Beijo do inferno - Capítulo 45

    A rotina diária se tornou tão repetitiva que contar os dias não fazia sentido. Yohan que perdeu o senso de direção na vida tornou-se completamente vazio. Ele passava a maior parte dos dias descansando perto da janela ensolarada e muitas vezes pulando refeições, como se até comer fosse incômodo. Não fazia muito tempo que ele se hospedava na mansão Alpine, mas à primeira vista dava para perceber que ele estava mais magro do que antes.

   — Como posso aceitar que tem tanta gente na casa, e nem cuidam direito da alimentação do Yohan?

   O rosto de Joey estava tenso devido à reação furiosa de Valentine. Na verdade, embora ele achasse a reprimenda de Valentine injusta. Era tão óbvio discernir quem era o principal culpado por Yohan pular refeições. Então por que você não se comporta com moderação? Contendo o desejo de responder daquela forma, Joey falou educadamente.

   — Como sabe, um nutricionista profissional se encarrega de preparar cada uma de suas refeições, mas ele não tem muito apetite. Mesmo quando come, a quantidade é muito pequena e ele até se recusa a tomar suplementos nutricionais. Também não adianta mandar ele comer repetidas vezes. Por que você mesmo não fala com ele? Acho que seria mais eficaz do que aquilo que tentamos.

   Assim que Joey terminou de falar, Valentine se levantou. E em vez de sair da mansão, ele foi para o quarto onde Yohan dormia. Joey seguiu os passos de Valentine e disse ao motorista para esperar por ele mais um pouco.

   Num quarto cheio de luz da manhã, Yohan dormia pacificamente, enterrado sob um cobertor macio. A relação entre os dois deteriorava-se cada vez mais, mas uma das mudanças positivas foi que Yohan não sofria mais de insônia. Mesmo que Yohan agisse como se fosse capaz de fazer qualquer coisa para irritar Valentine, ele não pôde recusar os braços familiares quando o homem o abraçou.

   Mesmo agora, Yohan tinha o rosto enterrado inconscientemente no travesseiro fofo de Valentine. Valentine inclinou a cabeça e olhou para ele. As bochechas onde a luz do sol incidia estavam pálidas e a linha de sua mandíbula estava marcada. Havia também um tom escuro sob seus longos cílios.

  Valentine sentou-se na cama, inclinou-se e sussurrou em seu ouvido.

   — Levante-se, Yohan.

   —….

   — Já é de manhã.

   A testa de Yohan distorceu-se ligeiramente quando ele ouviu uma voz perturbando seu sono. Era Valentine, que nunca ousara acordá-lo, mas que agora se comportava com persistência. Na verdade, não importava muito que ele dormisse se o fizesse normalmente, mas se o fizesse a ponto de prejudicar a própria saúde, a questão era diferente.

   — Abra os olhos.

   — Uh….

   Tuk, Tuk.

   Yohan, que se abaixou para evitar que a mão lhe desse um tapinha na bochecha, finalmente abriu os olhos. Devido à perturbação em seu sono, seus olhos verdes, onde a luz do sol se refletia, estavam cheios de irritação.

   Yohan desviou a cabeça da mão e murmurou.

   — Vá embora… Eu dormir mais… me deixe em paz.

   — Se você quiser dormir, tome primeiro o café da manhã e depois volte para a cama. Me disseram que você também não jantou ontem à noite.

   Como disse Valentine, seu estômago, que estava vazio há muito tempo, estava dolorido e seus membros estavam flácidos, como se o sangue não estivesse circulando neles. No entanto, o incomodava até mesmo levantar um dedo. As preocupações de Valentine lhe pareciam tão ridículas quanto as lágrimas de um crocodilo. Yohan curvou os lábios sem esconder esse sentimento.

    — E daí? Quem se importa?

  Quando terminou de falar, Yohan tentou cobrir a cabeça com o cobertor, mas Valentine foi mais rápido que ele. Segurando o pulso de Yohan, ele sorriu acima de sua cabeça.

   — Você precisa de um beijo para acordar?

   — …Que?

   — Estou pronto para cooperar tanto quanto puder.

   Quando Valentine terminou de falar, Yohan franziu a testa. Valentim também sabia como provocar efetivamente seu mau humor. Mas agora, Yohan nem tinha forças para ficar com raiva. Ele só queria que Valentine o deixasse em paz, então, decidiu ignorar a provocação dele.

    — Não seja ridículo e saia.

    — Olha, não estou brincando.

    — Ha, estou farto das suas bobagens, então me deixe em paz…

   As palavras que ele pronunciava não puderam continuar até o fim. Foi porque Valentine segurou Yohan em seu cobertor. Em um instante, seu corpo subiu no ar, fazendo-o arregalar os olhos. Valentine avançou, sem sequer lhe dar tempo para reagir, e falou com Joey, que o seguia com passos firmes.

   — Yohan vai comer agora. Prepare algo bem gostoso.

   — Sim senhor.

   Depois que Joey desapareceu rapidamente, Yohan começou a se debater. No entanto, seu corpo sem energia não tinha forças para lutar. Valentine sorriu, abraçando Yohan, que lutava impotente em seus braços.

   — Sinta-se à vontade para se mover. Não há como você me bater decentemente com este corpo. 

   O rosto de Yohan estava vermelho de vergonha. Ele sabia que era um ômega, mas também era um homem. Ele também sabia que era verdade, mas não queria admitir que estava tão indefeso, incapaz de suportar a raiva, Yohan puxou o cabelo dele e falou em voz baixa.

   — Comportar-se. Quando eu disser para você me colocar no chão, apenas faça.

   Valentine franziu a testa como se seu couro cabeludo doesse por ter sido puxado com força. Mas em vez de parar, ele respondeu, enquanto descia lentamente as escadas.

   — A menos que você queira que eu te beije na frente de toda essa gente, é melhor você me soltar.

   — Ha, bastardo maluco….

   — Acha que estou brincando de novo?

   Os olhos enquanto ele falava estavam cheios de sinceridade. De qualquer forma, os funcionários daquela mansão sabiam o que eles faziam todas as noites, mas era uma questão muito diferente revelar isso na frente de todos. Yohan estava com tanta raiva que não sabia o que fazer, mas teve que largar o cabelo de Valentine.

  Finalmente, Yohan sentou-se à mesa à sua frente. Seu estômago vazio estava revirando, mas ele ainda não tinha apetite. Ele olhou para Valentine, que estava parado na frente dele com os olhos arregalados, mas o homem apenas sorriu para ele como se estivesse se exibindo.

   Da cozinha, onde os funcionários estavam ocupados preparando a comida, os garçons saíram um por um para pôr a mesa. E logo depois, diversas comidas foram servidas na grande mesa. Salada fresca com queijo feta, lentilhas e tomate, sopa creme de espinafres, salmão, abacate, pão de centeio com queijo, omelete e bolonhesa. Era uma dieta que considerava a nutrição sem gerar muita carga calórica.

   — Coma — Valentine disse com os braços cruzados, balançando a cabeça como se lhe desse uma ordem. Yohan riu ridiculamente. Ele foi forçado a vir para a mesa, mas não tinha intenção de agradar Valentine.

   — Foda-se.

   — Você vai comer ou quer que eu te alimente?

   — Eu já mandei você se foder.

   Yohan riu sarcasticamente e se pendurou nas costas da cadeira. Sem prestar muita atenção, sua longa franja se estendia ao redor dos olhos e seu rosto pálido estava abatido. Valentine, que olhou para Yohan com calma, levantou-se da cadeira, ele contornou a mesa e levou pão aos lábios de Yohan. Quando Yohan franziu a testa e virou a cabeça, Valentine o incentivou.

   — De apenas uma mordida.

   — Então desapareça da minha vista. Não consigo comer porque estou olhando para você.

   — Coma primeiro. Só assim vou sair daqui.

   — Eu já disse que não.

   — Parece que você quer ser alimentado. — Valentine sorriu e agarrou Yohan pelo queixo. Baixando a guarda em um instante, o pão foi empurrado à força pelo espaço entre seus lábios. Valentim, que colocou o pão na boca de Yohan e fechou seu queixo, disse: — Você vai mexer a mandíbula ou quer que eu faça isso por você também?

   Os olhos de Yohan rapidamente ficaram vermelhos de raiva. Incapaz de conter sua raiva, Valentine enfiou o dedo em sua boca aberta para empurrar o pão preso até sua garganta.

   — …Ugh!

   A saliva derramou na mão que descansava em sua boca. O pão e o queijo foram esmagados na boca e logo ficaram molhados e macios. Yohan tentou afastar a mão de Valentine, mas não conseguiu superar a enorme diferença de força.

    — Ah, ah…!

   Cada vez que Valentim empurrava o pão para o fundo da boca, a comida que ele era forçado a mastigar ficava encharcada de saliva e se tornava mais macia. Alguns pedaços foram engolidos pela garganta ao inalar. Lágrimas se formaram nos olhos de Yohan quando sua respiração parou. Incapaz de reagir, engoliu um pedaço de pão, mas depois mordeu o dedo que estava em sua boca, com toda a força que pôde.

   — Ugh…

   De repente a sensação aguda da carne crua sendo rasgada entre seus dentes se espalhou até seu queixo. Deixando escapar um pequeno gemido, Valentine puxou o dedo em meio a trajetória, seu sangue quente se misturava ao pão e se espalhava pela língua de Yohan.

   — …Huh.

   O gosto desagradável de sangue o deixou enjoado. Yohan, que tentou cuspir o que tinha na boca, cuspiu em Valentine. O pão amassado grudou no terno de alta costura e deslizou lentamente para baixo. Valentine, que segurava o dedo ensanguentado com a outra mão, olhou para suas roupas arruinadas com um rosto inexpressivo. E enquanto Yohan limpava os lábios, ele sorriu nervosamente.

   — Por que você não enfia uma mangueira na minha garganta?

   — …Isso não é uma má ideia.

   Valentine, que envolveu rudemente o dedo em um guardanapo, ergueu os cantos da boca. Então ele chamou Joey. Num instante, o rosto de Yohan endureceu, perguntando-se se ele realmente tentaria enfiar uma mangueira no seu pescoço.

   — Me chamou, senhor?  — disse Joey calmamente, ele provavelmente tinha ouvido toda a comoção, enquanto esperava do lado de fora. Valentine inclinou a cabeça obliquamente e deu instruções.

   — Procure curativos para estancar o sangramento. — O olhar insensível de Valentine caiu sobre Yohan. Ele podia sentir o pescoço de Yohan se movendo com tensão. — Me traga os inibidores que Yohan está tomando.

   — Que? O que você está fazendo…?

   — Traga todos eles.  

   — Valentine!

   A cadeira de Yohan caiu para trás com seu movimento abrupto, fazendo um barulho agudo. Mas Joey já havia saído da sala de jantar. Yohan, incapaz de ler a mente de Valentine, franziu os lábios e rapidamente mudou sua impressão.

   — Você… O que você está tentando fazer?

   Ignorando as palavras dele, Valentine se aproximou de Joey, que voltou mais cedo do que o esperado. O médico contratado que acompanhava Joey se adiantou para examinar os ferimentos de Valentine, mas o homem balançou a cabeça e falou com Joey.

   — Me dê o remédio primeiro.

   — Mas primeiro devemos cuidar do ferimento….

   — Não me faça repetir duas vezes.

   Diante de sua determinação, Joey foi forçado a entregar o frasco de remédio que tinha em mãos. O frasco continha o inibidor do ciclo de calor, que Yohan tomava uma vez por dia. Joey apenas olhou fixamente para as ações de Valentine.

   Valentine, que abriu a tampa do frasco, colocou um comprimido branco em sua mão. E então, ele despejou o resto do remédio em uma garrafa de água que estava sobre a mesa.

   — Ei, você está louco…!

   Yohan, que reagiu tarde, correu em direção a Valentine, mas o homem foi rápido deixando cair a garrafa no chão. A garrafa, que era de vidro e tinha um formato bonito, quebrou-se em pedaços com um som agudo. Os inibidores incharam ligeiramente na água misturada com pedaços de vidro e depois começaram a dissolver-se gradualmente.

   — Merda, eu vou te matar!

   Yohan pulou em Valentine, mas foi facilmente dominado por ele. Veias azuis se destacavam na testa de Yohan e seu coração batia forte porque não conseguia conter a raiva. Segurando os braços de Yohan atrás de suas costas, Valentine jogou a última pílula na sopa de espinafre.

   — Se quiser tomar o remédio, tome a sopa.

   — Uhh, bastardo… você é um filho da puta.

   Quando Valentine levantou a mão, o esperto Joey entregou-lhe a tigela de sopa. Surpreso com a comoção inesperada, seu rosto sério de sempre estava azul e cansado. Valentine levou o prato aos lábios de John.

   — Com o passar do tempo, o remédio vai derreter. — Yohan estremeceu e fechou a boca irritado. Então, após um breve suspiro, Valentine sussurrou em seu ouvido. — Mesmo tomando inibidores, você fica completamente fora de si quando fazemos sexo.

   —….

   — Se você não quiser ser pego de surpresa por um ciclo de calor e começar a sacudir a bunda por conta própria, seria uma boa ideia tomar a sopa. Eu ia adorar se você ficasse grávido, mas acho que você não, certo?

   —…Ah.

   — Se você comer bem, amanhã eu te darei seu remédio.

   Yohan olhou para Valentine com os olhos vermelhos de ódio, mas não teve escolha senão abrir os lábios trêmulos. Quando Valentine inclinou um pouco mais a tigela, a sopa quente fluiu lentamente para a boca dele. Ocasionalmente, Yohan tossia quando se sentia sufocado, mas só parou de engolir quando a tigela estava completamente vazia.

   A pílula meio derretida estava grudada no fundo da tigela manchada de verde. Yohan envolveu-o na língua e colocou-o na boca, e Valentine, que soltou seu braço, ofereceu-lhe um copo d’água. Ele pegou o copo e bebeu de um só gole e então, jogou com força atrás da parede onde Valentine estava.

   Pâm!

   — Sr. Lindbergh!

   Num instante, o vidro quebrou e seus pedaços se espalharam pelo ar. Um deles roçou a bochecha de Valentine. A ferida, que desenhava uma longa linha reta em sua bochecha lisa, abriu lentamente e logo se encheu de sangue. Yohan lambeu os lábios e disse:

   — Obrigado pela comida que você preparou.

   Uma espessa linha de sangue desceu da ferida. Valentine, que tocou sua bochecha com os dedos, inclinou os olhos. Então respondeu com uma leve risada, como se estivesse satisfeito por Yohan ter comido de alguma forma.

   — De nada, me avise se precisar de ajuda de novo.

 

***

 

   Como quando havia calor, a atmosfera ao redor dos dois flutuava entre os extremos do quente e do frio. Luxúria, obsessão, rejeição e desejo instável continuaram girando como uma cobra mordendo o rabo. Aos olhos dos funcionários da mansão, eles até pareciam estar tentando o tempo todo irritar um ao outro, das formas mais criativas possíveis.

   Talvez Valentine não tivesse a intenção de fazer isso, mas pelo menos, aos olhos dos outros, o próprio Yohan tinha essa intenção até certo ponto. Os funcionários ficavam nervosos ao vê-los juntos. Na maioria das vezes, eles apenas trocavam palavras sarcásticas, mas às vezes via-se sangue escorrendo.

   Porém, os dois sempre faziam sexo à noite. Yohan resistia no início, mas no final sempre acabava ofegando embaixo de Valentine, enquanto ainda o xingava. Era um relacionamento que não poderia ser emocionalmente bom. À medida que esses dias avançavam, a noção de tempo foi se distorcendo e tudo tornou-se ambíguo, como se apenas os dois vivessem separados, em mundos diferentes.

   — Já acordado?

   Enquanto Yohan descia as escadas, Joey, que estava dando instruções às pessoas no primeiro andar, aproximou-se dele. Eles estavam ocupados limpando. Yohan olhou em volta e sorriu confuso.

   — Vejo que você está ocupado.

   — Não senhor. Precisa de algo?

   Ele geralmente nunca descia ao primeiro andar nessa hora, então Joey ficou um pouco confuso. Yohan tirou o cabelo dos olhos.  Sua testa reta e pálida revelou-se por um momento e depois desapareceu sob o cabelo desgrenhado.

   — Não é nada… é que meu cabelo está muito comprido e eu gostaria de cortá-lo. Ao ouvir seu pedido, Joey assentiu e disse:

   — Vou ligar para um cabeleireiro. Você está pensando em tingir, fazer permanente ou qualquer outra coisa?

   — Não, nada especial. Eu só quero cortar meu cabelo.

   — Bem, então vou garantir que ele corte seu cabelo logo depois do almoço.

   — Obrigado.

   Yohan, que sempre foi sensato e educado, a menos que seu oponente fosse Valentine, agradeceu a Joey por sua gentileza. Joey sorriu para ele também. Pouco depois do almoço, o barbeiro chegou à mansão. O homem de ascendência asiática era um jovem bonito e entusiasmado. Olhando para sua expressão confiante, você poderia dizer que ele tinha muitas habilidades. O barbeiro sentou Yohan em frente ao espelho da sala, oferecendo algumas sugestões com entusiasmo.

    — Seria legal virar o cabelo para a direita e cortar no estilo regente. Ou acho que seria conveniente cortar um pouco o comprimento e tentar um corte mais viril. É uma tendência mundial, e pode ser um pouco chato manter com pomada, mas os traços do seu rosto são lindos, então… .

   — Só quero que seja curto, por favor.

   — Curto?

   — Sim, não tenho tempo para cuidar do meu cabelo. E se for muito longo, isso me incomoda.

   O cabeleireiro murmurou e fez uma expressão de pesar, mas logo sorriu e segurou a tesoura.

   — Vou deixar seu cabelo bonito, você só vai precisar sacudi-lo.

   — Obrigado.

   Cada vez que o barbeiro movia a mão, ele cortava uma mechas do cabelo. Yohan olhou para as mechas de cabelo castanho que caíam sobre seus ombros e exalou um suspiro curto.

    O corte de cabelo durou menos de uma hora. No espelho refletia-se a imagem de um homem de cabelos curtos, que parecia um soldado profissional. Yohan balançou a cabeça sem jeito e se olhou no espelho. Foi a primeira vez que Yohan, que sempre manteve o cabelo num certo comprimento, tentou um corte assim.

   — Você gostou?

   — Sim, eu gostei. Obrigado.

   Depois que o barbeiro saiu, Yohan se olhou novamente no espelho. Então ele abriu a palma da mão e passou-a na cabeça. Seu cabelo ainda parecia macio, mas se ele o penteasse para trás, parecia áspero.

   Seu rosto pálido e abatido não era atraente aos olhos, mas era uma grande melhoria em comparação com o cabelo comprido, que o fazia parecer um louco sombrio. Yohan sorriu sem jeito para o espelho, sentindo-se revigorado depois de muito tempo. Como seu dia a dia era entediante, ele se sentiu um pouco revigorado, com algo tão básico como um corte de cabelo.

   Os funcionários da mansão, aparentemente foram instruídos por Valentine, a nunca falaram com Yohan. Mas hoje, eles estavam elogiando-o, dizendo que seu cabelo o deixava mais bonito. Na verdade, o dia passou, sem que ocorresse outro acontecimento memorável.

   Depois de jantar mais cedo do que de costume, Yohan ficou em sua sala de home theater e assistiu a um filme. Passar o dia descansando foi muito mais difícil do que pensava. Era porque ele não tinha nada em que focar, então se ele fosse um pouco descuidado, pensamentos inúteis invadiriam sua cabeça. Nesse sentido, o cinema sempre foi uma forma muito adequada de escapar dos seus pensamentos mais complicados.

   Mas mesmo agora, sinto que estou no limite…

   Yohan saiu da sala, pressionando com força os olhos latejantes. Como os filmes que assistia estavam confusos em sua cabeça, ele não se lembrava de nada particularmente memorável. Mas em vez de ir para o quarto, foi para a sala de jantar. Um funcionário que estava lá o cumprimentou com um sorriso amigável.

   — Precisa de algo?

   — Você tem bebida? Eu queria algo um pouco forte.

   —Licor….  — murmurou o funcionário, um pouco confuso, com o pedido de Yohan. Mas ele apenas sorriu e disse, entendendo claramente o que o homem estava pensando.

    — Não quero beber para ficar bêbado e causar problemas. É que estou com dificuldade em adormecer.

   Recentemente, Valentine esteve ocupado novamente. Ele disse que precisava organizar alguma coisa. Yohan pensou ter ouvido ele dizer algo sobre isso, mas não se lembrava bem porque havia ignorado completamente. Independentemente das circunstâncias de Valentine, Yohan não conseguia dormir sem ele. Então pensou que o melhor era pegar emprestado o poder do álcool.

   — Você gostaria que eu lhe servisse a mesma coisa que o Sr. Lindbergh costuma beber?

   — Qualquer coisa estaria bem. 

    Yohan respondeu, e a mulher desapareceu pela porta da sala de jantar. Ela parecia ter ido a uma adega onde o álcool era armazenado. E como se a ideia de Yohan não estivesse errada, a mulher reapareceu com uma garrafa na mão. Era o famoso Royal Salute, o favorito da Rainha Elizabeth II, e era um produto com 50 anos, o que o tornava ainda mais raro.

   — Obrigado.

   Depois de pegar a garrafa Yohan, foi em direção ao quarto, subindo as escadas com uma bandeja na mão. Cada vez que ele se movia, o líquido âmbar brilhava dentro da garrafa.

*

 

   Assim que saiu do banho, bebeu o uísque. O licor forte, mas suave, que deslizou em sua garganta, elevou instantaneamente sua temperatura por dentro. Depois de vários drinques consecutivos, Yohan ficou de pé cambaleando. Recentemente, ele foi forçado a comer graças a Valentine, mas seu corpo, que estava mais fraco do que antes, ficou bêbado muito mais rápido.

   — …Hum.

   Yohan afundou na beira da cama sem demora. Seus olhos se fecharam lentamente e sua visão escureceu em um instante e assim, acabou mais um dia em que ele não conseguia encontrar nenhum sentido para sua vida.

   Yohan, que havia desmaiado por causa da embriaguez, foi acordado pela insônia devido à sede insuportável.

   — Uh….

   Até a raíz da sua língua parecia seca, Yohan apertou a barriga e gemeu. Ele sentiu que precisava se levantar e beber água, mas foi difícil porque seu corpo estava desmoronado. Então não havia nada que ele pudesse fazer a não ser se encolher e gemer como um inseto.

   Reeenk.

   O leve som da porta sendo empurrada foi ouvido. Era um ruído fraco, difícil de perceber, mas como o ambiente estava tão silencioso, o zumbido soou com mais clareza do que o normal. E sentindo que a presença estava cada vez mais próxima, Yohan parou de se mover instintivamente.

  Foi fácil determinar a identidade da pessoa que o visitava naquele momento e os feromônios que envolviam sutilmente seu corpo eram a prova disso.

  Considerando a melhor forma de proceder, Yohan fechou os olhos e fingiu estar dormindo. Se ele percebesse que estava acordado, provavelmente eles acabariam fazendo sexo ou discutindo. Tudo o que queria era que o homem fosse embora do mesmo jeito que veio.

   Porém, o movimento que parou na frente da cama não voltou a mover nem um centímetro depois disso. Yohan manteve os olhos fechados, mas todos os seus nervos estavam concentrados em Valentine, que estava olhando para ele. Sua respiração estava perturbada e sua saliva acumulada sob sua língua. Ele podia sentir Valentine puxando o banquinho e sentando ao lado da cama. Por favor, saia daqui. Yohan engoliu em seco, com a respiração ofegante, fechando o punho sob o lençol. Ele estava chegando perto do limite.

    — …Yohan.

   Então, com uma voz sussurrante tão pequena quanto um suspiro, um dedo cuidadoso tocou sua cabeça. Yohan, que quase abriu os olhos num momento de surpresa, conseguiu reprimir o movimento. Como se hesitasse, os dedos restantes moveram-se lentamente ao longo de seu cabelo curto.

   Eu deveria… abrir os olhos.

   Era tarde demais para se arrepender. Yohan cerrou os dentes em um esforço para relaxar ao máximo os músculos faciais trêmulos. Ele estava nervoso porque mesmo com os olhos fechados, sentia o toque  cuidadoso de Valentine que parecia querer alisar seu cabelo. Enquanto isso, o interior das palmas de suas mãos que normalmente não suavam, ficou úmida.

  Depois de um tempo, o dedo que estava vagando por seu rosto se afastou e em seu lugar algo quente foi levemente pressionado em sua testa. A carne macia, com temperatura um pouco mais quente que o normal, era sem dúvida seus lábios, seu coração bateu forte e ele estremeceu com o toque repentino e sua pele, com nervos à flor da pele, formigou.

   Os lábios dele se afastaram rapidamente, mas Yohan percebeu que Valentine ainda estava olhando para ele, que agora estava completamente livre dos efeitos do álcool e há muito havia perdido a noção do tempo. Yohan não conseguia nem dizer se apenas um segundo, um minuto ou um período de tempo um pouco mais longo havia passado.

   Estar ciente de apenas uma presença no meio da escuridão, como se estivessem isolados do mundo em seu próprio universo, bloqueado até mesmo da visão. Todos os sentidos do seu corpo estavam agitados para descobrir que tipo de expressão Valentine tinha agora e que tipo de olhar ele tinha. Isso atormentou Yohan.

   —….

   Mas felizmente, com o passar do tempo, ele se sentiu mais cansado. Em meio a uma sensação de extrema sonolência, sua mente, que havia sido dominada pela tensão, gradualmente ficou tranquila. Sua expressão rígida relaxou gradualmente e seus ombros tensos perderam força, ele não tinha certeza se Valentine ainda estava no quarto ou se já havia saído, mas Yohan caiu inconsciente novamente 

   E quando Yohan, que havia adormecido sem perceber, abriu os olhos surpreso, já era de manhã. O assento ao lado da cama estava frio, mas todo o seu corpo ainda estava cercado por feromônios suaves. Yohan olhou para o teto alto e suspirou.

   Ele sabia que Valentine às vezes olhava para ele daquele jeito e o tocava gentilmente. Isso porque as vezes mesmo dormindo podia sentir o toque gentil. Sempre que sentia aqueles olhos olhando para ele no meio de seus sonhos, ele sentia uma dor no peito.

   Valentine parecia aproveitar esses momentos para amar Yohan, sem sua interferência. Um toque terno, uma confissão que ele às vezes sussurrava em seu ouvido, um beijo quente e cuidadoso… Tudo isso fazia o coração de Yohan disparar. Depois disso, tudo o que lhe restava era a insônia, provocada pelas batidas do seu coração desesperado.

   Yohan soltou um longo suspiro novamente e fechou os olhos. As pálpebras cobertas pelas costas da mão estavam mais quentes que o normal. Foi frustrante sentir como seu coração estava congestionado, se misturando com diversas camadas de pensamentos, como se fosse um novelo emaranhado.

   …Se eu tivesse feito apenas uma coisa. 

   Então, as coisas não seriam tão complicadas como agora. 

   Enquanto ponderava sobre isso, num humor miserável, o som fraco dos pássaros chegou aos ouvidos de Yohan.

   E mais uma vez, a manhã estava se iluminando.”

 

***

 

  Era quase meia-noite quando Valentine, que há dias não aparecia na mansão, irrompeu de repente no quarto. Yohan que estava sentado no parapeito da janela fumando um cigarro que conseguiu persuadindo e ameaçando Joey, virou-se surpreso ao ouvir um baralho.

  —…você ainda não está dormindo.

  Valentine, que parecia estranhamente desgrenhado, estava inclinado obliquamente perto da porta. Várias mechas de seu cabelo, penteado com pomada, estavam espalhadas pela testa e seu blazer estava aberto na frente. Yohan, que inalou a fumaça do cigarro e soprou pela janela, franziu a testa e perguntou.

   — Você andou bebendo?

   Valentine se aproximou de Yohan, sorrindo amplamente. Yohan esfregou o cigarro no cinzeiro e se afastou dele, diante de sua flagrante rejeição, Valentine riu e então, gentilmente acenou com a cabeça: — Bebi um pouco.

   — Se você está bêbado, vá dormir.

   — Você é… muito frio.

  Valentine, que assim como Yohan, apoiou a bunda no parapeito da janela, virou-se e sorriu com os olhos entreabertos. O cheiro de álcool foi sentido com maior intensidade à medida que ele se aproximava. Então, ele balançou a cabeça algumas vezes, como se estivesse tendo dificuldade em recuperar o juízo, e perguntou a Yohan com uma voz arrastada.

   — O que tem feito esses dias? Você comeu bem?

   A expressão de Yohan mudou abruptamente, pois ele sentiu que Valentine estava agindo como se eles tivessem se visto pela primeira vez em muito tempo, a sabia que não havia nada mais patético do que lidar sinceramente com um cara bêbado, mas não pôde deixar de responder.

   — Você provavelmente já ouviu tudo, então por que finge que não sabe?

   — Isso mesmo. Mas…

   Yohan não estava familiarizado com o tom trêmulo na voz de Valentine, embora já o tivesse visto bêbado várias vezes antes. Yohan levantou a cabeça, alisando o cabelo curto para trás.

   — Como você pode ver, estou bem. Exceto pelo fato de que estou preso e não posso sair desta maldita casa.

   — Ah.

   Valentine balançou os ombros e sorriu, como se as palavras de Yohan fossem engraçadas. Ele parecia tolo, mas ao mesmo tempo parecia relaxado. A tensão que havia existido entre eles recentemente não estava mais presente. Yohan percebeu isso e inconscientemente relaxou os ombros. Quando Valentine, que ria descontroladamente, levantou a cabeça, um brilho surgiu em seus olhos azuis, e Yohan se viu inadvertidamente atraído por isso.

   — …Ah!

   Valentine, que diminuiu a distância em um instante dando um grande passo, agarrou Yohan e o levantou. Yohan cambaleou e caiu nos braços de Valentine que abraçou com força as costas delgadas, e se aproximou da cama, segurando ele nos braços. Num instante chegaram à cama e os dois caíram no colchão macio.

  — Ah Merda … .

   Yohan, que foi pego de surpresa por Valentine, soltou um pequeno gemido sob o peso que pressionava todo o seu corpo. Os feromônios de Valentine, com uma mistura de cheiro de vento frio e o cheiro forte de álcool, tocaram a ponta de seu nariz.

   — O que você está fazendo de repente?

   Yohan tentou empurrar Valentine, mas ele se manteve firme e quanto mais ele tentava escapar de seu corpo pesado, mais forte se tornava o braço que o segurava.

   — Seu merda! Pare… Me solte!

   Como se não tivesse ouvido a recusa de Yohan, Valentine continuou a acariciar sua bochecha repetidamente. E então, ele deslizou a mão por baixo da blusa do outro e acariciou suas costas. Irritado, Yohan bateu no ombro de Valentine, mas não conseguiu machucá-lo nem um pouco, mesmo estando bêbado, e assim que Valentine sorriu, seu peito tremeu. Foi quando Yohan abriu a boca para protestar.

   — Lindo.

   —… 

   — Você é tão lindo. 

   Ao ouvir suas palavras inesperadas, o rosto de Yohan endureceu. Valentine o abraçou com força e sussurrou a mesma coisa em seu ouvido novamente. Yohan tentou afastá-lo, mas estranhamente ele não conseguia se mover, uma dor aguda, como se alguém estivesse apertando seu coração, espalhou-se fortemente por seu peito.

   — Yohan. 

   Valentine levantou a cabeça e estreitou os olhos enquanto olhava para o rosto de Yohan bem  na sua frente. Uma voz doce fluiu por seus lábios, que estavam mais vermelhos do que nunca.

   — Yohan.

   —….

   — Yohan… 

   — Pare com isso…

   — Você não pode ser legal comigo também? — Sussurrou Valentine, que cortou as palavras de Yohan, enquanto esfregava a ponta de seu nariz. Yohan parou por um momento e então começou a rir, mas Valentine fez a mesma pergunta novamente, com um rosto sério.  — Você não pode?

   — Se você sabe a resposta, por que está me perguntando?

   Valentine estreitou as sobrancelhas como se estivesse ponderando as palavras, e depois assentiu gentilmente. Com a cabeça baixa, ele deu um aperto brincalhão na bochecha de Yohan com a ponta do nariz. A distância em que suas respirações foram trocadas era muito próxima. Quando Yohan tentou virar a cabeça, Valentine segurou sua bochecha suavemente e disse.

   — Eu sei.

   —….

   — Como posso não saber?

   — Então por que você pergunta? Saia de cima de mim.

   — E se eu jogar fora tudo o que tenho? 

   —….

   — Você me aceitaria?

   Enquanto ele perguntava com cuidado, seus dedos frios tocaram o queixo dele. Yohan não escondeu seu cinismo, ele olhou diretamente para Valentine com um sorriso desagradável na boca. Seus olhos, que tremiam um pouco há pouco, estavam claros, sem qualquer tremor.

   — Essa é uma pergunta sem sentido.

   —….

   — Você sabe melhor do que ninguém que não pode fazer isso.

   Valentine não contradisse esse comentário. Em vez disso, os lábios de Yohan foram levemente tocados com as pontas dos dedos. Yohan, que desistiu de empurrar Valentine, relaxou o corpo. Então, Valentine, que já tocava seu rosto há muito tempo, respondeu tardiamente.

   — Você tem razão, Yohan.

   Era a resposta que ele esperava, mas não pôde deixar de se sentir vazio. Era como se o homem estivesse dizendo a ele que não tinha intenção de desistir de nada. E não é que ele não tivesse consciência de seu egoísmo, mas ainda assim não pôde deixar de sorrir amargamente.

   Ele achava que não tinha mais expectativas, mas parecia ter inconscientemente acreditado nas palavras de Valentine, quando lhe disse que jogaria tudo por terra para estar com ele. Mas as palavras que se seguiram imediatamente interromperam os pensamentos de Yohan.

   — No começo pensei a mesma coisa. Achei que não havia como segurar você sem isso. — Seus olhos azuis afundaram profundamente e brilharam fracamente na escuridão. E quando Yohan ergueu os olhos silenciosamente, Valentine sorriu e colocou os lábios em volta do pescoço dele, uma pequena voz murmurada perfurou sua pele. — Eu sou egoísta e sou terrível para você.

   — …Sim. Você é um bastardo terrível e egoísta.

   — Mas Yohan, agora eu sei.

   —….

   — O fato de que se eu não arriscar tudo, não terei chance. É por isso que continuarei lutando, mesmo que seja tarde demais.

   A voz, que murmurava como um monólogo, soava incrivelmente clara, como se não pertencesse a um bêbado. E antes que ele pudesse perguntar sobre o significado de suas palavras, Valentine beijou Yohan gentilmente. Foi apenas um instante, mas seus lábios formigaram como se o calor persistisse, fazendo-o estreitar os olhos.

   — Yohan. Porque você…. é tão lindo?

   Seu absurdo começou novamente. Seus lábios quentes pressionaram as pálpebras de Yohan e sua língua vermelha, levemente pronunciada, esfregou suavemente seus cílios como se quisesse apenas brincar um pouco com eles. Yohan encolheu ligeiramente os ombros e ficou rígido como se tivesse sido apanhado numa armadilha.

   — …Uh.

  Os lábios que desciam pela ponta do nariz sem qualquer interrupção foram colocados de volta nos lábios de Yohan. Valentine chupou os lábios dele e os separou ligeiramente com a língua. Os dedos de Yohan flexionaram com o movimento que despertou seus sentidos imediatamente.

   — Você poderia dizer que é impossível, mas…  — Valentine murmurou sem clareza, mordendo seu lábio. A palma da mão, que estava mais quente que o normal, envolveu completamente a bochecha de Yohan, então ele colocou a testa na testa de Yohan e disse, sorrindo obliquamente. — Você não pode me amar?

   Foi um absurdo. Tinham que dizer a ele para parar de falar tantas bobagens. Porém, o cheiro de álcool, misturado ao seu hálito quente, parecia ter paralisado a cabeça de Yohan. Ele permaneceu em silêncio, exalando apenas um pequeno suspiro sob a sombra de Valentine.

   Os feromônios que o bêbado não conseguia controlar adequadamente eram mais intensos que o normal. Era óbvio que a razão pela qual seu cérebro estava entorpecido e seu coração sangrando foi por causa dos feromônios que eram difíceis de resistir. Yohan tentou se apegar a esse pensamento.

   — Me ame, Yohan.

   Mas seu peito estava apertado, a respiração estava sufocada, e ele não podia atribuir o sentimento que parecia que ia fazer seu coração explodir apenas aos feromônios. Quando Yohan fechou os lábios, Valentine os acariciou suavemente com a língua como se estivesse pedindo para eles abri-los, então finalmente, quando se abriram um pouco, Valentine riu baixinho. Com os lábios que se aproximavam para um beijo, os olhos sem vontade de resistir se fecharam suavemente.

   Yohan continuou tentando escapar de seu estado confuso, até o momento em que Valentine enfiou a língua profundamente em sua boca.

 

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Continua…

 

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