Da Terra ao Céu - Capítulo 29
Noah colocou as luvas pretas nas mãos e as apertou entre os dedos para acomodá-las. Ao contrário da camiseta e shorts desleixados que ele sempre usava, tudo em seu corpo era de cor escura. Seu cabelo, que sempre havia deixado solto, estava preso em um coque, ele tinha uma camisa preta e calça da mesma cor. Noah olhou para seu reflexo no espelho por um minuto e logo seguiu caminhando.
— Andando.
— Que lindo. Já está tudo pronto?
— Sim.
Félix, que estava sentado no sofá, olhando para o seu celular, ergueu uma sobrancelha e suspirou. Foi um olhar cheio de surpresa.
— É sério?
— Eu vou… levantar e seguir em frente. Não sei, mas preciso fazer isso já.
— Só se passou um pouco mais de uma semana. Não acha que está exagerando? Você não pode tratar as pessoas que trabalham para mim como incompetentes, estão se movendo muito rápido para te fazer feliz.
Félix respondeu calmamente à queixa de Noah, então se colocou de pé.
Noah saiu da mansão sem ouvi-lo.
A estação estava ficando mais quente agora, mesmo assim Noah acabou entrando no sedã que estava o esperando com uma expressão fria e dura em seu rosto, e se acomodou no banco de trás. Era como um homem que estava o suficientemente decidido para sentir o clima.
Havia passado um pouco mais de dois meses desde que Noah tinha retornado à mansão e residência de Félix em San Diego, mas nem sequer sabia quando ou como é que havia passado tanto tempo. É claro que, naquele momento, Felix tinha repreendido Noah por não reportar-se e disse que ele era “um idiota” por aceitar um trabalho sobre o qual basicamente não sabia nada. No entanto, ele estava completamente irritado por ter sido arrastado para fora da mansão de Sasha de uma maneira tão… Indesejável. Além disso, parecia não haver maneira de Félix parecer um “bonito e preocupado” familiar para ele, já que o homem havia lhe dado uma tonelada de trabalho para que ele se ocupasse, e disse, para Noah tirar sua mente de coisas inúteis.
No entanto, não importa o quanto ele tentasse ou quantas vezes ele ligasse o computador, o que estava em sua cabeça não mudava em nada. Além disso, era verdade que não havia nada a reclamar de Isaac ou Félix porque, mesmo que inesperado, ele era o responsável por se atrasar por muito tempo sem sequer avisá-los.
Felizmente, talvez depois de alguns dias e enquanto manejava as tarefas urgentes uma a uma, descobriu que certamente não podia se dar ao luxo de pensar em Sasha.
Mas durou alguns segundos.
Toda vez que ele tinha um momento para recuperar o fôlego, lhe vinha à mente todas as lembranças do tempo que havia passado ao seu lado. Suas mãos, seus lábios, a maneira que o abraçava… E quando isso acontecia, sentia-se sem fôlego, inclusive parecia que seu coração batia forte dentro do peito. No entanto, como Noah não estava familiarizado com as relações humanas, não sabia o que fazer ou como se aliviar.
Talvez Sasha fosse entrar em contato com ele.
Costumava olhar seu telefone ou verificar seu e-mail todos os dias. Sem saber, esperou por ele e começou a se sentir triste por não poder vê-lo. Escrevia mensagens no celular explicando a situação e perguntando se estava bem, mas depois se repreendia e apagava tudo. No final, resultou que não pode fazer nada. Sasha e ele não tinham uma relação tão profunda como para se comunicarem e, como o contrato havia acabado, era natural se mudar e perder o contato. Ele sabia bem. Mas na época em que terminou as tarefas urgentes da empresa de Félix, cerca de três semanas depois de retornar a San Diego e como tinha algum tempo livre, os pensamentos sobre Sasha começaram a ocupar sua cabeça com muita seriedade. Era como se não pudesse fazer nada além de refletir sobre ele de uma forma vertiginosa, repassando lentamente tudo o que aconteceu durante seu tempo em sua casa.
De repente, uma pergunta passou por sua mente. Noah permaneceu inativo por um tempo, depois se levantou e sentou na frente do computador. A partir daí, olhou para o monitor como um louco e procurou dados. Não haveria problema, já que ele era o melhor hacker em rastrear o paradeiro de qualquer pessoa que quisesse. Ele até mesmo contactou Felix e o informou que estaria ocupado porque havia algo que precisava fazer. No entanto, a notícia de que havia pego o cara que achou que encontraria rapidamente, só foi ouvida hoje, semanas depois de ter começado.
— Acho que é a primeira vez que te vejo sair desde que chegou da Itália.
Félix, que estava sentado ao lado de seu primo no banco de trás do sedã, olhou para Noah com uma expressão muito interessante.
— Mas é um grande pecado envolver uma pessoa que leva uma vida tranquila. Sou um pai exemplar agora, lembre-se disso.
— Preciso de alguém que me ajude a cometer um crime de ódio.
— E que cave um lugar para enterrá-lo.
Noah sorriu e fechou os olhos. Félix não falou mais. Apenas olhou para ele por um momento, como se fosse divertido essa nova fase do primo. Então ele abriu o tablet.
O sedã parou.
Estavam na frente de um prédio em ruínas que parecia que ia ser demolido a qualquer momento. Estava escuro por toda parte, e é claro que isso fazia com que parecesse muito mais sombrio do que já era. Noah olhou em volta e seguiu Félix enquanto o homem entrava no prédio como se estivesse extremamente curioso para saber o que encontraria lá dentro.
O interior estava em tão mal estado quanto o exterior. O espaço vazio parecia cheio de móveis e objetos quebrados, poeira, teias de aranha e ratos. Mas, em vez disso, o cheiro de sangue foi o que aguçou os nervos de Noah. Depois de caminhar alguns passos, pegou um lenço e cobriu o nariz. Nem era tão forte, mas ele não aguentava odor.
— Ah, Deus… que nojento.
— Você se sente mal?
Félix, que estava andando na frente dele, olhou em sua direção com uma sobrancelha erguida.
— Não, eu só estava dizendo.
— Desde quando o cheiro de sangue te enoja?
— A verdade é que eu não sei…
Noah balançou a cabeça enquanto observava Félix dar de ombros. Era muito desagradável… E também era verdade que ele não sabia por quê. Não sabia dizer se era porque ele se acostumou com seu escritório ou porque estava longe de lugares como este há algum tempo. Quem sabe?
— Bem, então venha.
O som de seus sapatos ecoou alto pelo prédio de teto alto. Dentro do local, vários homens esperavam por Félix e Noah e, entre eles, estava Tony, o braço direito de seu primo. Lá, dois caras, cada um sentado em uma cadeira, foram amarrados com corda e colocados de modo que seus braços ficassem atrás das costas. Seus rostos estavam manchados, como se tivessem recebido vários golpes, e gotas de sangue começaram a cair dos cantos do nariz e boca até manchar suas roupas.
— Chegaram.
Tony, que estava esperando, se dirigiu até Félix e estendeu a mão.
— São eles?
— Sim.
— O que aconteceu com os rostos deles? Eu disse para você ser discreto.
— Eles sabem como usar seus corpos. Houve uma briga no processo de pegá-los.
Com a breve explicação de Tony, Félix olhou para Noah.
— Já entendi.
Noah respondeu insensivelmente. Os dois rapazes estavam sangrando demais e era óbvio que o cheiro o estava enjoando até a morte. Mas decidiu fazer da mesma forma.
Félix deu um passo para trás, como se não tivesse palavras. Então cruzou lentamente as pernas e se sentou na cadeira no canto. Era como uma pessoa que ia ao teatro para ver uma peça.
— Você tem certeza que Noah sabe o que fazer?
Tony, que se aproximou de Félix, perguntou isso com bastante cautela. Félix, quem ordenou que os arrastassem, apenas observou a situação como se fosse um espectador e decidiu cuidar do primo de forma discreta e à distância.
Félix olhou para Tony por um momento, então apertou os lábios e sorriu.
— Tem certeza que preparou um lugar para esconder os cadáveres? Ou você precisa da minha ajuda como sempre?
— Senhor.
— Ele tem estado preso, é como se tivesse se tornado um monge budista nesses dias… Mas na verdade, ele não está nada calmo. Ele não se expressa.
— Está certo.
— Bem, então deixemos que ele faça isso e pronto.
Félix acrescentou que na realidade “não era grande coisa”, mas seus olhos se iluminaram enquanto assistia.
— Ir caçar juntos depois de um tempo é divertido. Eu adoro isso.
— A propósito, você sabe por quê?
Tony perguntou em voz baixa. Ao contrário de Félix, que estava entusiasmado com essa personalidade, ele parecia honestamente preocupado com o garoto. Como Felix disse, deve haver uma razão muito importante para que Noah, que havia estado quieto há muito tempo, de repente decidiu se levantar.
— Olhe ao seu redor e descubra por si mesmo.
Félix deu de ombros e respondeu isso muito levemente. Era, como alguns segundos atrás, uma atitude relaxada e despreocupada, mas Tony não conseguia esconder seu olhar ansioso. Realmente fazia muito tempo desde que Noah havia se vestido assim e colocado essa expressão no rosto. Na verdade, ele não o via desde que renunciou a seu posto de sucessor de Vincenzo e abandonou abruptamente a família Felice. Depois que começou a hackear para Félix, até pensou nele como uma pessoa “relativamente normal”.
O que aconteceu enquanto ele estava fora para o homem, que vivia como um eremita, revelar sua verdadeira natureza? O que aqueles dois caras fizeram com Noah para que ele os quisesse mortos? Não podia adivinhar, então tudo que fez foi olhar para ele com a ideia de que se esperasse pacientemente, como Félix disse, eventualmente iria descobrir.
— Já faz um tempo, certo?
Enquanto isso, Noah começou a caminhar lentamente em direção aos homens que estavam amarrados nas cadeiras. Os caras, que olharam para ele por uma fração de segundo, estavam tão rígidos como se tivessem sido empalados dos lábios ao ânus. Com exceção de seus rostos ensanguentados se contraindo em choque toda vez que o ouviam abrir a boca. Não esperavam que fosse Noah quem os obrigou a vir. Talvez nem pensassem que o veriam novamente. Obviamente acreditavam que a bomba explodiu e que ele morreu sem deixar vestígios no carro.
— Porque se lembram de mim, certo?
Noah empurrou o lenço que cobria seu nariz no bolso e levantou a ponta dos lábios em um ângulo. Os homens Beta pareciam honestamente aterrorizados.
Eles serviram Sasha enquanto estavam no Novo México. Para ser mais preciso, podia dizer que eles eram seus guarda-costas. Porque enquanto protegiam Sasha, às vezes cuidavam de cada uma das tarefas que o homem lhes dava. E naquele dia, quando Noah subiu naquele maldito caminhão com bomba para tentar hackear o programa, foram eles que o levaram até lá. Ou seja, a localização do caminhão era conhecida apenas por Sasha, Noah e os dois homens que o levaram. Eles deixaram Noah e desapareceram, deixando uma mensagem de que voltariam quando chegasse a hora certa. No entanto, o caminhão em que Noah havia entrado estava trancado por fora, e aqueles que iam buscá-lo nem mostraram o nariz. Foi Sasha quem resgatou Noah do caminhão.
Até agora, não havia tido tempo para realmente pensar sobre isso. Não tinha a mente ou o espaço para repensar o que aconteceu, quem fez isso ou outras coisas. Então, quando estava triste, pensou sobre e refletiu com os acontecimentos daquela época, um por um. Pode adivinhar vagamente quem havia ordenado, mas precisava ter certeza. E as pessoas que sabiam a resposta eram aqueles homens que fecharam a porta e desapareceram. Passou mais de uma semana procurando por eles, mas encontrá-los demorou mais tempo do que o esperado. Estavam tão bem escondidos que pareciam baratas estúpidas.
No final, não importava, porque hoje seria seu último dia.
Noah não era generoso o suficiente para perdoar aqueles que tentaram matá-lo.
— Falem agora, recordam quem eu sou!?
Noah levantou a perna e então “Puck”, ele chutou um até cair.
Bam!
A poeira subiu com um barulho alto.
Enquanto isso, também se escutou o som do gemido desse homem.
— Nós não sabemos de nada! Não… Nós apenas fizemos o que nos disseram! Eu não tenho ideia do que aconteceu!
O homem, sentado à direita, tremeu e gritou. Os olhos de Noah se voltaram para o outro:
— Você sabe algo?
— Nos disseram para trancar a porta para impedir que você saísse! Nós apenas fizemos o que nos disseram! Nós realmente não sabemos o que aconteceu depois!
Seu grito foi alto o suficiente para ecoar dentro da sala. Noah cobriu os ouvidos um pouco porque agora estava lhe dando uma dor de cabeça e logo, respirando, levantou a mão para o homem que estava de frente a ele e perguntou:
— Alguém quer jogar golfe?
— Eu vou a…
— Dê-me os malditos tacos!
Enquanto falava, alguém correu apressadamente e voltou com algumas bolas de golfe e um taco.
— Vamos ver.
Noah colocou a bola de golfe na boca do homem que estava deitado no chão. Ele engasgou e soluçou sem parar, mas Noah o ignorou. Posou na frente dele como se estivesse praticando golfe, com um taco na mão e um rosto que dizia que definitivamente não tinha tempo. Então disse, enquanto olhava para o cara da direita que ainda estava sentado.
— Apenas responda o que perguntei. Pare de falar bobagem ou vai acabar muito mal.
— Eu… eu não…
Noah deu um golpe na cara dele. O homem no chão se contorceu e a bola que ele estava mordendo lhe quebrou os dentes até deixar escapar um gemido reprimido que o fez revirar os olhos. O sangue vermelho saiu como vômito.
— Hey, que tal? Você viu isso, Félix? E isso porque é um taco muito simples. O próximo movimento será muito melhor. E isso significa que da próxima vez, não apenas seus dentes vão cair. Mas vou explodir seu nariz e seus olhos. Este bastardo vai primeiro e depois é a sua vez. Olhe com atenção, ok?
Foi quando Noah sorriu e levantou o taco até a metade que ele gritou:
— Vou te dizer! Vou te contar tudo!
O homem, sentado na cadeira, estava sinceramente aterrorizado. Só havia balançado uma vez, mas já estava soluçando, chorando e urinando nas calças.
— Sim? Quem é? Diga-me quem se atreveu a lhe dizer para fechar a porta do caminhão em que entrei!
Bem, isso foi chato e desinteressante. Ele sabia a resposta de qualquer maneira, e só precisava de confirmação.
— Foi o Dr. Lambert! Foi ele! Nós apenas fizemos o que ele nos disse para fazer! Por favor!
Em um instante, a mão de Noah parou. Até se esqueceu de respirar. As costas de sua mão segurando o taco de golfe estavam ficando assustadoramente brancas.
— …Quem?
Quando perguntou de novo, o homem voltou a gritar.
— Foi o Dr. Lambert! Ele disse: ‘Tranque-o para que não possa sair daquele caminhão’. Eu juro.
Os soluços do homem não foram ouvidos direito, apenas flutuam em seus ouvidos. Nem conseguia entender o que estava ouvindo, então não respondeu.
Isso foi totalmente inesperado.
Enquanto tirava a roupa, observou que havia começado a pingar sangue. Não dava para perceber porque sua roupa era toda preta, mas estava empapado em fluídos que não eram seus.
Tirou sua camiseta, suas calças e removeu as luvas, porém descobriu que seu corpo também tinha se manchado por completo. Félix estendeu em silêncio uma toalha sobre seus ombros, mas foi no momento em que se limpou bruscamente com movimentos mecânicos e suspirou, que segurou o pulso de seu primo e disse:
— Não me solte.
Noah rapidamente inclinou a cabeça ante a aparição repentina de náuseas. Não se deu conta de quão mal estava porque se irritou, mas à medida que sua cabeça mareada se acalmava lentamente, o cheiro de sangue proveniente da roupa que acabou de tirar terminou de revirar seu estômago.
Eventualmente, vomitou sobre o chão que estava coberto de sangue e logo vomitou de novo, porém com mais força. Não comeu muito, então a única coisa que saiu foi água e bile.
— Tudo bem? O que houve? Você nunca se sentiu mal antes.
— É… Que não comi nada e fiquei enjoado.
— Eu também não comi e não estou cuspindo meu estômago. Essas respostas foram tão impactantes?
— Não sei. Não pergunte, por favor…
— Bem, levanta… Pronto.
Noah limpou nervosamente os cantos da boca e franziu o cenho, não queria pensar nisso e na verdade, não queria contar. Na realidade, só colocou as calças, o casaco e saiu dali. As marcas que deixou seriam manejadas por Tony e seus homens junto com os cadáveres. Eram bons em seu trabalho, assim que de verdade não tinha nada com que se preocupar.
Assim que subiu no sedã que estava estacionado lá fora, jogou-se sobre o assento e começou a tentar ordenar suas ideias. Não era grande coisa, mas estranhamente esse pequeno espetáculo conseguiu fazê-lo perder toda a energia. Realmente foi um shock, como Félix disse? Não sabia e tampouco queria saber. Mas uma coisa era certa: Tinha muito trabalho a fazer.
— Vou entregar a informação que você precisa assim que a encontrarmos. Meus homens são inteligentes, então vai ficar tudo bem.
Sua cabeça doía porque tinha vomitado. Tentou fechar os olhos e descansar, porém cada vez que o sedã balançava, sentia-se tão incomodado que pensou que vomitaria de novo.
— Você acha que foi o doutor?
Foi quando o sedã circulou pela avenida que Félix fez uma pergunta como esta em tom de “passageiro irritado”. Então, Noah abriu os olhos e olhou através da janela. Seu estômago revirava constantemente, assim que pensou que seria melhor se concentrar na vista noturna enquanto isso.
— Não sei.
— Seja como for, não parece uma situação que não conseguiríamos manejar. Seria bom você manter a calma.
Félix aconselhou-o para acalmá-lo, mas Noah não respondeu. Só olhou-o com uma cara particularmente pálida.
— Não sei se você sabe, mas a companhia L & M está a ponto de quebrar.
Então Noah virou a cabeça. Félix continuou, olhando o tablet* com indiferença.
— Já deve estar sabendo que o preço das ações despencou depois que o teste do míssil falhou.
Diante das palavras “teste do míssil”, Noah se estremeceu por dentro. Félix não se preocupava muito com outras pessoas, mas era diferente quando se tratava de negócios ou temas de interesse. Especialmente quando se manejavam temas que envolviam dinheiro. As provas de mísseis da L & M Systems falharam enquanto Noah estava fora (precisamente enquanto Noah foi sequestrado por Sasha, o ex-chefe de R & M e principal acionista da L & M Systems). E era certo que um míssil que a L & M Systems lançou com confiança, foi um desses fracassos que ninguém esperava. Havia lido que todos os envolvidos estavam em estado de choque e claro, ao descobrir isso, Félix seguramente suspeitou do que Sasha e Noah estavam fazendo. Porém, fingindo que não, ele nunca mencionou isso nem sequer uma vez.
— Aliás, há um tempo estava lendo um artigo de L & M. Parece que o diretor logo será trocado. Já estão circulando críticas muito sérias sobre sua suposta falta de habilidade.
— …
— Parece que o Doutor Lambert estava tão decidido a pisá-lo que acabou conseguindo.
Noah engoliu em seco. Ambos estavam loucos. Caleb, que estava sorrindo o tempo todo para ocultar a escuridão em seu interior, e Sasha, que mantinha uma atitude fria e indiferente sem se importar com o que acontecia ao redor. Não podiam se matar entre eles, então estavam inquietos e começaram uma guerra interna. Contudo, algo era estranho… Apesar de que afiaram os dentes, por que demonstravam ser amigáveis por fora? Quando Noah os viu pela última vez, era como se os dois estivessem construindo uma relação de amizade enquanto ocultavam seus verdadeiros sentimentos. No entanto, o que acontecia no meio disso? Sasha queria estar no centro das atenções ou aconteceu algo que ele não sabia?
— Até existem rumores de que agora o Doutor Lambert está vendendo muitas ações da L & M Systems separadamente.
Foi quando Noah esfregou o queixo que Félix deu outra notícia surpreendente.
— Ele está vendendo ações?
— Parece que quer vender a empresa. É por isso que o preço das ações está caindo ainda mais. Há rumores de que alguns filiados já estão se preparando para comprar. Digo, obviamente não são notícias precisas, então não posso só acreditar. Estamos vigiando.
Noah juntou as mãos com força. Sasha sempre foi condenadamente difícil de entender. A que se dedicava, que planos possuía… O que verdadeiramente sentia por ele, não podia averiguar nada. Era como se fosse impossível que alguém soubesse o tipo de ideias loucas que lhe vinham à mente.
Inferno, sua cabeça estava latejando.
Noah levou a mão até a testa e respirou fundo. O que quer que estivesse acontecendo dentro da L & PM na realidade não era um problema seu, então nem entendia porque se preocupava tanto ou porque tinha medo de investigar.
— De qualquer forma, parece que algo bem grande está acontecendo ali. Por isso, se puder, tire os pés de lá e se afaste. Escutei que você quase morreu na última vez, portanto é melhor que você pare agora.
— …
— Gosto de matar pessoas contigo, não pense que não, mas seria melhor se só… viva sua vida como antes para que não seja puxado para este desastre.
Félix disse isso sem afastar os olhos do tablet*. Noah olhou pela janela escura do carro e respondeu:
— Estou… Tão irritado que nem sei porque estou com raiva. Não fale disso como se não fosse nada, porque você não tem ideia do que está acontecendo comigo. — Não passou muito tempo antes de que Noah falasse. Félix, que estava concentrado em seu trabalho, olhou para Noah com uma expressão de perplexidade que era um tanto problemática. — Isso quer dizer que ele realmente se atreveu a me arrastar para uma briga de cachorros e gatos só para me matar?
— Noah…
— E você diz que devo me afastar. Não posso fazer isso, ok?! Não posso fingir que nada aconteceu e não posso… Me afastar e ponto! E não posso esquecer o maldito homem porque o vejo o tempo todo na minha cabeça e imagino as mil formas em que posso explodir seu crânio! Você entende isso?
Félix não encarou Noah por um tempo… Porém de repente, soltou uma risada breve e se recostou contra ele. Noah, que não podia conter sua ira, respirou fundo e olhou-o.
— Por que você tá rindo, está louco?
— Porque te amo.
— Ah, cala a boca.
— Te amo. Pensei que você estava morto. Faz muito tempo que não vejo Noah Felice agir como Noah Felice.
— Vai pra merda.
— Félix encolheu os ombros ante os xingamentos de Noah.
— Bem, se é isso que você quer, então farei o melhor que puder para te ajudar. Ok?
Noah olhou para Félix, que por alguma razão estava sendo amável.
— Ou paga o salário dos meus homens e diz para eu não me meter mais nisso.
— … Essa é uma opção de verdade?
Félix riu de novo e logo voltou a encarar o tablet.
Mesmo nesse espaço, a vista noturna passava em grande velocidade fora da janela. Noah apoiou o queixo na mão e em silêncio, começou a observar os edifícios e as pequenas casas. Sua cabeça estava cheia de pensamentos que nunca teve antes.
***
Sua condição estava consideravelmente pior que no início.
Estava tão estressado que pensou que precisava se acalmar antes que explodisse.
Foi ao seu quarto, fechou a porta e procurou seu dildo… Mas não estava com vontade. Era um mega consolo que costumava ser útil no passado. Algo que aliviava satisfatoriamente o estresse cada vez que tinha um dia ruim. Mas desta vez, foi como se o estresse se acumulasse mais e mais na ponta de sua língua.
Tirou todos os outros consolos para tentar, mas não era o mesmo. Cada vez que empurrava um dentro de seu corpo, só sentia que… faltava algo. Esse é muito pequeno, esse é muito duro, o outro não vibra o suficiente, muito forte. Estava tão irritado que puxou o vibrador e só se concentrou em ficar deprimido na cama. Precisava de algo mais. Um penis grande que estivesse mais quente e duro e que sobressaísse na parte inferior de seu abdômen. Queria esse movimento de cintura sobre a cama, que o fazia se sacudir sem pensar.
O beijo vertiginoso que lhe dava de vez em quando e esse braço que o segurava com firmeza contra seu peito.
Uma voz dizendo seu nome várias vezes…
E enquanto pensava nessas coisas, uma por uma, era óbvio que estava descrevendo o imbecil de Sasha.
— Que idiota.
Noah lamentou com força e suspirou. Estava a ponto de ficar louco, esse era um fato. Não podia evitar se desesperar pelo fato de que não tinha forma de resolver essa condição. Não, não é que não existisse um meio, é que era doloroso porque estava apaixonado por ele. E além disso, tinha outra razão que dificultava o retorno à normalidade da condição de Noah: Estar doente durante vários dias. Cada vez era mais frequente ele já não podia tragar bem os alimentos porque tinha dor de estômago. Sentia-se como se estivesse enjoado e vomitava muito pelas manhãs. Aparentemente o estresse era sério. Não podia dormir bem porque estava muito nervoso e se tornava um desastre pelas tardes.
— Noah, ainda não comeu hoje?
Logo Isaac chegou para se sentar ao seu lado. A expressão em seu rosto estava cheia de preocupação.
— Não estou com fome.
— Acho que você emagreceu. Parece doente nos últimos dias.
— Creio que é só porque estou sob muito estresse.
Suas náuseas pioraram bruscamente depois de se encontrar com os Betas, que eram os guarda-costas de Sasha e justo quando escutou que ele tinha ordenado que o prendessem em um veículo. Além disso, tinha que se ocupar com o negócio de Félix e havia informação que precisava encontrar pessoalmente. Também estava estudando um pouco sobre tudo isso da empresa L & M e sobre a localização de Sasha assim que não era apropriado ter um transtorno gastrointestinal já que estava constantemente ocupado. Ainda que sim, se perguntou se deveria procurar um médico de uma vez por todas.
— Quando tenho muito no que pensar, perco o apetite. Isso é tudo.
— Tem algo que você queira comer? Vou ao mercado e compro para você.
Isaac estava preocupado, então diante de seu amistoso consolo, Noah estalou em uma gargalhada:
— Hahahaha obrigado. É óbvio que a única pessoa que realmente se preocupa comigo é meu adorável mas assustador Isaac.
— Claro que me preocupo, somos família.
Era grato a Isaac por cuidá-lo apesar dele estar tão ocupado com seus próprios assuntos. E como pensou que deveria comer qualquer coisa por ele para compensá-lo, começou a tentar ter uma ideia do que estava desejando provar nesse momento. Mas não pode pensar em nada.
Então, de repente, lhe veio à mente um alimento. Era o sanduíche que Sasha fez da última vez.
— Já sei.
Quando recordou, um sanduíche com salada desenhou-se vividamente frente aos seus olhos. O dia que chegou em sua mansão, Sasha foi na cozinha preparar algo para comer. Sempre esperava a deliciosa comida de Sasha porque tinha habilidades culinárias comparáveis às de um chefe de primeira. Era até difícil pensar que ele era um doutor em Ciências da computação e não um cozinheiro de renome. Todavia, ao final, regressou a este lugar e… Foi como se a comida que ele havia preparado só tivesse sumido do mundo.
Sempre dizia que faria algo fácil de comer para ele, porque estava tão cansado que nem podia se levantar.
— Quero um sanduíche.
Enquanto Noah lembrava do passado, disse isso rapidamente.
— Um sanduíche?
— Com salada e… Coberto com ovos escalfados.
— Bem, peço ao chefe que nos faça alguns? Espere.
Os sanduíches eram deliciosos quando comidos na hora. Especialmente os sanduíches com salada e ovos escalfados. Isaac se levantou e disse que ia pedir ao cozinheiro de Félix ao invés de comprar em um restaurante de San Diego. E justo depois disso, Noah, que estava deitado no sofá como um pintinho enfermo, apenas se sentou frente a mesa até escutar Isaac lhe dizer que já estava pronto. No prato havia um bom sanduíche que parecia tirado de um hotel cinco estrelas. Estava coberto com ovos escalfados, salada e polvilhado por pequenos pedaços de frutas secas e nozes, além de um milho feito pelo famoso chef de seu primo… Mas era sutilmente diferente do que ele queria ver. Não podia dizer porquê, só era. O que era realmente diferente? O que tinha de diferente no sanduíche que pensou em comer? Noah apertou o talher em sua mão, mas não fez nada. Para ser honesto, não queria comê-lo. Tão logo viu, pensou que não era o que queria e seu apetite voltou à estaca zero. Porém, Isaac não pôde atuar normalmente devido a sua preocupação.
Cutucou um ovo escalfado com a ponta do garfo, pensando que deveria provar ao menos um pouquinho. A gema crua salpicou e derramou-se no prato, cortou um pedaço pequeno de pão, molhou na gema e o meteu na boca. Mas Noah não pode mastigar. Foi pelo aroma único dos ovos que se elevavam da gema crua. E sim, lhe deu uma vontade horrível de vomitar ali mesmo.
— Ah não…
Assim que colocou essa porção de pão na boca, cuspiu a comida sem mastigar no guardanapo. No entanto, o cheiro da gema de ovo que continuava em sua boca embrulhou tanto seu estômago, que não pôde suportar mais e correu para o banheiro.
Depois de vários arquejos e vômitos desesperados, seu rosto já branco ficou mais pálido que de costume. Pálido e cansado.
— Maldito seja, preciso chamar um médico agora mesmo. Não posso mais…
Depois de lavar a cara com água fria, Noah lavou a boca na pia.
Foi quando abriu a porta que Isaac, que ficou atrás da mesa, parou frente a ele com uma cara completamente indecifrável. Era tão estranho que foi difícil levantar a cabeça.
— Sinto muito… É que realmente não me sinto bem. Vou ver meu médico mais tarde porque…
— Você está grávido.
As palavras que Noah tinha murmurado em voz alta ficaram enterradas pela oração de Isaac.
— … Quê?
Estava tão surpreso por suas palavras que até deixou cair a toalha que tinha nas mãos.
— Você disse que teve um ciclo de calor com o Doutor Lambert.
— Tive, mas… Não, não. É impossível porque Sasha é um beta e com eles… Não, não é algo que se consegue com apenas uma vez.
— Mas é um sinal precoce de gravidez. Não tinha feito uma conexão até agora, porém, quando penso, são todos sintomas.
— Mas eu não… É bobagem.
Estar… É realmente um absurdo! Não importa quantas vezes tenha dormido com Sasha ou o muito que fizeram dia e noite durante o cio, ele era um Beta e Noah um Ômega masculino. Não estava destinado a ser. Simplesmente não. NÃO.
— Já passaram quase dois meses desde que o cio passou. Correto? Creio que seria uma boa ideia fazer um teste.
Contudo, Isaac seguiu falando com firmeza. Como se estivesse muito seguro.
Noah, que estava perdido em seus pensamentos, observou Isaac com uma expressão completamente em branco sobre seu rosto e voltou a dizer: — Impossível.
— Como poderia ter um filho de um Beta? Não dá, já te disse.
— Você não sabe. Há coisas no mundo que realmente são assim, imprevisíveis. Eu sou um Ômega recessivo e já tive duas crianças.
Isaac era um ômega recessivo que havia dito que nunca passou por um ciclo de calor até conhecer Félix. Dado que era um homem, não uma mulher, e também recessivo, as possibilidades de uma gravidez eram completamente escassas. Era certo dizer que era como se fosse um Beta mas, como ele disse, teve dois filhos.
Ainda assim, Sasha era um beta. Por que ele não podia entender que não funcionava assim?
— Pois nunca escutei algo parecido, por isso se não tem mais nada para dizer, então…
— Noah, primeiro você precisa fazer um check-up. Me escute.
— Mas… Não. Eu não preciso de uma maldita inspeção.
Noah, que estava refutando constantemente, caiu sobre seu assento em um momento de vergonha crescente. Suas pernas estavam tão fracas que não podia estar de pé assim que Isaac, todavia preocupado, rapidamente se aproximou e o segurou pela mão para dar a entender que podia colocar todo seu peso nele. Noah se levantou de seu assento e mordeu o lábio.
— Me sinto mal outra vez.
— Vem, eu te levo. Não tem problema.
Noah mordeu o lábio e logo assentiu. Pensou que era uma sorte que Isaac e não alguém mais percebesse primeiro e se oferecesse para ajudar. Fosse porque estivesse gestante ou não, o fato de que necessitava de um check-up era evidente.
Noah respirou fundo e seguiu Isaac até lá fora. Depois de algumas horas, Noah, que se submeteu a vários testes e exames, escutou um resultado que parecia… Uma puta piada. Foi um teste de gravidez positivo que surpreendeu e aterrissou sobre todos os Felice, não apenas ele.
°
Continua…
°
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Tradução: Sasori
Revisão: Rize