling sozinha.’
—Tá bom, vou me controlar por um tempo.
Ele bagunçou o próprio cabelo com um suspiro cansado. O advogado, finalmente, pareceu satisfeito.
— Confio em você. Então eu cuido desse caso, você vai direto para o trabalho?
— Não, vou passar em casa primeiro. Darling deve estar morrendo de fome.
Dane checou o relógio, calculando mentalmente o tempo, mas antes que pudesse falar mais alguma coisa, o advogado já tinha destravado o carro e aberto a porta.
— Entra aí, eu te levo.
Dane não perdeu tempo e sentou no banco do passageiro sem cerimônia. O advogado o observou, atordoado, por ter sido jogado para o papel de motorista tão rápido, mas só respirou fundo e se acomodou ao volante.
—Ah, quase esqueci. Você já ficou sabendo? O segundo filho dos Miller chega hoje no quartel.
— O quê?
Enquanto ligava o carro, o advogado jogou a informação como quem não quer nada. Dane franziu a testa.
— Como assim?
O outro continuou falando sem muito entusiasmo, mais focado na direção do que na conversa.
— Ouvi dizer que ele decidiu trabalhar como bombeiro. Vai ficar aqui por um ano. E parece que começa hoje à tarde.
—…Tá brincando.
Dane continuou sem dizer muita coisa. Só soltou um suspiro de incredulidade, como se não conseguisse acreditar naquela merda.
***
‘Isso vai dar merda.’
O chefe dos bombeiros sentiu um calafrio subir pela espinha enquanto encarava o homem sentado do outro lado da mesa.
Claro, sendo filho de Ashley Miller, ele só podia ser absurdamente bonito. Todo mundo sabe que os alfas dominantes têm uma aparência fora do comum, mas ver isso pessoalmente era de deixar qualquer um sem reação. Principalmente aqueles olhos roxos – era fácil se perder neles, tão misteriosos e hipnotizantes que pareciam um portal para outra dimensão. E a porra do cheiro? Um aroma doce e discreto que fazia a realidade parecer meio distorcida.
Foi por isso que, quando Grayson Miller sorriu e estendeu a mão para cumprimentá-lo, o chefe demorou alguns segundos para perceber que precisava reagir.
O desgraçado ainda chegou quinze minutos mais cedo, sem reclamar, e esperou na recepção sem dar um pio. Mesmo quando finalmente entrou no escritório e encarou o chefe, ele continuou com um sorriso educado e um cumprimento padrão, como se esperar fosse a coisa mais normal do mundo para ele.
Não dava para apontar nenhuma falha. Extremamente educado. Zero conversas desnecessárias. E, caralho, bonito demais. O chefe viu com os próprios olhos a secretária babando nele sem um pingo de discrição.
Se continuasse assim, talvez, só talvez, as coisas se ajeitassem. Mesmo tendo entrado no quartel na base do ‘jeitinho’, com o tempo, o pessoal poderia acabar aceitando ele. Eventualmente.
Mesmo sabendo que, naquele momento, todo mundo queria arrancar a cabeça dele.
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Continua…