Beijo do inferno - Capítulo 47

   Seus passos pelo corredor tornaram-se automaticamente mais rápidos, Yohan subiu as escadas correndo e fechou a porta rapidamente. Ele mal conseguiu fingir que estava bem na frente de Ryan, mas agora era impossível. Quando ele ficou sozinho, todo o seu corpo começou a tremer como uma folha.

   — Ugh, ha, ha….

   Yohan dobrou os joelhos no tapete, exalando pesadamente. Um breve suspiro irrompeu como uma baforada, ao se apoiar no chão com os braços, Yohan repetiu sua respiração irregular. Sua cabeça, que fervia como um vulcão, derreteu imediatamente, como se fosse varrida por um magma gigantesco. Ele engasgou e pressionou o tapete.

   …Estou realmente nervoso agora.

   A raiva e a frustração que não tinham para onde escapar vagaram por seu corpo. Ele parecia ter usado toda a sua paciência para resistir à vontade de estrangular Ryan imediatamente. Ele pensou que não havia mais lugar para decepção em sua vida, mas a profundidade da decepção que os humanos podem sentir parecia insondável.

   — Ha ha…. Ahhh.

   Depois de recuperar o fôlego, Yohan deixou a testa cair no tapete, rindo loucamente.

   — Hahaha….

   Sua risada nervosa soou como um eco, ele cerrou os punhos e riu mais um pouco, seu corpo inteiro tremia de tanta raiva que era até difícil para ele respirar. No entanto, Ryan não era a razão pela qual ele estava nervoso. A reação de Ryan foi previsível e só o fez sentir-se desapontado mais uma vez.

   …Casar. 

  Valentine casado?

  Se ele pensasse sobre isso, era natural que isso acontecesse. Valentine era o herdeiro da família Lindbergh e não era incomum naquele mundo ter um noivo desde tenra idade. Além disso, Howard Eisenhower era um dos principais magnatas do setor imobiliário do mundo. Considerando os factos objectivos, o compromisso de Valentine parecia natural à primeira vista.

  Mas… .

  Valentine disse que jogaria tudo fora por mim.

  — Hahaha…

   Enquanto Yohan balançava os ombros com uma risada estranha, ele levantou lentamente a cabeça. Seus olhos verdes sob a forte luz do sol, profundamente afundados, até pareciam pretos. Cambaleando, ele conseguiu se levantar e se aproximou da janela. Além da janela, os pardais cantarolavam vigorosamente. Yohan olhou para a luz do sol que passava entre os galhos, encostando-se na janela com as mãos como se estivesse possuído. Quando ele enfrentou aquela paz desoladora, a tristeza o dominou. Havia um calor incontrolável ao redor de seus olhos.

  — …ugh.

  A visão ficou embaçada e, antes que pudesse conter, lágrimas escorreram sem qualquer impedimento. Yohan apoiou o punho cerrado na janela, tremendo os ombros como se estivesse prestes a ter um ataque. Ao baixar a cabeça, um som abafado acompanhou a queda contínua das grossas gotas de lágrimas no tapete.

   E de repente, ele se lembrou da voz de Valentine sussurrando que ele o amava. A voz parecia cheia de sinceridade. A voz que fez seu coração fortemente selado se abrir facilmente. Talvez tenha sido ele quem acreditou nos verdadeiros sentimentos de Valentine mais do que qualquer outra pessoa. Apesar do desespero em meio à situação cegante, nunca duvidou do afeto mórbido de Valentine.

  Sim… mas se tudo fosse uma ilusão?

  O corpo cambaleante afundou novamente. Tudo parecia distante como se estivesse dentro de uma tempestade. Para Valentine, a situação atual era apenas uma escapada; ele não tinha nada a perder. Apenas Yohan estava preso verdadeiramente a esta situação sem qualquer escolha. 

  No entanto, havia uma emoção que impulsionava ele mais intensamente do que o seu ressentimento contra Valentine. Era o desejo bastante lamentável de usar Valentine como desculpa, para se vingar de Ryan. Incapaz de suportar, Yohan mordeu os lábios até sangrarem. Muito depois do pôr do sol, Yohan, que estava atordoado, voltou a si. Joey bateu na porta, preocupado com ele, que havia pulado o almoço, mas o quarto permaneceu em silêncio.

   — Yohan.

   No início da noite, Joey, notou Yohan que descia as escadas e se levantou reflexivamente. Yohan sorriu vagamente com um rosto pálido, como se estivesse morto. Devido à sensação sinistra que aquele sorriso transmitia, Joey manteve sua expressão rígida. No entanto, sua premonição sombria se dissipou como fumaça diante das palavras seguintes de Yohan.

   — Estou um pouco com fome. Há algo para comer?

   — Ah… claro. você está com fome? Vou preparar algo para você imediatamente.  Por favor, espere um minuto.

   Ao contrário do que Joey pensava, Yohan comeu em silêncio como de costume. Parecia que ele mastigava sem muito entusiasmo, como se a comida não tivesse sabor, estava apenas enchendo o estômago mecanicamente. Depois de esvaziar em parte o prato, Yohan limpou os lábios com um guardanapo.

   — Joey, gostaria que você me trouxesse um pouco de whisky, se não se importa.

   — Você quer beber bebida alcoólica?

   — Às vezes bebo quando tenho insônia.

   — Mas se você nem comeu direito então vai te fazer mal beber álcool… 

   — Por favor.

   Joey, que hesitou por um momento, finalmente assentiu quando Yohan insistiu novamente. Ele sabia melhor do que ninguém que Yohan nunca causou problemas quando bebia álcool.

   — Você gostaria de beber no seu quarto, como de costume?

   — Sim, seria ótimo.

   — Então vou preparar, para que você possa descansar.

   — Obrigado.

   Quando ele se virou, Yohan parou de repente e olhou para Joey. E como se estivesse hesitando, ele franziu os lábios e disse em voz baixa.

   — Valentine parece que vai se atrasar hoje.

   Ao ouvi-lo, Joey respondeu gentilmente, sem esconder suas dúvidas.

   — Devido a uma viagem de negócios repentina, ele só voltará para casa amanhã de manhã. Eu sei que ele costuma entrar em contato com você pessoalmente, ele não  entrou em contato dessa vez?

  Ele pensou que talvez fosse esse o motivo pelo qual seu telefone tocou incessantemente antes. Yohan sorriu sem calor, balançando a cabeça.

   — Talvez eu não tenha percebido. De qualquer forma, está tudo bem.

   De madrugada, quando todos já dormiam, a porta do quarto de Yohan se abriu silenciosamente. Yohan, que fingia se comportar normalmente diante dos demais, não conseguiu mais continuar o jogo. Seus passos pelo corredor tremeram perigosamente. E depois de descer, ele abriu silenciosamente a porta da cozinha e saiu.

  — Huh… .

   O ar frio, impregnado pelo cheiro de whisky, se misturava ao hálito quente, formando uma nuvem branca. Yohan perambulou sem rumo ao longo do jardim que se estendia atrás da mansão. Vestindo apenas uma fina malha, sua temperatura corporal diminuiu rapidamente, mas embriagado pela intoxicação do álcool, ele não percebeu esse fato.

   Os passos de Yohan pararam em frente a uma luxuosa piscina externa.  Devido à iluminação no fundo, a água brilhava intensamente mesmo à noite.  Esse esplendor atraiu Yohan. Parado na beira da enorme piscina, ele sentou-se com os joelhos dobrados enquanto observava a água tranquila. Suas pupilas sombriamente afundadas refletiam a luz brilhante da piscina.

   Quão grande é a necessidade humana de sobreviver, o próprio Yohan a experimentou através de inúmeras coisas. Muitas das escolhas e decisões que tinha tomado até agora baseavam-se no seu simples desejo de sobreviver. Porém, naquele momento, ele havia perdido aquele desejo mais fundamental.

  — …é tão difícil.

   Yohan murmurou, enquanto enterrava a cabeça nos joelhos. Sua cabeça não estava funcionando bem devido aos efeitos do álcool. Viver era muito difícil para Yohan. Então agora ele queria fugir da dor, em vez de viver, ele não tinha para onde ir, mas era impossível permanecer naquele lugar por mais tempo.

   Então virá amanhã, e depois de amanhã… Cada um encontrará o seu lugar.  Somente você estará flutuando no ar e não poderá descansar em lugar nenhum. Era difícil para ele suportar o futuro que se desenhava vividamente diante de seus olhos.

   Então, ele decidiu segurar a mão de Ryan. Fugir para os braços daquele que o derrubou como um cão derrotado pode parecer ridículo, mas não havia outra opção. Se eu fechar meus olhos e ouvidos para tudo relacionado a Valentine… eu poderei sobreviver assim.

   Yohan fechou os olhos e suspirou suavemente. Em algum lugar na fronteira entre a consciência e a inconsciência, era difícil para ele reconhecer o frio penetrante e onde estava. E num instante, seu corpo que havia perdido o equilíbrio desabou.

   Plop!

   Um frio tão intenso e cruel envolveu todo o seu corpo em um instante, a ponto de ser agonizante. Yohan percebeu tarde demais que estava submerso na água. Um frio que parecia congelar até os ossos rasgou sua pele, e água gélida, como gelo, invadiu sua boca aberta, obstruindo sua respiração.

   —…!

   Lutando debaixo d’água tentando sustentar a ponta dos seus pés no fundo. No entanto, seu corpo, que já havia perdido as forças, desmoronou novamente. Seus movimentos sem desordenados só o levavam gradualmente em direção ao fundo. Os movimentos do corpo, privados de oxigênio, tornaram-se cada vez mais lentos. O olhar fixo na superfície, começou a ficar embaçado.

   Vendo a superfície da água, Yohan pensou calmamente. 

  De qualquer forma… nada mais faz sentido.

   Com tal pensamento, o corpo que lutava lentamente parou de se mover. Bolhas de ar de sua boca e nariz nadaram em direção à superfície da água.  Tudo se tornou tão distante quanto um sonho e sua consciência se despedaçou. Seus olhos verdes rolaram e desapareceram sob as pálpebras.

   E de repente tudo virou escuridão.

***

   O quarto do hospital estava envolvido em um silêncio mortal. Yohan estava deitado imóvel na cama e Valentine estava ao lado dele.

   Valentine, que havia embarcado em sua última viagem de negócios antes de se demitir da L&T, retornou aos Estados Unidos assim que foi informado de que Yohan havia sofrido um acidente. Ao chegar ao hospital, viu Yohan dormindo como se estivesse morto. Dada a frieza da cena, ninguém poderia dar a Valentine sequer uma palavra de conforto.

   ‘…felizmente, o segurança o resgatou antes que sua vida corresse perigo.  Ouvi dizer que ele sentiu que algo estranho estava acontecendo com Yohan enquanto assistia ao CCTV e imediatamente correu para lá. Graças ao resgate dentro do tempo adequado e à rápida aplicação de primeiros socorros, a situação perigosa foi evitada. No entanto, ele apresenta alguns sintomas de hipotermia, portanto um diagnóstico mais aprofundado será feito a esse respeito.’

   Foi uma sorte o segurança ter encontrado Yohan a tempo. Foi um momento perigoso que poderia ter feito com que ele perdesse a consciência devido à apneia. Felizmente, Yohan, que já havia sido resgatado antes, foi imediatamente levado ao hospital e o tratamento foi realizado em um nível onde sua evolução pôde ser observada, injetando solução salina em seu sistema fisiológico. Ninguém poderia garantir que ele estaria vivo se tivesse chegado um pouco mais tarde.

   Joey sentiu forte remorso por ter empurrado Yohan para uma situação perigosa e não conseguiu esconder sua tristeza ao relatar a série de circunstâncias que haviam acontecido. Mas Valentine apenas fez uma pergunta à pessoa que se reportava a ele, sem demonstrar qualquer reação.

  ‘Foi um acidente ou foi intencional?’

   Joey não conseguiu responder imediatamente a essa pergunta. Ryan disse a ele para manter sua visita em segredo e, se ele acrescentasse detalhes desnecessários, poderia violar sua ordem. Valentine não continuou a insistir, como se o silêncio por si só fosse resposta suficiente.

   Valentine olhou para Yohan com olhos afundados e sombrios. Desde a pele pálida como a de um cadáver até os traços faciais secos, o pescoço exposto fora da roupa de paciente e o braço com uma agulha inserida. Em nenhuma parte de Yohan, havia qualquer sinal de vida perceptível. Os olhos de Valentin que observavam Yohan não tinham calor, apenas uma frieza.

   Então, o amanhecer veio com um silêncio agudo.

   —….

   Era de manhã cedo quando Yohan, que estava inconsciente há muito tempo, recuperou a consciência. Seus dedos que estavam paralisados ​​se moveram e seus longos cílios tremularam. Yohan abriu os olhos e piscou algumas vezes.  Calafrios intermitentes circulavam por seu corpo sonolento e um leve cheiro de desinfetante tocava a ponta de seu nariz. Só então ele percebeu que estava no hospital.

   …Eu pensei que estava morto.

   Percebendo que ainda estava vivo e respirando, Yohan soltou um suspiro. Foi um simples acidente ele ter caído na água, mas o fato de não ter nadado com todas as forças se deveu, em certa medida, ao seu desespero. Isso não significava que ele realmente queria morrer. Seu desejo de escapar da realidade insuportável era apenas uma maximização temporária da depressão que espreitava dentro dele.

  De qualquer forma, enquanto sonhava Yohan pensou que estava morto. Navegando em pesadelos, ele se sentia desanimado com a ideia de sofrer mesmo após a morte. Por isso, a primeira coisa que sentiu ao acordar foi uma extraordinária sensação de alívio.

   Eu estou vivo.

   Você está vivo….

   Foi só um pouco mais tarde que Yohan, que estava saboreando a sensação de sobrevivência, percebeu a presença de Valentine. Sentindo seu olhar pousado em suas bochechas, ele inadvertidamente virou a cabeça e encontrou Valentine, olhando para ele de forma estranha. Naquele momento, todas as expressões desapareceram do rosto de Yohan.

   — Está acordado? 

  Valentine perguntou secamente, quando seus olhares se encontraram.

   Ao contrário do habitual, sua voz estava sem emoção, insensível e até chata. Apenas seus olhos balançavam tão profundamente quanto o mar, com uma ira difícil de esconder. No momento em que viu os olhos azuis brilhantes que pareciam os de Ryan, ele sentiu uma dor aguda, como se tivesse sido esfaqueado no peito.

   Os dois se entreolharam com a boca fechada. No silêncio, a raiva e a frustração explodiram lentamente entre os dois. Mas foi Valentine quem quebrou a tensão que envolvia a atmosfera. Com um sorriso no rosto, ele pressionou os dedos ao redor dos olhos como se estivesse cansado.

   — Essa situação toda é um desastre, mas… mas pensei que ainda tínhamos uma chance.

   —….

   — Sim, mas agora que penso nisso, parece que foi apenas um erro meu, não é, Yohan?

   A frustração que Valentine nunca havia demonstrado antes foi preenchida com cada respiração que ele exalava. Yohan olhou para ele sem sequer piscar. Valentine, que baixou lentamente a mão com a qual esfregava os olhos, relaxou os ombros. Um olhar afetuoso percorreu o rosto de Yohan.

   — Por que você foi à piscina naquela noite?

   A expressão de Yohan se distorceu com a pergunta direta. Valentine não mostrou nenhuma mudança em sua expressão facial, mas quanto mais o silêncio se arrastava, mais sombrios seus olhos ficavam. Um sorriso vago vazou pelo espaço entre seus lábios vermelhos. Valentine, que estava rindo com os ombros trêmulos, abaixou a cabeça lentamente. Ele franziu os lábios curvados e sua respiração difícil começou a fluir de forma irregular.

   — Haa… 

   Valentine ergueu a cabeça após soltar um longo suspiro. Um rubor fraco tingia apenas as bordas de seus olhos em um rosto pálido e sem vitalidade. Como se tentasse conter uma paixão fervente, seu queixo tenso tremia com força. Quando seus olhares se encontraram, Valentin exibiu um sorriso distorcido.

   — Claro, foi só um acidente. Até ontem, você estava bem… não é? É surpreendente ter pensamentos estranhos de repente.

   Valentine tentou fingir estar o mais calmo possível, mas cada palavra que saía de sua boca estava repleta de muita emoção. Era o desespero contido numa voz, que soava como um disco quebrado. Sentindo a tristeza dele, Yohan estendeu a mão para pegá-lo, sem perceber.

  —….