Defina o relacionamento - Capítulo 76
Depois de terminar a conversa com Archibald, Ash não estava por perto. Mayam apareceu e explicou que ele tinha recebido uma mensagem do fornecedor da fazenda que frequentava, avisando sobre uma nova variedade de figos, e foi até lá buscar.
“Ele pediu desculpas por quebrar a promessa de não sair do seu lado e também pediu que o jovem mestre o perdoasse só por hoje. Ah, ele é tão fofo, não é?”
Carlyle concordou com Mayam, acenando com a cabeça, e aproveitou o raro momento de ficar sozinho. Depois de mais de dois meses grudados, a ausência de Ash foi sentida de forma particularmente intensa. Não era liberdade nem alívio, e sim um vazio meio chato.
Pelo visto, ele tinha se acostumado.
Enquanto caminhava pelos jardins da mansão, Carlyle olhava para o caminho à frente. Ele quase podia ouvir a voz de Ash, que sempre estava ali, preenchendo o silêncio com suas conversas animadas.
“Que tal a gente dar uma passada nas Termas Romanas e no salão ao lado essa semana? Dizem que antigamente as pessoas tomavam banhos quentes lá. Se Lyle tivesse vivido naquela época, aposto que teria usado lugares assim!”
“Esses lugares são perigosos, Ash. No passado, houve um caso lamentável de uma garota que nadou lá e contraiu meningite. Mesmo no passado, duvido que fossem lugares higiênicos.”
“Como esperado do meu Lyle, realmente sabe de tudo.”
Ele sentia tanta falta de Ash que parecia que todo aquele tempo em que ele enfrentou tantas coisas sozinho e aguentou firme em silêncio tivesse sido uma mentira. Quando Ash estava com ele, até uma simples caminhada era prazerosa, mas agora essas caminhadas pareciam sem graça, apenas tediosa, tediosa demais, como o antigo Carlyle, afundado em sua própria solidão, sem ondas ou qualquer agitação.
Quando percebeu isso, Carlyle pensou que talvez ele sempre tivesse sido solitário, mesmo sem saber. Foi só depois de conhecer Ash que começou a experimentar outros sentimentos. Ash trouxe experiências tão lindas, momentos cheios de vida, onde nunca existia esse vazio. O que ele sentia agora não era paz, mas solidão.
Ao perceber o quanto Ash era um presente na sua vida, sentiu o coração apertar. Ele pensou no quanto estava preocupado em nunca decepcionar Ash, mas quase nunca pensava em como poderia realmente fazê-lo feliz.
O que poderia fazer Ash sorrir? Talvez algo único, um presente que ninguém mais pudesse oferecer, algo inesquecível, que pudesse trazer alegria para ele.
Claro, Carlyle tinha certeza de que Ash apreciaria qualquer coisa que ele desse, mas ainda assim, isso não parecia algo urgente. Enquanto continuava pensando, uma lembrança específica surgiu na sua mente: “Se Lyle está feliz, eu também estou feliz”, Ash havia dito isso uma vez, com todo o coração.
Então, o que me faria feliz?
Surpreendentemente, a resposta veio rapidamente. Um desejo que ele mantinha quieto há algum tempo finalmente emergiu, como uma chama que não podia mais ser contida.
Ele queria Ash. Queria tocá-lo, queria mais do que apenas segurar sua mão ou dar um beijo rápido. Ele queria sentir Ash profundamente, beijá-lo com intensidade, entrelaçar suas línguas e se perder no aroma dos feromônios daquele homem. Não era só desejo físico; era uma necessidade que nasceu da falta de momentos íntimos que eles não tinham compartilhado por tanto tempo. Carlyle queria fazer sexo com seu marido.
O que ele queria era claro. Mas a questão era: será que Ash vai querer o mesmo? Carlyle percebeu que, ultimamente, Ash parecia hesitar. Momentos que antes se transformavam em beijos, ele deixava passar. Até naquela manhã houve um momento assim.
Por algum motivo, Ash estava agindo daquela maneira, mas Carlyle não sabia o porquê.
Essa frustração começou a sufocá-lo. Não importava o quanto ele pensasse, nunca seria capaz de compreender completamente o que Ash sentia, a menos que fosse o próprio Ash. Então, apenas ficar pensando nisso não resolveria nada.
Enquanto ele refletia em silêncio os pensamentos sobre os sentimentos de Ash, Carlyle finalmente entendeu algo que Ash sempre dizia: “Quero que me conte.”
Se você não fala, ninguém pode saber. Não importa o quanto você conheça a outra pessoa, no fim, tudo não passa de suposições baseadas em experiências.
Para Carlyle, que nasceu e cresceu em um mundo onde expor seus sentimentos era considerado uma fraqueza, isso sempre pareceu desnecessário. Deixar transparecer suas intenções era o mesmo que permitir uma contraofensiva, e expressar seus verdadeiros sentimentos de forma direta era visto como um sinal de fragilidade. Na sociedade onde viveu, a linguagem indireta era a forma educada de se comunicar.
Mas seu relacionamento com Ash era algo completamente diferente de tudo o que ele havia experimentado antes. Se continuasse agindo desse jeito, mesmo ao lado de alguém como Ash, momentos de solidão continuariam surgindo. E talvez Ash também se sentisse assim, sozinho.
‘Preciso dizer a ele.’
‘Preciso contar que sempre me senti inseguro, com medo de que desaparecesse. Que tenho pavor de te decepcionar, e que isso se torne o motivo para você me deixar.’
‘Mas também quero que você saiba que te amo muito. E é por isso que esses pensamentos surgem.’
‘Quero contar tudo.’
À medida que a névoa de incertezas em sua mente começava a se dissipar, Carlyle sentiu seus pensamentos se organizarem. Ficou um pouco preocupado que Ash pudesse ficar bravo quando ouvisse ele dizer isso, mas logo pensou que até isso era uma coisa boa.
Decidido, Carlyle mudou de direção e seguiu para o portão principal para encontrar Ash o mais rápido possível. Ele buscou o caminho mais curto pelo enorme jardim, decorado como um labirinto, andando tão rápido que ficou sem fôlego. Em algum momento, talvez até tivesse começado a correr.
Quando finalmente chegou ao portão, percebeu que ele já estava escancarado. Como o portão costumava permanecer fechado, exceto para receber visitantes, Carlyle se perguntou se Ash já teria chegado. Olhou ao redor em busca do Range Rover preto de Ash, mas o carro não estava lá.
‘Será que há outro visitante além de Archibald Betton?’
Franzindo o cenho com a dúvida, ele examinou os arredores. Foi então que viu Peterson, que vinha caminhando do lado de fora do portão. Peterson, que cuidava dos cavalos e da floresta, era um dos empregados mais antigos da família Frost, trabalhando para eles por gerações.
— Boa tarde, Sr. Peterson.
— Boa tarde, jovem mestre. O que o trouxe até aqui? Embora a chuva tenha parado, o clima está frio, e o senhor pode acabar pegando um resfriado.
— Vim ver se Ash já está chegando.
— O Sr. Jones deve chegar em breve. Antes de sair, ele mencionou que voltaria em cerca de uma hora.
Ao ouvir que a espera não seria longa, a expressão de Carlyle se iluminou.
— Por isso o portão já está aberto?
— Não exatamente, temos outro visitante. O conde de Inverness veio visitar o marquês Frost.
Reconhecendo o nome familiar, Carlyle assentiu sem demonstrar muita reação. O conde de Inverness era dono de terras próximas à região de Bath. O conde anterior, que era um pouco mais velho que o avô de Carlyle, faleceu relativamente jovem, e seu título foi herdado pelo filho, o atual conde. Curiosamente, o filho do conde tinha a mesma idade que Carlyle. Quando eram crianças, costumavam ser colocados para competir em desafios, como o de encontrar marcas escondidas na floresta.
Não eram exatamente pessoas de quem gostava. O antigo conde tinha uma espécie de complexo de inferioridade em relação à família Frost, e por isso fazia de tudo para superar o avô de Carlyle. Como possuíam terras vizinhas e competiam em negócios similares, era evidente que o conde não gostava de ver seu avô, um alfa dominante, estando sempre em vantagem, isso o incomodava profundamente.
E então, quando a mãe de Carlyle nasceu como alfa, e ele próprio também veio ao mundo como alfa, o antigo conde de Inverness pareceu achar que finalmente tinha condições de competir. Foi então que começou a causar problemas, fazendo questão de provocar o avô de Carlyle, que odiava perder, a ponto de criar disputas entre os filhos e netos das duas famílias, como, por exemplo, desafiando-os a encontrar marcas simbólicas no bosque.
Foi numa dessas ocasiões que ele decepcionou profundamente seu avô. Durante uma dessas competições para encontrar um “emblema” escondido, ele acabou perdendo para o neto do conde de Inverness, permitindo que os outros dissessem que a prestigiada família Frost, afinal, não era grande coisa.
“De que adianta produzir alfas dominantes geração após geração, se os herdeiros não passam de alfas comuns?”
Diziam coisas assim. É claro que, após o nascimento de Kyle, esse tipo de comentário cessou.
A lembrança não era nada agradável. A experiência daquele dia chuvoso, cheio de falhas e humilhações, jamais poderia se tornar uma memória nostálgica, por mais que o tempo passasse.
Por ironia, o clima hoje era muito parecido. O céu cinza carregado e as gotas de chuva que grudavam desconfortavelmente nos cabelos eram quase idênticos aos daquela época.
— Entendido. — Carlyle respondeu, enquanto mergulhava em suas memórias.
Assim que começou a relembrar o passado, uma gota de chuva caiu direto em sua testa. A chuva, que parecia ter dado uma pausa, dava sinais de que logo voltaria a cair com força. Percebendo isso, Peterson exclamou, preocupado:
— Ah, não! Vai chover mesmo. É melhor o senhor entrar agora. Vou tirar minha capa de chuva, use-a para se proteger.
Como precisava trabalhar ao ar livre, Peterson usava uma capa de chuva verde-escura em vez de um guarda-chuva. Ele começou a tirar a capa de vinil, com a intenção de entregá-la a Carlyle.
— Tudo bem. É um caminho curto, eu volto andando. Pode continuar com seu trabalho.
— Mas se o senhor pegar chuva…
— Não vou adoecer por uma coisa dessas.
Mesmo com a imunidade um pouco baixa, Carlyle tinha uma constituição que raramente pegava resfriados. Decidiu que seria melhor voltar rápido para casa, aquecer o corpo e tomar um chá quente do que incomodar um funcionário ocupado.
Enquanto caminhava de volta pelo jardim, Carlyle logo avistou um grupo de cavalheiros. Reconheceu imediatamente as figuras vestidas com elegância: era o atual conde de Inverness, seu filho e um homem que parecia ser o contador.
Talvez percebendo sua presença, os homens se viram. O conde, com seus cabelos dourados e pele pálida, tinha um semblante levemente irritadiço, talvez devido às suas próprias características físicas.
— Carlyle, há quanto tempo.
O conde fez uma saudação seca.
— Bom dia, senhor conde.
Carlyle, como sempre, cumprimentou com uma expressão impassível. O conde, acenando com a cabeça, parecia um tanto apressado quando disse:
— Gostaria de conversar, mas preciso me encontrar com o marquês, então vou indo. Henry, você fica aqui e troca algumas palavras com ele.
Sem esperar resposta, o conde seguiu rapidamente para dentro junto com o contador. Henry Inverness, que havia estudado na mesma Eton School mas não tinha mantido contato desde então, olhou Carlyle de cima a baixo com um sorriso irônico.
— Há quanto tempo, Carlyle. Está difícil te encontrar.
O tom cheio de insatisfação nas palavras de Henry Inverness não era muito diferente do passado. Talvez porque, desde pequeno, ele cresceu competindo com Carlyle e sempre manteve uma postura hostil em relação a ele. Exceto por ter vencido a aposta de encontrar o símbolo na floresta, Henry não tinha muitas conquistas para se orgulhar em comparação com Carlyle. Talvez fosse por isso que sempre procurava um motivo para rebaixá-lo.
— Como você está, Henry?
— Eu? Estou ótimo. Recentemente comecei um novo negócio e está indo muito bem. Um restaurante de alto padrão em Kensington. As reservas não param, então passe lá algum dia.
— Farei isso.
— Você sempre responde bem. Só fala isso, mas nem se interessa de verdade.
Em poucos segundos de conversa, Henry já começou a provocá-lo. No entanto, ignorar conversas vazias era algo que Carlyle fazia há uma vida, então ele simplesmente observou Henry com indiferença. De qualquer forma, ele era um convidado do avô, e Carlyle não queria ser rude.
— Se você entrar em contato através da minha secretária, podemos marcar uma visita. Foi bom te ver.
Mas não havia motivo para prolongar a conversa. Após uma despedida formal, Carlyle se virou para entrar, mas Henry falou novamente.
— A propósito, ouvi um boato estranho ultimamente.
Carlyle sentiu um calafrio na nuca. Um desconforto tomou conta dele, e ele sabia exatamente o que Henry ia dizer.
— Dizem que você está grávido.
A frase foi lançada com um tom de deboche. O desdém e todas as emoções negativas misturadas naquela fala eram algo que Carlyle conhecia muito bem.
Ele havia esquecido disso, já que há tempos não cruzava com pessoas assim, mas a maioria dos nobres era exatamente como Henry: obcecados por linhagem e desesperados para preservar os privilégios que possuíam. Essa era a verdadeira essência da nobreza.
Na realidade, as pessoas comuns não se importam com questões de ômega ou alfa. Mas, para aqueles nobres, “gestação” era vista como uma função exclusiva dos ômegas, isso era visto como um papel destinado àqueles que ocupavam uma posição inferior na hierarquia.
A razão pela qual os alfas dominantes são reverenciados também se resume a uma questão de hierarquia. Por serem considerados mais fortes e superiores, as famílias que produziam tais linhagens eram altamente valorizadas. Era simplesmente assim que as coisas funcionavam.
Portanto, a gravidez de Carlyle era vista como uma falha inaceitável para um alfa. Pelo menos sob o olhar dessas pessoas. Um alfa, grávido? Algo que só um ômega deveria fazer. Que coisa vergonhosa e absurda!
Era exatamente por essa razão que o avô dele o mantinha confinado na mansão.
Carlyle hesitou por um momento, encarando o rosto mesquinho de Henry Inverness, ponderando se valia a pena responder àquelas palavras desprezíveis.
No entanto, ele não queria que Bonbon continuasse ouvindo comentários maldosos. Decidido de que não havia vantagem alguma em dar atenção àquelas besteiras, optou por não responder e apenas continuou andando. Ao virar as costas silenciosamente e se dirigir para dentro, o feromônio de Henry começou a emanar uma aura perturbadora, sinalizando que ele não estava nada satisfeito.
— Está me ignorando agora, Carlyle? Hã? Parece que tem algo a esconder, não é?
A voz carregada de raiva e provocativa soou enquanto ele se aproximava com passos ameaçadores. De repente, Carlyle sentiu uma mão rude agarrar seu ombro, obrigando-o a se virar. O corpo dele foi girado à força, e os olhos de Henry se fixaram na barriga de Carlyle.
Estava no início da fase em que a barriga começava a crescer, e já era visível uma leve curvatura. Embora fosse apenas uma curva suave, era claramente diferente do físico sempre tonificado e bem cuidado que Carlyle mantinha. Vestindo apenas uma camisa social mais larga, para evitar pressionar o bebê, a mudança ainda passava despercebida a um olhar casual. Contudo, a chuva fina havia deixado o tecido levemente colado à sua pele, revelando o leve contorno.
Nos olhos de Henry, uma alegria mesquinha brilhou ao encontrar a “prova”. Enfurecido com a atitude rude e desagradável, Carlyle bateu com força na mão dele para afastá-la. Por Bonbon, havia segurado a raiva uma vez, mas se Henry dissesse mais alguma besteira, estava decidido a resolver a situação com as próprias mãos.
— Perdeu o juízo, por acaso?
Mas, como é típico de idiotas, Henry não soube a hora de recuar.
— Uau, pensei que fosse só fofoca, mas é verdade! Um alfa, e homem ainda por cima, esperando um filho? Será que essa criança vai nascer normal? Será que a criança vai nascer normal? E se nascer com defeit…
Ele não conseguiu terminar a frase ofensiva. No instante em que ultrapassou todos os limites, os olhos de Carlyle se encheram de uma fúria assassina. O instinto protetor de um alfa que percebe uma ameaça a sua “linhagem” tomou conta dele. Sem pensar, Carlyle avançou para subjugar o inimigo que ousou ameaçar sua família.
Com os olhos congelados de ódio e veias saltadas nas mãos, ele agarrou Henry pelo colarinho com a intenção de estrangulá-lo e jogá-lo ao chão.
A ideia de eliminar alguém que ousou insultar o filho de Ash e ameaçar seu sangue, fez com que ele explodisse de raiva. Carlyle nunca havia sentido tanto ódio e fúria antes, a ponto de, pela primeira vez em sua vida, desejar matar alguém. Não houve sequer tempo para a razão intervir.
Mas antes que Carlyle pudesse apertar o pescoço de Henry, algo inesperado aconteceu. Sem que ele sequer precisasse recorrer à força, o corpo de Henry foi empurrado para trás, cambaleando descontroladamente.
Paf!
O som seco ressoou no ar enquanto uma grande figura surgia, cobrindo o patético herdeiro do Conde Inverness que agora se encontrava estatelado no chão.
Um som de impacto ecoou alto enquanto o rosto de Henry girava para o lado. Era visível o sangue escorrendo do nariz dele após levar um soco no rosto. Surpreso com o ataque repentino, Henry soltou um palavrão.
— Merda…! Quem é você? Como se atreve a fazer isso comigo!
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Continua….