Defina o relacionamento - Capítulo 80
Bonbon.
O tempo passou de forma constante até alcançar aquele futuro que antes parecia tão distante. As estações mudaram duas vezes, e, nesse período, muitas coisas também se transformaram. Assim como brotos que surgem durante a noite crescem até se tornarem galhos magníficos, foi uma mudança lenta, mas radiante.
A barriga de Carlyle arredondou conforme Bonbon crescia. O nobre elegante, acostumado a nunca depender de ninguém, aprendeu a se permitir ter seus momentos de descanso, a ponto de apoiar a cabeça no ombro de Ash e tirar um cochilo.
Agora, ele já não se sentia mais desconfortável quando Ash puxava a cadeira para que ele se sentasse. Aceitava de bom grado os pedaços de figo que lhe eram oferecidos no garfo e esperava pacientemente enquanto Ash massageava suas mãos e pés antes de dormir, além de passar creme em sua barriga enorme. Claro, nessas horas, suas orelhas ficavam levemente vermelhas, e ele desviava o olhar timidamente, mas isso sempre parecia adorável para Ash, então tudo estava bem.
E não era só isso que havia mudado.
Eles haviam deixado Bath e voltado para Londres. Não para Notting Hill, mas para uma nova casa em Hampstead Heath. Era uma mansão de três andares, localizada num terreno tranquilo bem em frente a um parque, e vinha acompanhada de um jardim e uma piscina ao ar livre.
Enquanto estavam em Bath, a casa passou por uma reforma cuidadosa, e agora estava repleta de ideias de Ash. Um dos anexos, com paredes de vidro, foi transformado em um lounge. No terceiro andar, ficavam os quartos de hóspedes e uma sala multifuncional. No segundo, o escritório de Ash e a biblioteca de Carlyle. E no primeiro, a cozinha, a sala de estar, o quarto do casal e, é claro, o quarto de Bonbon.
A espera por Bonbon tornava cada dia mais especial. A família de Carlyle providenciou os melhores móveis infantis e carrinhos de bebê que se podia encontrar no mundo, enquanto a família de Ash organizou um enxoval completo, com roupas separadas por idade. Um fundo já havia sido criado em nome da criança e até o estoque de fraldas e lenços umedecidos estava garantido.
Enquanto isso, Ash cuidou pessoalmente da decoração do quarto. Ele fez um móbiles à mão, pintou uma parte da parede, instalou um tapete seguro e colocou protetores nas quinas dos móveis pela casa toda.
Enquanto Ash se ocupava com os preparativos, Carlyle se sentava em algum lugar de onde pudesse observá-lo e lia histórias para Bonbon. Nos momentos em que o sol aquecia suavemente o ambiente, ele acabava fechando os olhos por um instante e pegava no sono sem perceber. Carlyle nunca saberia o quão adorável ele parecia nesses momentos.
Seus dedos pálidos, relaxados sobre o livro, a respiração calma que fazia seu peito subir e descer suavemente, os murmúrios sonolentos que escapavam enquanto sonhava… Tudo nele era encantador.
‘Ah… Meu marido é a criatura mais linda deste mundo.’
Ash vivia dividido entre duas vontades conflitantes: contar a todos o quão adorável Carlyle Frost era ou manter toda aquela beleza só para si.
Quando ele se levantava para pegar água, os olhos que o seguiam discretamente eram tão fofos que Ash muitas vezes caminhava mais devagar de propósito. Quando cortava figos para dar na boca de Carlyle, achava os dentes por trás dos lábios parecidos com os de um coelho e, por isso, sentia vontade de alimentá-lo o tempo todo. E toda vez que chamava Carlyle por um apelido carinhoso, ele ficava vermelho nos cantos dos olhos… Era inevitável.
Ash simplesmente tinha que chamá-lo de “meu amor” todos os dias.
No passado, quando ainda não conhecia Carlyle direito, Ash achava que ele fosse um homem de pouquíssimas emoções. Mas essa foi uma conclusão estúpida. Seu Alfa de beleza impecável, escondia um oceano de sentimentos por trás daqueles olhos cinzentos que pareciam indiferentes.
E no mundo inteiro, apenas Ash Jones sabia disso.
‘Hmm, sim. Melhor que só eu saiba mesmo. Revelar que esse cavalheiro de aparência fria é, na verdade, um homem absurdamente adorável… Só beneficiaria os outros.’
Mais uma vez, chegou à mesma resposta para essa questão recorrente. Satisfeito, Ash abriu um sorriso discreto, pegou uma fatia de torta de figo em uma bandeja e saiu da cozinha. Com passos leves, sem fazer barulho com os chinelos, seguiu até o quarto e espiou pela porta entreaberta.
A primeira coisa que viu foi o aconchegante edredom branco de plumas de ganso. Depois, a ampla cama feita sob medida para acomodar perfeitamente a altura e o peso dos dois. A roupa de cama branca e bem arrumada refletia a personalidade do dono.
E ali estava ele, o dono daquela cama, imerso na leitura de um livro. A testa levemente franzida entre as sobrancelhas escuras revelava a concentração profunda. Seu perfil esculpido era um espetáculo por si só, e Ash não resistiu, então, se encostou na porta para observá-lo por um momento.
O título do livro chamou sua atenção: Surveiller et punir. Uma das obras de Michel Foucault. Carlyle lia a versão em francês, em vez do inglês, por um motivo bastante específico: queria que Bonbon tivesse contato tanto com o inglês quanto com o francês desde cedo, por isso começou a adquirir livros no idioma. Afinal, com avós franceses, Ash carregava um pouco desse sangue também.
— Vigiar e punir, hein…? — murmurou, achando o título um pouco profundo demais para um bebê.
Em seguida, bateu levemente na parede. Toc, toc. O som ecoou e, num instante, nesse momento, o homem mais bonito do mundo virou o rosto para ele.
— Ash.
Era como se um raio de sol iluminasse uma estátua de marfim antes fria e sem expressão. Ver o rosto de Carlyle se transformar daquela maneira sempre fazia Ash se sentir como um verdadeiro *Pigmaleão.
(*N/T : Pigmaleão é uma figura da mitologia grega, um rei e escultor de Chipre. Segundo a lenda, ele esculpiu uma estátua de uma mulher tão perfeita e bela que acabou se apaixonando por ela. Comovida por sua devoção, a deusa Afrodite deu vida à estátua, que recebeu o nome de Galateia. Os dois então se casaram e tiveram filhos.)
As sobrancelhas escuras relaxaram suavemente, o olhar frio se tornou gentil, adquirindo um brilho caloroso. O canto de seus lábios se ergueu sutilmente. Para qualquer um, talvez parecesse um sorriso discreto. Mas para Ash, aquilo significava que Carlyle estava absolutamente feliz.
— Parece que Nicholas fez um bom trabalho com a tarefa.
Carlyle comentou, notando a fatia de torta na bandeja.
— Sim, ele trouxe da minha confeitaria favorita.
— A de Soho?
— Exatamente. Você se lembra?
— Me lembro de todos os lugares onde estive com você.
Curioso… Carlyle dizia que nunca havia namorado antes de Ash, mas sabia melhor do que ninguém como conquistá-lo.
— É mesmo?
— Sim.
— Pois eu também me lembro de tudo que fiz com você, Lyle. Especialmente o dia em que nos mudamos para cá e acabamos fazendo amor pela primeira vez em cima da mesa. Não consigo dizer o quão feliz eu fiquei naquele dia por a cama ainda não ter chegado.
— Ah…
O rosto de Carlyle, que antes estava iluminado, ao ver Ash dizer isso congelou no mesmo instante. Seus olhos, arregalados em surpresa, eram de tirar o fôlego de tão adoráveis, e Ash havia desenvolvido o hábito de aproveitar esses momentos de vulnerabilidade para fazer piadas maliciosas. Bom, não era exatamente uma piada, já que ele falava apenas verdades.
— Ash, minha família está na sala. Peço que se abstenha de comentários profanos.
Ao mesmo tempo, Carlyle envolveu a própria barriga com as mãos, como se quisesse proteger os ouvidos de Bonbon.
— Mas o quarto tem isolamento acústico, você sabe disso.
Ash, que havia dado um argumento irrefutável, sentou-se à mesa ao lado da cama com um pedaço de torta de figo nas mãos. A mesa, estrategicamente posicionada perto da grande janela de vidro que dava para o jardim, existia para que Carlyle pudesse fazer refeições leves sem sair do quarto.
— Ah, por falar nisso, o senhor Betton disse que está vindo para cá. Hoje não é dia de visita, mas ele mencionou que tem algo para verificar.
Percebendo que a conversa poderia tomar um rumo desfavorável, Carlyle mudou de assunto. Embora Ash entendesse perfeitamente as intenções do marido, ele decidiu seguir o fluxo.
— Archibald tem sorte. O Nick está aqui hoje, e você sabe como ele adora o Nick.
Era início da tarde, e Carlyle estava recebendo a visita de seu irmão mais novo, Kyle, e de seu esposo, Nicholas. Kyle, que antes havia sido hostil com Ash, agora o tratava de forma mais amigável. Nicholas, por sua vez, sempre fora sociável e era, de longe, a pessoa com quem Ash mais se dava bem.
O curioso era que o obstetra deles, Archibald, parecia ter desenvolvido uma admiração particular por Nicholas desde que se conheceram. Provavelmente porque, além de serem ambos ômegas, Nicholas tinha uma beleza marcante e uma estatura imponente, quase como a de um alfa.
Conforme o parto se aproximava, a casa ficava cada vez mais movimentada. Carlyle, que teve uma infância solitária, já havia comentado que era um alívio saber que Bonbon cresceria cercado por tantas pessoas queridas. Depois de ouvir isso, Ash passou a organizar encontros frequentes, garantindo que suas famílias estivessem sempre por perto. O almoço daquele dia também era ideia dele.
E, claro, era uma desculpa perfeita para pedir que trouxessem a torta de figo.
Assim que colocou o prato na mesa, Carlyle fechou o livro que estava lendo. Ash percebeu que ele se preparava para sair da cama, então rapidamente puxou uma cadeira para se aproximar. Por fora, Carlyle parecia não ter sofrido grandes mudanças ao longo da gravidez, exceto pela barriga já volumosa, mas isso não significava que seu corpo não estivesse sob grande esforço.
Nas últimas semanas, Bonbon pressionava tanto seus órgãos que até respirar se tornou difícil. Além disso, ele sentia dores ocasionais na região abdominal e, às vezes, seus membros ficavam rígidos durante o sono. Para Ash, que assistia a tudo sem poder aliviar seu desconforto, era um sofrimento. Afinal ele também tinha culpa nisso.
Era um paradoxo. Ele amava Bonbon mais do que a si mesmo, mas esse amor não eliminava a culpa. Ele nunca esqueceria que, por causa dele, Carlyle havia passado quase um ano inteiro sofrendo. Era algo que Ash levaria consigo até a morte. Ele era grato, mas, ao mesmo tempo, sentia-se infinitamente arrependido.
‘Me desculpe, Bonbon. Mas tenho certeza de que você vai me entender.’
Com um pedido de desculpas silencioso àquela pequena bênção que logo nasceria, Ash cortou um pedaço da torta e estendeu para Carlyle.
— Fique aí que eu te dou na boca. Vamos, diga “aaah”.
— Estou bem. Foi você quem pediu ao Nick que trouxesse a torta, então coma sem se preocupar comigo.
— Mas pelo menos experimente, vai? Vamos, abra a boca.
Ao ver o garfo balançando suavemente diante de si, a expressão de Carlyle suavizou ainda mais. Ele hesitou por um instante, lançou um olhar rápido ao redor – mesmo estando sozinho no quarto com Ash – e, lentamente, abriu os lábios. Enquanto via os lábios finos se abrirem levemente, uma certa cena passou pela mente de Ash, mas ele não mudou sua expressão e continuou sorrindo, enquanto levava a torta até sua boca.
Carlyle mastigou silenciosamente, engoliu e assentiu levemente.
— A torta que você faz é mais saborosa, mas esta também está boa.
— Se passou pelo paladar e pelo teste de qualidade de Lyle, com certeza será deliciosa para mim também. Irei comer com prazer.
— Coma bastante. Se não for suficiente, pedirei para trazerem mais.
Ash sorriu diante daquela oferta tão gentil. Carlyle o observou por um breve momento antes de estender a mão e tocar seu rosto. Seus dedos pálidos deslizaram suavemente pela pele de Ash, notando o quanto ele havia emagrecido ultimamente.
— Você perdeu muito peso porque assumiu meu enjoo matinal. Me desculpe por isso.
— Comparado ao que Lyle passou, isso não é nada. Além disso, adorei a desculpa para comer mais doces sem culpa.
Curiosamente, pouco depois de Carlyle entrar em seu período mais estável da gravidez, os enjoos matinais passaram para Ash. Ouviam-se histórias de maridos que assumiam os sintomas no lugar das esposas, e parecia que esse fenômeno também havia acontecido com eles.
Ash ficou genuinamente aliviado por poder poupar Carlyle de ao menos um dos muitos desconfortos da gestação, especialmente porque seus enjoos ainda persistiam, mesmo quando já deveriam ter terminado há tempos.
Para ele, aquilo era uma bênção. Se pudesse, teria assumido todas as dores e dificuldades que Carlyle enfrentava sem hesitar. Bonbon, mesmo antes de nascer, já parecia conhecer bem o coração de seus pais.
— Não sei como Lyle conseguiu suportar algo tão difícil.
Além disso, esse não foi o único efeito positivo que Ash obteve dos enjoos matinais.
— Ash.
Quando Ash colocou o garfo de lado com uma voz cansada, Carlyle ficou imediatamente sério. Vendo que ele estava prestes a se levantar para ajudá-lo, Ash rapidamente revelou seu verdadeiro desejo.
— Estou sem forças para segurar o garfo. Lyle pode me dar na boca?
Ash piscou os cílios de forma lamentável e estendeu o prato. Carlyle hesitou por um segundo, mas, ao ver aquela expressão, cedeu sem resistência, pegando o prato de suas mãos. Com a elegância de sempre, ele segurou o garfo e cortou a torta em pedaços perfeitamente proporcionais, garantindo que cada garfada tivesse a quantidade exata de massa e recheio, além de metade de um figo.
— Claro. Com todo o prazer.
Sussurrando como um verdadeiro cavalheiro, Carlyle estendeu o garfo para Ash. Ele sorriu, satisfeito, e logo abriu a boca, permitindo que Carlyle o alimentasse. A doçura da torta derreteu suavemente em sua língua, e, de alguma forma, o sabor o fez pensar na própria essência do marido.
Por alguns minutos, Ash continuou comendo os pequenos pedaços de torta que Carlyle lhe dava, enquanto observava cada uma de suas reações com uma intensidade quase hipnotizante. Carlyle parecia gostar de vê-lo comer, e o sorriso sutil em seus lábios deixava Ash curioso para saber exatamente o que se passava em sua mente.
Quando finalmente terminaram de dividir a torta, uma batida soou na porta. Ash se levantou para abrir e encontrou Kyle do outro lado.
— Oi, Kyle. Já terminou de comer?
Ash sorriu enquanto observava Kyle, um belo jovem de traços frios que carregava a mesma linhagem de Carlyle. Kyle, que olhou para ele com evidente desagrado, abriu a boca para falar.
— …O obstetra chegou. Posso deixá-lo entrar?
Diferente de Carlyle, Kyle não fazia questão de esconder seu desconforto ao falar com Ash. No entanto, essa certa imaturidade só o tornava mais adorável aos olhos de Ash. Ele até gostava de imaginar que, se Carlyle fosse um pouco mais petulante, talvez agisse da mesma forma.
E, no fim das contas, Kyle era alguém de bom coração, o que fazia com que Ash genuinamente gostasse dele.
— E o Nick? Você o deixou sozinho?
Mesmo assim, havia momentos em que a vontade de provocá-lo era irresistível.
Ao invés de responder diretamente à pergunta de Kyle, Ash mencionou Nicholas de propósito. E, como esperado, o semblante do mais novo se fechou na hora, ele ficou claramente mal humorado.
— …Ele está conversando com o obstetra.
Kyle não conseguiu disfarçar o desgosto em sua expressão. Seu rosto, ainda mais harmonioso e delicado que o de Carlyle, se tornou visivelmente sombrio. Ash sorriu silenciosamente, apenas se divertindo com a cena. Mas então, como se tivesse percebido que estava sendo observado, Kyle ergueu o olhar e seus olhos se encontraram.
Os olhos de Kyle eram de um azul intenso, da cor gélida de uma geleira nórdica.
— Vou avisá-lo para entrar.
Kyle franziu levemente as sobrancelhas, respondendo de forma seca, mas ainda assim sem esquecer de pedir permissão mais uma vez.
— Carlyle, vou deixar o Sr. Betton entrar. Você está bem? Ah, e nossos pais disseram que passarão aqui mais tarde.
— Obrigado, Kyle. Não se preocupe comigo.
Os irmãos trocaram palavras afetuosas como se Ash não estivesse ali entre eles. Diferente da expressão fechada que exibia para Ash, Kyle olhou para Carlyle com genuína preocupação e ternura.
Depois de conseguir a autorização, ele lançou um olhar indiferente para Ash, assentiu levemente e se virou para sair do quarto. Ash achou divertida aquela curta interação e voltou para a cama. Enquanto recolhia o que haviam usado durante a refeição, ergueu o olhar e encontrou o de Carlyle.
Sem que precisassem dizer nada, um sorriso brotou nos lábios de ambos.
— Estou curioso para saber como será a personalidade de Bonbon quando nascer.
— Espero que se pareça com você, Ash.
— Eu tenho um pressentimento de que será uma menina parecida com você, Lyle.
Eles nunca perguntaram deliberadamente sobre o sexo do bebê. Assim como ainda não haviam escolhido um nome, preferiam esperar o nascimento de Bonbon para descobrir de surpresa.
Sempre que o assunto surgia, Luther lançava-lhes um sorriso travesso, tornando essas conversas ainda mais instigantes.
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Continua…