A Tatuagem de Camélia - Capítulo 08
Em Shadroch, o café da manhã era geralmente um assunto simples, tratado nos próprios aposentos. Dadas as inúmeras festas do chá e banquetes a partir do almoço, tal cultura se desenvolveu naturalmente.
Entretanto, aqui era costume que o senhor, sua esposa e os cavaleiros fizessem as refeições juntos no salão de jantar.
Na cabeceira da mesa, apenas duas cadeiras foram colocadas para ela e Igmeyer. Abaixo, havia duas fileiras de mesas onde ajudantes e cavaleiros formais sentavam-se na fileira superior, e cavaleiros aprendizes ocupavam a inferior.
‘Na minha vida passada, quantas vezes sentei-me neste lugar?’
Duas vezes? Não, talvez três.
Embora ela não conseguisse lembrar o número exato, havia uma coisa da qual ela se lembrava vividamente. O dia em que ela se sentou pela primeira vez neste lugar, olhando para os cavaleiros.
‘Eu odiei tanto. Foi horrível.’
Mercenários que viraram cavaleiros, não eram bonitos, muito menos cheirosos, e nada adoráveis. Ao seu olhar juvenil, eles não pareciam nada mais que bárbaros.
Mas essa percepção mudou pouco antes de morrer.
Amber não conseguia esquecer os Cavaleiros Gigantes do Gelo lutando até a morte.
Mesmo que as cabeças de seus companheiros fossem despedaçadas, seus braços fossem arrancados e suas pernas fossem torcidas, eles não pararam de lutar. Eles lutaram até o fim para proteger este castelo.
Agora, Amber os respeita.
Mesmo que a mesma tragédia acontecesse novamente, ela queria mostrar cortesia àqueles que se sacrificariam voluntariamente.
‘É claro que, para evitar que tal tragédia aconteça novamente, devo matar Nidhogg desta vez…’
Mas isso não era algo que ela pudesse fazer.
Amber olhou silenciosamente para o prato na frente dela. Não porque a comida fosse desagradável, mas porque sua mente estava clara pela primeira vez em um tempo, e ela queria pensar mais.
‘Meu objetivo final é reencontrar meu filho e viver com ele nesta terra.’
Preciso pensar ao contrário e ser otimista.
Para conseguir isso, ela deve derrotar Nidhogg.
‘O motivo da derrota anterior pode ser atribuído à falta de cavaleiros de elite.’
Se os cavaleiros de elite, que estavam com Igmeyer desde longa data, não morrerem cedo, e se todas as forças aqui reunidas ainda estiverem vivas… eles podem ter uma chance de vencer.
‘Então, há cerca de quatro coisas que preciso fazer agora.’
‘Primeiro. Me aproximar mais do meu marido.’
‘Segundo. Administrar o castelo adequadamente para ganhar confiança.’
Pois quando ela falar sobre o evento que vai acontecer em três meses, essas duas coisas são cruciais para ganhar credibilidade.
‘Terceiro. Informar sobre a aparência e as fraquezas do novo tipo de monstro, a Raça fantasma.’
Que tal dizer que vi isso em um sonho?
Parece absurdo, mas não conseguia pensar em uma maneira melhor de expressar isso.
‘E quarto. Preparar itens práticos de combate para os cavaleiros resistirem ao rugido de Nidhogg.’
Felizmente, ela tinha alguns itens que podiam ser trocados por dinheiro.
Roupas bonitas e itens valiosos, qual a utilidade dessas coisas em Niflheim? Sobrevivência era a maior prioridade.
Amber queria criar itens para salvar as vidas dos cavaleiros, mesmo que isso significasse vender tudo o que ela tinha.
Comparado a antes da regressão, essa era uma mudança significativa.
Naquela época, ela se agarrava a tudo que tinha, temendo que sem isso, se perderia completamente. É por isso que ela estava tão ocupada se agarrando a tudo que tinha.
— Ficar olhando não fará com que a carne da pomba tartaruga caia magicamente do osso.
Naquele momento, Igmeyer falou inesperadamente com ela. Sua voz baixa e retumbante carregava uma risada reprimida.
Amber piscou lentamente, como se acordasse de um sonho. O hábito de estar completamente absorta em algo, alheia a todo o resto, parecia persistir mesmo depois de seu retorno.
— Acho que vamos precisar de um servo exclusivo para servir o jantar. Como não há um hoje, ficarei feliz em bancar o criado e servir você.
No momento fugaz em que ela pegou a faca, Igmeyer tirou o prato dela. Pega de surpresa, Amber teve que assistir ele destrinchar a carne habilmente.
Enquanto observava o homem, sentiu um olhar sobre ela.
Os cavaleiros aprendizes sentados na mesa inferior olhavam para ela e Igmeyer.
‘Oh, da perspectiva dos cavaleiros aprendizes, o homem é como uma figura celestial… Eu o tornei menos refinado ao fazer com que ele mesmo cortasse a carne.’
Percebendo algo, Amber estendeu a mão e pegou seu prato com cuidado.
— Eu farei isso.
— Mas já está feito.
— … Obrigada, mas farei isso na próxima vez. Não é como se eu não soubesse me servir.
Ela esperava que Igmeyer não a considerasse inútil.
Além disso, confiar nas palavras de alguém inútil não era uma boa escolha em Niflheim, onde ninguém acreditaria nela. Não era uma escolha agradável deixá-lo fazer tudo por ela.
— Hansen tem muitas habilidades, provavelmente não tão boas quanto aos chefes de cozinha que você tinha em Shadroch, mas ainda assim, dê uma chance a ele.
— Não acho que seja ruim.
Dadas as circunstâncias, antes de morrer, ela não podia nem sonhar em comer tal comida. Não era porque não havia um chef ou falta de ingredientes.
Igmeyer, que havia dado ordens para enviar todos os jovens cozinheiros para o campo de batalha, ainda deixou um cozinheiro idoso no castelo para preparar as refeições para ela. Agora, pensando nisso, deve ter sido consideração dele por ela estar grávida.
O problema era que o chef não gostava muito dela, então ele só fornecia refeições simples como batatas cozidas no vapor para cada refeição. Amber não disse nada sobre o tratamento. Mesmo em um mundo que havia desmoronado, ela não conseguia abrir mão da sua dignidade de princesa.
— ….. Está delicioso.
— Hansen ficaria satisfeito em ouvir isso.
Igmeyer sorriu e levantou sua taça de vinho. Amber olhou para ele brevemente antes de se concentrar em seu prato. De repente, diante daquele sorriso, algo quente dentro dela surgiu.
‘Você teria feito isso por mim naquela época? Se eu estivesse menos deprimida. E demonstrado uma leve vulnerabilidade e aceitado você…’
Mesmo sabendo que era inútil ficar pensando em eventos passados, seu nariz ardia. Amber lutou para controlar suas emoções e mastigou a carne que ele havia cortado.
Ela não tinha muito apetite, mas precisava comer para sobreviver
— … Eu não imaginei que você fosse gostar tanto.
Igmeyer, que estava olhando para o prato vazio, murmurou baixinho.
Após tomar um gole de vinho de baixo teor alcoólico como aperitivo e limpar a boca com um guardanapo, Amber finalmente fez contato visual com ele. Então, ela falou clara e firmemente.
— Estava uma delícia. De verdade.
— Fico feliz por isso.
— Sim. Tem um sabor realmente ótimo.
A expressão de Amber quebrou significativamente, pois seus olhos ligeiramente curvados para baixo e maçãs do rosto afundadas criaram um visual diferente.
O fugaz momento era como uma lua crescente dourada pairando sobre os picos das montanhas nevadas na noite escura, silenciando subitamente os sons do movimentado refeitório.
O barulho estridente que enchia o salão de jantar, onde o olhar dos cavaleiros aprendizes focavam o mestre e sua esposa, parou de repente.
Igmeyer examinou os cavaleiros com um olhar ameaçador.
‘O que vocês, crianças, estão espiando agora? Estão tão relaxados.’
Ele lançou um olhar severo para os cavaleiros que não conseguiam controlar os olhos e estavam tateando em volta da esposa de outra pessoa. A situação era relaxante o suficiente que eles pareciam paralisados, fazendo-os ousar.
Para que os cavaleiros não olhassem para ela, a solução era simples.
As estradas estavam intransitáveis devido à neve acumulada, e os moradores estavam reclamando da inconveniência. Adicionar um pouco de maldade e mandá-los limpar a neve não seria grande coisa.
— Quando você vai voltar para o acampamento militar?
A voz que trouxe a consciência de Igmeyer de volta de inventar vários cenários perversos em sua mente, foi a de Amber. Não era alta ou áspera. Seu tom não era gentil e afetuoso.
Era o tom indiferente típico de alguém nascido para governar. Se ele tivesse que apontar, era o tipo que Igmeyer desprezou a vida inteira.
Estranhamente, porém, Amber era uma exceção.
Ou melhor, ele poderia dizer que gostou.
Ela não se enfeitava. E não tentava parecer bonita. Até agora, Amber tinha sido sincera, direta e modesta.
Talvez seja por isso que Igmeyer a achou intrigante.
A primeira noite havia passado, e eles agora estavam entrelaçados como marido e mulher. Não era algo ruim ficar curioso sobre a parceira. Portanto, Igmeyer não tinha intenção de parar de conhecê-la.
— Igmeyer?
Ele queria ouvi-la chamar seu nome, então deliberadamente não respondeu anteriormente.
Somente depois que ela o chamou insistentemente, Igmeyer abriu a boca lentamente.
— Se você quer saber, eu deveria estar lá neste momento. 👀🤭
— …
— Mas meu corpo já está aqui, então o que posso fazer? 🥰🥰
Na verdade, Jean estava parado ali na entrada da sala de jantar com um olhar inquieto há um tempo. Igmeyer torceu seu corpo, ignorando-o completamente, e até mesmo virando as costas para a entrada.
Uma expressão de descrença apareceu no rosto de Amber, mas Igmeyer permaneceu descaradamente confiante.
Claro, Fenrir seria aquele com quem ele teria que lidar. Enquanto outros cavaleiros poderiam ter dificuldade para encontrar Fenrir, que poderia estar escondido em algum lugar, eles seriam incapazes de matá-lo sem deixar um arranhão na pele cara.
Uma pele perfurada só poderia render metade do seu valor, então lidar com monstros caros era mais prático para Igmeyer. Talvez fosse devido aos hábitos arraigados de sua vida como mercenário, embora ele tivesse se tornado o senhor de um vasto território. Pode ser difícil desistir de oportunidades de ganhar dinheiro.
Segundo a filosofia usual de Igmeyer, não há nada melhor que dinheiro neste mundo.
‘Ah, mas neste momento este não é o caso.’
O que ela come para ter uma pele tão clara?
Os pulsos dela são tão finos que ela provavelmente não consegue nem cortar uma pomba.
Engolindo tais pensamentos, Igmeyer olhou intensamente nos olhos rosados da princesa.
Ela parecia uma flor que ele já viu em algum lugar.
Ele não recordava o nome. Como não era algo que ele pudesse comer, não havia razão para lembrar.
Mas agora ele estava curioso sobre o nome daquela flor.
Sendo de Shadroch, ela provavelmente gosta de flores. A princesa iria querer se ele pegasse uma para ela?
Ou lamentaria que, em vez de ter tudo e qualquer coisa, ela recebeu apenas flores silvestres neste lugar?
Até que ele tentasse dar um presente a ela, não tinha como saber, mas por algum motivo, ele não achava que ela ficaria triste.
Na verdade, comparada à culinária luxuosa de Shadroch, a refeição não era grande coisa, mas ela gostou.
Isso foi realmente uma ocorrência inesperada.
— Você disse que me daria a pele de Fenrir. Para fazer isso, você tem que retornar ao acampamento militar, certo?
— Bem, eu preciso… mas. 🤏🏻🥹
Ele não entendia por que se sentia tão relutante em deixá-la.
Por que ele se sentia triste por não poder ver essa mulher?
‘No entanto, não posso levá-la para o lugar onde Fenrir está.’
Por que ele correu de volta para o castelo sem descansar, preocupado tanto com ela?
Agora, olhando para trás com uma mente clara, era uma situação ridícula.
A expressão da princesa era a mesma.
‘Eu devo estar louco.’
A princesa estava bem na frente dele, perfeitamente bem, sem nenhum ferimento, mas ele hesitava em deixá-la sozinha.
Depois de muita reflexão, Igmeyer decidiu desistir de entender essa súbita ansiedade de separação.
O sentimento de que ele tinha que ficar de olho nela parecia ser apenas uma ilusão. Era uma alucinação de um medo não fundamentado.
A sensação de que, se ele a deixasse sozinha, ela poderia desaparecer um dia, como areia que escorrega por entre seus dedos, era apenas outra ilusão.
Igmeyer se auto-repreendeu dessa maneira.
No entanto, o sentimento não desapareceu.
— Eu ainda não te guiei pelo castelo.
— Num momento como este, voltar ao acampamento militar é…
— Percebi que poderia ser uma boa oportunidade para mostrar as habilidades dos meus orgulhosos cavaleiros. Não se preocupe, retornarei em breve. Quero capturar Fenrir para você.
Diante da insistência de Igmeyer, Amber acabou fechando a boca.
Apesar de mais algumas tentativas de persuadi-lo, ele parecia absolutamente indisposto a deixar o castelo. Na verdade, quanto mais ela tentava pressioná-lo, mais determinado ele parecia a se sentar firmemente dentro dos muros do castelo. Amber decidiu que era melhor não dizer nada.
Afinal, ela não sabia nada sobre combate. Mesmo que ela não fosse uma criança, ele certamente lidaria com a tarefa de parar Fenrir sozinho.
Com esse julgamento, Amber se levantou primeiro e estendeu a mão. Ele a pegou e pressionou os lábios nas costas da sua mão.
— Ah, em momentos como esse, devo expressar minha gratidão por escoltá-la.
Igmeyer comentou em um tom brincalhão.
Sentindo-se muito, muito estranha, Amber caminhou pelo castelo com ele.
Igmeyer deixou o castelo cerca de duas horas depois.
O relatório do mordomo Huvern, que havia mandado Mariam sair do castelo, chegou por volta da noite.
No dia seguinte, Amber selecionou todas as meninas que se tornariam servas residentes. Ela escolheu mais uma garota para ser sua criada pessoal por ter a reputação de permanecer de boca fechada. O nome dela era Betty.
Embora Amber pudesse ter até cinco empregadas pessoais, ela selecionou apenas duas: Nora e Betty.
Isso porque ela teve que deixar algumas vagas, pois as empregadas estavam constantemente disputando essas posições e se envolvendo em competições sutis entre si.
Mais do que tudo, havia a necessidade de uma hierarquia entre as empregadas pessoais, mesmo entre aquelas que entravam primeiro e aquelas que chegavam depois.
‘Isso é cansativo.’
Em um momento, Amber, que havia assumido o controle do castelo, olhou para a neve acumulada e pensou brevemente em Igmeyer. A capa ainda estava com ela. Talvez ele estivesse sendo enterrado sob a neve que caía naquele vasto campo nevado.
Provavelmente era uma preocupação desnecessária, mas mesmo assim a incomodava.
Continua….
Tradução: Elisa Erzet