Beijo do inferno - Capítulo 42

   Yohan gemeu e amaldiçoou. Ainda ontem, uma temperatura corporal quente estava ao seu alcance. Seus olhos olhavam apaixonadamente para ele, como se fosse adorável, e seus lábios sussurraram ternamente. Mas aquela impressionante estabilidade desapareceu repentinamente e Yohan ficou sozinho de novo.

   Ele se lembrou da última vez que olhou para Valentine, pouco antes das portas do elevador se fecharem. A figura alta e solidificada parecia ter se quebrado em pedaços..

     Valentine foi a primeira salvação que Yohan experimentou, foi paixão, amor, desespero e, no final, tornou-se uma esperança frágil. E agora… ele simplesmente não sabia como defini-lo. A única coisa que sabia era que toda vez que pensava nele, a dor em seu coração se intensificava. Seu estômago, que já havia vomitado tudo, começou a revirar novamente, e seu coração batia com força descontrolada.

   A contradição de lembrar de Valentine enquanto odiava os Lindbergh era insuportável. Para acalmar a queimação em seus olhos, Yohan teve que sufocar a respiração trêmula na garganta repetidas vezes. E então, ele baixou as pálpebras com as bochechas enterradas profundamente em um travesseiro fofo. Com isso a escuridão fria pousou sobre seus ombros magros.

***

    Embora não achasse que conseguiria adormecer devido à confusão em sua cabeça, Yohan dormiu um pouco depois de se deitar, talvez devido ao esgotamento mental que havia ultrapassado seus limites. E depois de praticamente desmaiar de exaustão, de repente ele abriu os olhos.

 — Ugh…

   O quarto com cortinas blackout estava escuro e terrivelmente silencioso. Yohan, que não conseguia entender a situação em que se encontrava naquele momento, lentamente começou a recuperar a consciência. Embora tivesse vomitado, ele ainda se sentia cheio e seu cabelo ainda estava molhado. Diante de uma sensação de fraqueza, involuntariamente lembrou-se do rosto de um homem. 

   …Valentine.

   Pensando nele, seu coração bateu forte como se tivesse sido esfaqueado com a ponta de uma faca afiada. Yohan ficou deitado indefeso na cama, pressionando suavemente os olhos com as costas da mão. Mesmo esperando que o que aconteceu ontem fosse um sonho, vendo que nada havia mudado, a cruel realidade parecia ser mais assustadora do que um pesadelo.  

   E agora o que devo fazer?

   Enquanto pensava profundamente, ouviu o som da porta se abrindo. Ao ouvir alguém entrar, ele estremeceu e ergueu a parte superior do corpo. Uma longa luz brilhou no carpete do quarto escuro. Um homem alto segurava a maçaneta, ao vê-lo, seu coração reagiu, antes de sua cabeça. E embora soubesse que não poderia ser, Yohan abriu a boca sem perceber.

   — ….Valentine.

   Ao ouvir as palavras de Yohan, o homem parou por um momento e depois entrou lentamente. E em resposta a Yohan ele exclamou brevemente: —Ah…. Lamento desapontá-lo, mas sou eu.

   — Joseph ….

   Yohan ficou paralisado com o aparecimento de um personagem completamente inesperado. Ao olhar fixamente para Joseph, ele reagiu um pouco tarde e tentou sair da cama.

   — Está bem.  Fique aí. —  Disse Joseph, que o impediu de se levantar e pegou um banquinho que estava próximo à parede e colocou ao lado da cama.

  Yohan nem sequer tentou perguntar por que ele estava ali, foi fácil assumir isso sem ter que perguntar. Ele pensou que, como Malissa era prima de Joseph, ela certamente lhe telefonou e contou tudo o que havia acontecido na noite passada.

   Yohan se lembrou da última vez que viu Joseph. Depois de rejeitar sua confissão, os dois nem sequer voltaram a se contatar. Pensou que seria a última vez que o veria….  Enquanto Joseph olhava para o teimoso Yohan, ele sentou-se no banquinho, o homem colocou os cotovelos sobre os joelhos em uma posição relaxada, seus olhos se encontraram na mesma altura, e Joseph, percebendo o nervosismo de Yohan, abriu a boca.

   — Malissa fez um estardalhaço, como se algo muito sério tivesse acontecido. Quando a vir, lembrarei que o que ela disse foi um exagero.

   Joseph, que inclinou a cabeça como se estivesse tentando clarear a mente, olhou incisivamente para Yohan. Ele olhou para o cabelo, que certamente estava uma bagunça, para o rosto inchado e para uma camiseta Nike folgada e amassada que não lhe caía direito. Yohan poderia dizer qual era sua aparência sem precisar perguntar. O sorriso torto de Joseph tornou-se mais profundo.

   — Bem, na verdade eu estava um pouco curioso.

   —….

   — Aos seus olhos, talvez eu pareça um cachorrinho que vem correndo quando chamado.

    Os olhos manchados de vergonha e culpa tremeram ligeiramente. Ao ver isso, Joseph se levantou da cadeira com um rosto desinteressado. Em seguida, ele se aproximou da janela e puxou a cortina sem aviso prévio. Quando a luz brilhante encheu o quarto em um instante, Yohan virou a cabeça. Um pequeno gemido escapou por seus lábios ressecados, olhando para Yohan, que mal conseguia abrir os olhos, Joseph soltou um suspiro curto.

   —…mas agora que te vejo, meu sarcasmo desaparece. Levante-se.

   — O que?  

   Disse Yohan que ainda estava carrancudo diante da luz ofuscante, mas Joseph respondeu em um tom incomum.

    —Vou te levar para minha casa.

   Com as palavras inesperadas, o rosto de Yohan ficou em branco. Ele balançou a cabeça e disse depois de um momento.

    — Você não precisa fazer isso.

   Joseph riu como se esperasse aquela resposta.

  — Nossa, você acha que é hora de mostrar seu orgulho? — A declaração brutal apunhalou o coração dele. Mas apesar da hostilidade em seu olhar, Joseph falou brincando com uma voz risonha.  — Estava curioso para saber o quão bem você ia se sair com toda essa pose de está tudo bem, mas honestamente, é engraçado.

    Foi um comentário simples, mas irrefutável. E quando viu que Yohan enrijeceu e não conseguiu responder, Joseph saiu do quarto balançando a cabeça.

   — Mas primeiro lave o rosto. — Ele disse, enquanto segurava a maçaneta e apontava o dedo para o rosto de Yohan. Seus lábios se curvaram zombeteiramente. — Porque você babou.

***

    Mesmo que não tivesse para onde ir, era um absurdo ficar na casa de Joseph, ele não era tão sem vergonha assim. Mas Joseph era mais teimoso que Malissa e simplesmente sabia como fazer Yohan calar a boca e parar de protestar.

  ‘Posso adivinhar o que você está pensando, mas seja o que for, não é bem assim.’

   ‘O quê?’

   ‘Você se sente desconfortável porque ainda acha que tenho sentimentos por você?’

   Joseph riu maliciosamente, quando o esfaqueado Yohan não conseguiu lhe dar nenhuma resposta.

   ‘Não me interprete mal. Porque só cumprindo a noblesse oblige.’

   N/Rize: Noblesse oblige “nobreza obriga” é uma expressão francesa que significa que a nobreza vai além do mero direito, exigindo que as pessoas que possuem tal status cumpram responsabilidades sociais; o termo mantém o mesmo significado em inglês.

   ‘…Não entendo o que você quer dizer.’

   ‘Em outras palavras, é um conceito que significa que se deve ajudar amigos necessitados que perderam o lugar para ir no meio do inverno.’

  Vendo o rosto de Yohan ficar vermelho imediatamente, Joseph não pôde deixar de sorrir, com isso, Yohan não teve escolha senão ficar na casa de Joseph  Vários dias se passaram desde que começaram a convivência temporária, mas, apesar disso, eles ainda não tinham tido uma conversa adequada. E tudo por causa do mal súbito de Yohan, que ficava deitado o tempo todo devido às fortes dores causadas pelo estresse a que foi submetido.

   Joseph não podia cuidar de Yohan porque ele precisava trabalhar e, de qualquer forma, parecia se sentir culpado por ter que negligenciar um paciente doente. Quanto a Yohan, ele ficou apenas grato pelo favor incondicional de Joseph e sentiu mais vergonha do que gratidão.

   O homem não perguntou nada sobre a situação de Yohan e simplesmente o deixou ficar. A consideração de Joseph foi apreciada, mas desconfortável, e fez Yohan querer sair de casa o mais rápido possível. Embora ter que conseguir um emprego no futuro fosse lamentável, ele faria tudo ao seu alcance para conseguir um emprego que resolvesse seus problemas de moradia e alimentação.

   Não, na verdade ele não podia sequer pensar no seu futuro. E pensou que, de alguma forma, poderia seguir em frente quando chegasse a hora, assim como havia feito até agora. Essa foi a única esperança que o manteve em movimento.

   Click.

   A porta se abriu cautelosamente pela primeira vez desde a manhã. Yohan, que passou a noite toda doente e não conseguia dormir bem, acordou rapidamente, apesar do pequeno barulho. Exceto no primeiro dia em que deixou Valentine, ele não conseguiu dormir bem à noite.

   A razão foi que a insônia, que ele havia superado há muito tempo, voltou com mais força. E tudo porque ele se acostumou com coisas com as quais não deveria. Quanto tempo levarei para melhorar sozinho? Ele se perguntou, mas não houve resposta.

   —… Joseph, olá.

   Yohan, que empurrou seus pensamentos inúteis para o canto do cérebro, cumprimentou Joseph com uma voz rouca. Como já estava a caminho do trabalho, Joseph estava elegantemente vestido.

   — Como se sente?

   — Me sinto muito melhor.

  Joseph tocou a testa de Yohan sem dizer uma palavra. Mesmo tendo dito que estava bem, ele ainda estava com febre. Joseph franziu a testa e mordeu levemente os lábios.

    — Tem certeza que não quer ir para o hospital?

    — Sim… Ficarei bem depois de dormir.

   Se ele fosse ao hospital, Valentine poderia facilmente descobrir sua localização. Coisas assim eram possíveis para ele, sabia que não poderia evitá-lo para sempre, mas não tinha confiança para enfrentar Valentine agora. Não, ou talvez ele já soubesse onde eu estava, já sabia disso, mas talvez fosse possível que desta vez ele realmente tivesse desistido….  Yohan balançou a cabeça novamente, como se quisesse interromper seus pensamentos terríveis.

   — Estou muito bem.

   — Está bem então. Quando se levantar, aqueça a sopa e se alimente. Não se esqueça de tomar seus remédios depois de comer.

   — Sim… Obrigado.

   Ele sabia que não passava de um fardo vergonhoso para Joseph, mas estava muito grato por sua infinita bondade. Quanto maior era sua gratidão por Joseph, mais ele ficava envergonhado de si mesmo. Estava em péssimo estado e não conseguia nem ficar de pé direito sem a ajuda de alguém.

  Como posso compensar Joseph? Eu não tenho nada…

   Foi quando Yohan caiu em pensamentos impensados ​​que Joseph inclinou a cabeça e encostou o nariz na nuca dele. A ponta do do homem nariz estava perto de sua nuca, e sentir as cócegas da respiração na pele fez Yohan enrijecer. No entanto, Joseph se endireitou sem mudar a expressão e olhou para o relógio de pulso. Então, evitando deliberadamente o olhar de Yohan, ele disse casualmente: — Você, eu acho….

   — ….?

   — Acho que precisaremos de alguns inibidores.

   —… ah.

   Merda. Merda. Merda…

  Xingando internamente, Yohan cobriu os olhos com as costas da mão. Ele havia parado de tomar seus inibidores por alguns dias. Nesse momento, pensou que seria melhor morrer tendo ultrapassado os limites da sua vergonha. Não conseguia entender por que Joseph tinha que ser o único a perceber isso. No entanto, o homem simplesmente encolheu os ombros com um olhar indiferente.

    — Vou comprá-los mais tarde, depois do trabalho. Por enquanto, posso apenas comprar os que vendem na farmácia?

    — … Sim Sim. Por favor.

    — Certo. Então descanse. 

   Seu imbecil, porque não percebeu?

   Assim que a porta se fechou, Yohan cobriu a cabeça com um cobertor. Ele queria ficar assim e desaparecer.

***

  Finalmente, Yohan conseguiu se levantar depois de passar mais alguns dias doente. Ele não fez nada além de ficar na cama sem se mexer, mas o tempo passou voando. Mas enquanto estava na cama, tentou pensar o mínimo possível. E ao sair do quarto, depois de tomar um merecido banho, deu de cara com Joseph, que acabava de chegar do trabalho.

   —  Ah, vejo que você já acordou.

   Joseph ergueu as sobrancelhas como se fosse surpreendente que Yohan, que pensava que estaria sofrendo em seu quarto, estivesse fora da cama. Yohan sorriu sem jeito, esfregando as bochechas abatidas. Joseph tinha um saco de papel na mão, que parecia ter vindo de um restaurante, e depois de colocar a sacola na bancada da cozinha, ele encolheu os ombros e tirou o casaco.

   — Se sente melhor?

   — Sim…  Obrigado por tudo que você fez por mim até agora.

   — Que?

   — Eu te causei muitos problemas.

  Ao ouvi-lo, Joseph hesitou por um momento e olhou para ele. Percebendo como Yohan estava usando as roupas que usou no primeiro dia, sua expressão endureceu um pouco. Mas então ele voltou ao seu humor habitual e falou casualmente, enquanto desabotoava os botões dos punhos da camisa.

   — Primeiro devemos comer alguma coisa. Quer uma cerveja?

   — Uh?

   — Não. Você ainda está doente, então não deveria beber.

   — Joseph… 

   — Vou tomar um banho primeiro, então nós podemos conversar enquanto comemos.

   Joseph, que disse tudo o que tinha a dizer, entrou em seu quarto e então ouviu-se o som da água escorrendo no chuveiro. Yohan, que estava paralisado na sala, ficou confuso com a maneira lacônica com que Joseph havia falado com ele.  

   O menu do jantar foi sushi e salada. Os dois comeram silenciosamente o sushi, que estava recheado com ingredientes como salmão, abacate, atum e carne bovina. Mas Joseph só abriu a boca depois que mais da metade do sushi desapareceu, o que era muito para apenas duas pessoas.

    — Isso não combina com o seu gosto?

    — Hã? Não, é delicioso.

   Yohan, que estava mordiscando a comida desde que se sentou, balançou a cabeça e finalmente enfiou um grande rolinho de abacate na boca. Joseph sorriu levemente enquanto observava suas bochechas finas e pálidas incharem. Yohan sorriu também, enquanto mastigava o que estava em sua boca e passava pela garganta. Então Joseph cruzou os braços sobre a mesa e perguntou com calma.

    — Por que você trocou de roupa?

    — O que?

    — Onde você está indo?

    — Ah….

    Naquele momento você realmente achou que eu estava indo embora?

    Só então Yohan balançou a cabeça ao perceber por que Joseph estava agindo de forma tão estranha. Então, tentando suprimir seu constrangimento, ele respondeu suavemente com o rosto levemente corado.

    — Lamento desapontá-lo, Joseph, mas… posso ficar mais alguns dias?

    —….

    — Não troquei de roupa para ir embora, fiz isso porque é a única coisa que tenho para vestir.  E… se você não se importa, eu gostaria de usar a internet. Pretendo ir embora assim que encontrar um emprego. Não vou demorar muito.

   Quando ele ouviu as palavras, a tensão entre as sobrancelhas de Joseph diminuiu. Mas então, fingindo estar preocupado, ele fez uma pergunta a Yohan com os olhos semicerrados.

    — Quantos dias serão?

    Com isso, Yohan piscou, sem pensar profundamente.

    — Acho que talvez seja possível resolver isso em alguns dias. De qualquer forma, sinto muito por causar problemas.

    — Bem, acho que a essa altura, você não deveria se preocupar muito com o orgulho desnecessário.

    — O quê?

    — Porque você estar aqui realmente não é um incômodo, então, em vez de manter o orgulho sem sentido, pense de forma prática.

   Mesmo diante de conselhos diretos, Yohan não se irritou. Era inútil reagir a cada comentário de Joseph e, além disso, ele não estava particularmente errado em suas observações. Na verdade, ele ficou grato pela atitude de Joseph em não ser excessivamente atencioso. Receber compaixão indesejada era desagradável, mesmo que estivesse nessa situação. Em vez de reclamar, Yohan simplesmente aceitou suas palavras calmamente.

   — Você tem razão, Joseph. Não sei por que estou agindo ass. Mas estou numa situação em que não tenho ninguém além de você… 

   — Que?

   Incapaz de esconder sua expressão confusa, Joseph não pôde deixar de rir. Yohan sorriu para ele também. Então Joseph falou, com o rosto um pouco mais relaxado.

   — Se você quer dizer coisas desse tipo, então faça a barba primeiro. Não consigo olhar para você assim.

   — Hmm, sério?

   Yohan franziu a testa e colocou a mão no queixo. Mesmo antes de se manifestar como ômega, ele não costumava ter muitos pelos no corpo e, após sua manifestação, teve ainda menos. Porém, seu queixo estava um pouco áspero, pois ele não se barbeava há dias. Na verdade, se barbear não era o seu único problema. Depois de ver seu reflexo no espelho de relance, ele percebeu que estava com uma aparência horrível.

   — Eu realmente pareço tão mal?

   — Sim. Não sei se é porque você ficou trancado no quarto o tempo todo, mas você parece um vampiro sem cor.

    — Isso é porque… 

    — Então se você estiver se sentindo bem, vamos sair e tomar um pouco de ar fresco.

   Joseph também sugeriu que ele comesse um rolinho de carne. E Yohan, que piscou os olhos por um momento, acenou com a cabeça gentilmente. Nesse momento, um sorriso passou pelos olhos de Joseph.

***

   A dura opinião de Joseph de que ele parecia um maltrapilho forçou Yohan a tirar a roupa e pedir a sua emprestada. Yohan se olhou no espelho, vestindo um moletom grosso e jeans. Usar roupas maiores que seu tamanho o fazia se sentir muito pequeno, mas ele não parecia tão mal.

    Com um suspiro suave, Yohan puxou o capuz sobre a cabeça e vestiu um casaco. Assim que saiu do apartamento, Joseph, que o esperava no carro com antecedência, levantou a cabeça e gesticulou para que ele entrasse. Yohan se aproximou e puxou o capuz um pouco mais para baixo. Depois de ficar dias trancado em um quarto quente, com o ar frio entrando em contato com sua pele, ele se sentiu um pouco desconfortável.

   Embora tenham saído de casa, não tinham planos de ir a lugar nenhum. Sem um plano B, os dois seguiram para a Union Square, eles entraram em um cinema próximo e compraram ingressos para ver um filme adequado ao horário. Foi um filme de muito sucesso, equipado com muitas cenas de ação.

   No entanto, embora as cenas na tela fossem muito movimentadas, Yohan não conseguiu se concentrar no filme durante todo o tempo de execução. E a razão foi porque não conseguia parar de pensar em coisas ruins. Joseph, que deve ter percebido que Yohan estava distraído com outros pensamentos, fingiu não notar.

   Depois disso, seguiram para o East River, sem nenhum propósito específico. Sob o céu azul índigo, as luzes da rua alinhadas em fila iluminavam tudo com luzes laranja. O East River fluía silenciosamente com uma luz azul escura, e os arranha-céus ao longo da margem do rio brilhavam como vaga-lumes. Os dois caminharam lentamente pelo caminho silencioso. O céu noturno escuro, o ar acre e o silêncio constrangedor. Tudo foi um momento de paz.

   Era inevitável que Yohan pensasse em Valentine, dado o silêncio dos seus próprios pensamentos. Ele tentou não fazê-lo, mas era impossível enfrentar a onda de pensamentos que o invadia. Sempre que memórias aleatórias passavam por sua mente, seu coração queimava como se tivesse sido tocado por fogo.

   Para Yohan, Valentine era uma lembrança de dor, mas não era só isso. Foi porque na massa de emoções negativas misturadas com traição e raiva, emoções contraditórias foram florescendo aos poucos, como uma flor desabrochando em um depósito de lixo.

   Não se sabe desde quando, mas sempre que Yohan recuperava a consciência, encontrava olhos azuis fixos nele. No início, esse olhar o assustava, mas sem que percebesse, ele se tornou reconfortante. Nos braços de Valentine, Yohan sentia não tensão, mas tranquilidade. Os lábios que se aproximavam e a temperatura corporal… na verdade, ele não odiava. Ao perceber isso, sentiu-se envergonhado, mas, ao mesmo tempo, teve a cautelosa expectativa de que tudo ficaria bem do jeito que estava.

….E agora tudo isso desapareceu.

   Yohan balançou a cabeça, como se quisesse sacudir sua mente confusa.  Agora era Joseph quem estava ao seu lado. De alguma forma, era constrangedor estar com ele e pensar em Valentine.

   — E então…

   Joseph, que estava em silêncio há muito tempo, abriu a boca. E imediatamente, os pensamentos barulhentos de Yohan se dissiparam. Olhos dourados olharam para o rosto pálido de Yohan.

   — Você ainda não se recuperou completamente do resfriado. Acho que seria melhor voltarmos agora.

   — Oh não. Ainda não, eu estou bem. Vamos caminhar mais um pouco.

   Joseph, que parou de andar, olhou para Yohan. E como se estivesse chateado com alguma coisa, ele inclinou a cabeça em um ângulo, seus olhos estreitados. Um sorriso sutil apareceu em seus lábios curvados.

    — Se não é por causa de sua saúde, então a única razão pela qual você parece estar tão angustiado agora deve ser uma só.

    —…O que há de errado com meu rosto?

    — Você realmente não sabe e por isso pergunta?

    —….

    — Por mais idiota que isso possa parecer, não me sinto bem imaginando em quem você deve estar pensando com essa cara agora.

    Os olhos de Yohan, que foram pegos de surpresa, tremeram ligeiramente. Incapaz de evitar, ele desviou os olhos um pouco tarde. Seus longos cílios se moviam sutilmente e suas vibrações ficavam completamente expostas às luzes da rua. Diante da resposta óbvia de Yohan, seguida por um breve silêncio, a expressão de Joseph ficou visivelmente sombria.

    — Sinto muito, Joseph.

    — Se você sabe disso, porque sempre se desculpa…

   Uma mão estendida de repente agarrou o pulso de Yohan. Quando Yohan levantou a cabeça, com os olhos arregalados, o aperto em torno de seu casaco grosso aumentou um pouco. Joseph, que mordeu os lábios com raiva, respondeu lentamente.

   — Não faça as coisas para se arrepender depois.

   — …Tudo bem, eu já entendi. 

  Yohan assentiu lentamente, embora um pouco rígido. Isso encerrou a conversa. Então Joseph deu alguns passos à frente e Yohan o seguiu em silêncio. Para não continuar incomodando Joseph, ele se esforçou muito para não pensar em nada. Depois disso, os dois caminharam um pouco pela margem do rio, e logo voltaram para o carro quando o vento esfriou, ligaram o aquecedor e beberam chocolate quente como se suas línguas estivessem dormentes. Até que seus corpos voltassem à temperatura normal, eles mantiveram uma conversa trivial e riram de piadas bobas. Porém, a única coisa importante era evitar tacitamente falar sobre coisas desconfortáveis.

   Já passava da meia-noite quando eles voltaram para o apartamento. Joseph, que bocejou um pouco como se estivesse cansado, levou a palma da mão aos olhos.

   — Ah, merda. Não quero ir trabalhar amanhã.

   — Deve estar cansado. Não está se cansando muito por minha causa?

  — Está tudo bem. Faço isso porque eu quero.

  — Vá dormir.

   Yohan, que estava olhando para Joseph enquanto ele se afastava, chamou-o impulsivamente quando ele estava na metade do caminho.

   — Joseph.

   Joseph, que estava parado no meio da sala escura, virou a cabeça lentamente. E ao olhar para o par de olhos dourados que brilhavam na escuridão, Yohan soltou um pequeno suspiro. Era difícil tirar da boca o que ele estava pensando, mas ainda tinha algo a dizer.

   — Obrigado. Por tudo que você fez por mim…

   —….

   — E… também… eu realmente sinto muito.

   Nem valia a pena perguntar por que ele estava se desculpando. Como se entendesse as palavras de Yohan, Joseph não respondeu, mas imediatamente fez uma cara sorridente.

    — Sim. Eu entendo.

    —….

    — Você deve estar cansado, vá dormir.

   Mesmo depois que Joseph entrou no quarto, Yohan não conseguiu se mover por muito tempo. Parado no meio do corredor escuro com as luzes apagadas, ele esfregou as bochechas magras. Yohan não sabia se a bondade de Joseph para com ele era, como ele disse, simplesmente por compaixão ou por algum apego persistente. Contudo, neste último caso, preferiria que Joseph se esquecesse completamente disso. Era evidente que ele nunca seria capaz de aceitar seus sentimentos no futuro.

   Yohan teve que admitir isso. O fato de que ele não conseguia parar de pensar em Valentine. Como se o homem o tivesse enfeitiçado, conseguiu tomar conta de sua mente, sem que ele percebesse. Seja assistindo a um filme, conversando com Joseph ou caminhando à beira do rio, Yohan repassava em sua mente, quase obsessivamente, a cena em que vira Valentine pela última vez. Ele não conseguia se livrar dos olhos azuis que o fitavam.

    Estava frio e ele se sentia vazio. Não pode fazer nada naquele estado de letargia mental. Talvez Valentine sinta o mesmo agora? Yohan achou que era possível, porque eles se conheciam tão bem que também compartilhavam suas deficiências.

   A cada momento desde que deixou Valentine, Yohan percebeu que estava completamente sozinho. E quanto mais profunda a noite se tornava, as flutuações em seu coração aumentavam. De nada adiantava parar de pensar nele, mesmo quando ele prometia a si mesmo que não se deixaria levar pelos pensamentos. Uma mistura de ressentimento, ódio, raiva, saudade, perda, vazio e inúmeras outras emoções sem nome o levou a um estado de letargia sem fim.

   Inconscientemente, seu corpo perdeu força e ele deslizou pela parede. A escuridão pesava sobre seus ombros. Tremendo com o frio que penetrou todo o seu corpo, Yohan envolveu-se com os braços.

   Abrir seu coração para Valentine foi uma escolha dele e não podia culpar ninguém por isso. Mas se soubesse que isso iria acontecer, o teria rejeitado. Independentemente do fato de ele ser a única tábua de salvação em uma situação desesperadora, teria preferido desmaiar sozinho a suportar tanta dor. Se ele soubesse que cairia na contradição de odiá-lo e sentir falta dele ao mesmo tempo… ele nunca teria aberto seu coração para ele.

   — …Ah.

   Com uma dor surda se espalhando por seu peito, uma massa quente pressionou o interior de sua garganta. Para não chorar, Yohan respirou fundo e mordeu os lábios trêmulos. Estava tudo acabado, mas ainda havia um sentimento dentro dele.

   ‘Eu sei que não deveria ter esses sentimentos por você, mas isso não muda o fato de eu te amar.’

   —….

   Yohan baixou a cabeça com um sorriso de escárnio. Ele não queria admitir, mas seus sentimentos por Valentine pareciam estar misturados com um carinho que ele não conseguia apagar. Mas se isso era amor, se era algo tão contraditório a ponto de chamar assim… parecia que a única coisa que o mundo lhe reservava era a dor.

   É realmente possível sair desta maldita encruzilhada?

   Yohan balançou os ombros e apoiou a cabeça nos joelhos. A escuridão apertada entre seus joelhos imediatamente o cercou. Parecia que a noite nunca iria ter fim.

°

°

Continua…