A Indulgência da Besta - Capítulo 02
O homem ali parado, como se estivesse envolto no véu da noite, não era outro senão Licht. Mesmo na escuridão, seus olhos roxos brilhavam misteriosamente, como uma joia que nunca mais existiria no mundo.
Ela observou o cabelo dele desgrenhado pelo vento carregando flocos de neve, a perfeição de suas sobrancelhas, a ponta reta de seu nariz e seus lábios vermelhos, e virou a cabeça, pensando que era uma miragem.
‘Ele percebeu?’
Olhando para seu rosto com fascinação…
A distância não era tão próxima, e até mesmo o contato visual poderia ser facilmente descartado como fruto da imaginação dela.
Claro, como uma paladina, ela havia aguçado seus sentidos ao limite e conseguia vê-lo claramente, até mesmo distinguindo os flocos de neve em seus cílios longos e elegantes, e Licht era um cardeal que também havia recebido tal treinamento.
‘… Devo fingir que não vi e ir cumprimentá-lo?’
Se ele estava se aventurado sair do acampamento naquela noite fria e escura, devia haver algo que precisava, e ela poderia ajudar.
Louise estava preocupada com o que tinha acontecido durante o dia… Para ele, Louise era apenas uma das paladinas do templo, e ao contrário das suas preocupações, ele pode não ter pensado muito sobre isso. Essa foi a conclusão a que chegou após estar ocupada o dia todo.
Ou mesmo se Licht já a tivesse desprezado, ela não poderia se afastar dele. Ela não ousaria.
Após se decidir, Louise virou lentamente e verificou uma última vez se havia algum odor desagradável vindo da camisa do seu uniforme. Se cheirasse a suor, ela precisava manter alguma distância durante a conversa.
‘Acho que está tudo bem.’
Após alisar as partes amassadas, endireitá-las e sacudir a poeira, Louise respirou fundo e se virou na direção onde ele estava.
— Ah, é…!
Em vez de dar passos para frente, Louise rapidamente firmou seu corpo. Antes que percebesse, Licht de alguma forma parecia tão perto que dava a alusão que ele estava estendendo a mão para agarrá-la.
Louise, envergonhada demais para se importar com o fato de não o ter notado até ele chegar tão perto.
— Pensei que você estava prestes a sair novamente, então tentei impedi-la.
Ele afastou a mão, que tocava Louise, e sorriu como se estivesse envergonhado.
— Eu cometi um erro, não foi? Afinal, não há como escapar de mim.
Louise se sentiu ainda mais envergonhada com suas palavras.
— É natural, por que eu iria evitar você?
— Ah, graças a Deus, sinto muito pelo mal-entendido.
Apesar de seus motivos, Louise se sentiu ainda mais culpada pelo pedido de desculpas, pois suas ações não deveriam ter motivado a preocupação de Licht.
— Sinto muito por deixar você preocupado.
Licht assentiu com um sorriso suave.
— Ouvi dizer que você foi buscar um kit médico. Você se machucou em algum lugar?
— Ah…
Ela não estava completamente ilesa. Os monstros da floresta, cuja última erradicação não pôde ser identificada, eram várias vezes mais fortes do que a média, com vitalidade resiliente.
No entanto, ela não havia procurado um Priest porque acreditava que desinfectar e enfaixar seria o suficiente. Isso porque, embora seu poder divino não fosse grande coisa, a capacidade regenerativa de seu corpo era espantosa.
— O ferimento não é sério o suficiente para preocupar Vossa Santidade. Você já deve estar cansado da árdua jornada.
— Se você está sugerindo que estou cansado devido às escrituras…
Diferentemente de seu comportamento habitual, ele não recuou obedientemente dessa vez. Como se suspeitasse que Louise pudesse tentar fugir novamente, ele se aproximou, fixando os olhos nela intensamente.
— Você aceitará minha ajuda? Pelo menos para minha paz de espírito.
— …
Era impossível recusar quando ele falava daquele jeito.
Ela era uma mulher que estava disposta a sacrificar sua vida por ele. Como diabos lhe causaria sofrimento por uma coisa trivial como essa?!
Louise não teve escolha a não ser abaixar a cabeça em resposta, sentindo-se envergonhada e pedindo desculpas a Licht.
— Então, eu… Se não for um incômodo, você pode me curar, por favor?
— Claro.
Um toque de diversão em seu tom, Licht olhou para ela com um olhar gentil.
Com medo de que ele pudesse interpretar mal seus sentimentos persistentes como algo mais, Louise abaixou a cabeça rapidamente mais uma vez.
Seu coração tolo, tão carregado de traição, continuou a cobiçar coisas que ela não podia e não deveria desejar.
Após discutir brevemente se deveriam ir para a tenda, eles concluíram que seria melhor ir para a dela.
Isso porque o homem disse que, após recuperar o corpo com poder divino, a pessoa se sentiria sonolenta e adormeceria facilmente.
‘Sempre foi assim?’
Ela fez um esforço para lembrar das raras ocasiões em que recebeu tratamento de um sacerdote, mas sua memória falhou. No entanto, considerando o poder divino avassalador de Licht, não havia dúvidas de que ele estava certo.
Seria um problema real se ela não conseguisse lutar contra a sonolência e adormecesse nos aposentos de Licht. Então, Louise tomou a iniciativa e o levou para sua tenda.
Embora fosse um lugar montado especialmente para a vice-capitã, lembrava os aposentos de paladinos comuns. Quando Licht entrou, a tenda pareceu apertada.
Ele examinou lentamente o ambiente, uma cama para uma pessoa, mesa dobrável e uma cadeira para escrever relatórios, um uniforme extra pendurado de um lado e uma mala embaixo, pronta para partir a qualquer momento.
— Acho que é a primeira vez que você me convida aqui.
Até Licht apontar isso, Louise tinha assumido que ele estava simplesmente se movendo e se preparando para dar tratamento a ela, não inspecionando seu quarto. Nervosamente, ela começou a balbuciar incoerentemente.
— É modesto… Você gostaria de uma xícara de chá?
— Você vai me servir chá? Obrigada, senhorita Louise.
Ele respondeu com um sorriso brilhante.
‘Agora que penso nisso, as folhas de chá… Acho que eu tenho… em algum lugar?’
Percebendo seu dilema, mas agora era tarde demais para cancelar. Louise procurou desesperadamente em sua bolsa, esperando encontrar algumas folhas.
Felizmente, ela encontrou uma lata de folhas de chá que havia recebido como suprimento um dia e, aliviada, ferveu água.
Espero que tenha um gosto bom. Vou tentar encontrar algumas folhas de chá melhores na próxima vila que eu passar.’
Ela sentiu pena de oferecer suprimentos de baixa qualidade a alguém estimado. Parecia inadequado tratá-lo com algo menos que o melhor.
Louise, que estava suspirando e despejando folhas de chá em uma xícara de madeira áspera, de repente olhou para trás e quase deixou cair o recipiente em sua mão.
Licht estava sentado na cama e alisando o cobertor.
Só a presença dele no espaço onde ela dormia e acordava a deixava tonta, mas vê-lo arrumar o cobertor aumentava a sensação. Claro, ele estava apenas arrumando o cobertor amassado, mas seu toque parecia muito afetuoso.
Louise fingiu que não viu nada e bebeu chá, tentando acalmar sua mente agitada.
‘O que estou pensando?’
Ela não conseguia deixar de se sentir tão feia, pois desejava que fosse ela quem ele estivesse acariciando.
Louise purificou o chá preparado usando uma das poucas magias sagradas que ela conseguia fazer para remover quaisquer impurezas e então entregou cuidadosamente a ele.
— Obrigado. Vou saborear bem.
— Não sei se ficou gostoso. Porque não é um chá de boa qualidade…
— Quem se importa com o sabor quando vêm de outra pessoa?
Em resposta ao seu gentil comentário, Louise agarrou firmemente a caneca de madeira.
‘Como Licht consegue falar tão gentilmente?’
Nos dias de hoje a vida dos cavaleiros não são nada mais do que itens descartáveis, mas quando falava com ele, se sentia considerada, alguém especial. Certamente, não apenas ela, mas qualquer um pensaria o mesmo.
— Sente-se em vez de ficar em pé.
Louise, que estava puxando uma cadeira dobrável e tentando se sentar, ouviu Licht batendo a mão no assento bem ao lado dele. Então, silenciosamente, colocou a cadeira de volta e sentou-se ao lado do homem. Enquanto eles estavam sentados lado a lado na cama, se sentiu em conflito sobre ser realmente certo fazer isso, mas decidiu que era mais importante obedecer às suas palavras.
O aroma refrescante e doce que ela conseguia sentir sempre que estava no mesmo espaço que Licht estava bem ao lado dela. Enquanto bebia o chá amargo, seus sentidos permaneceram focados em observá-lo o tempo todo.
Um espaço tranquilo, exceto pelo pequeno barulho das brasas crepitando e espirrando no braseiro colocado em um lado da tenda…
O ar que ele exalava e inalava, a bainha de suas roupas roçando nele enquanto movia os braços, e o som de segurar a xícara, bebericando chá e engolindo. Enquanto ela ouvia em silêncio com os olhos na xícara de chá, tudo parecia surreal, como um sonho que teve uma vez.
Louise pensou que nunca mais haveria um momento como esse em sua vida. Foi uma sorte incrível, então pareceu um milagre.
— Então posso ver suas feridas agora?
Quando Louise virou reflexivamente a cabeça para a voz que a acordou de seu breve sonho, seus olhos se encontraram como se estivesse esperando.
— Ah…
Após pousar a xícara de madeira, Louise arregaçou as mangas.
— Aqui, machuquei um pouco meu pulso.
Era um lugar em que pensava desde o momento em que pediu tratamento a ele.
Quando a bandagem que estava enrolada em volta dela foi retirada, revelou que sua carne estava horrivelmente cicatrizada. Enquanto se defendia do ataque, se viu arranhada pelas garras e ficou assim. Um bom lugar para se exibir, e era um ferimento que não consumia muito de seu poder divino.
Os olhos do homem escureceram quando olhou para o pulso estendido de Louise.
— A dor deve ter sido muito forte, por que você não procurou tratamento comigo?
— Isso é algo que posso tolerar.
Eram apenas os ferimentos mais leves que poderiam ser classificados como seus, mas Licht parecia chateado, como se ela tivesse cortado o pulso.
— Outros Paladinos costumam me visitar para pedir tratamento para escoriações que sofreram durante o treinamento.
— Você está dizendo que nossos membros causaram tanto problema assim? Vou ter uma conversa séria com eles. Sinto muito mesmo.
Quando Louise falou por vergonha, ela recebeu uma resposta firme.
— Não, você não precisa. Espero que a senhorita Louise não tenha que suportar mais nada.
Licht disse, levantando os olhos para encontrar os dela.
— Mesmo que seja apenas um corte de papel, espero que você venha até mim.
‘Uh… acho que ele está exagerando um pouco demais…’
No mundo de hoje, nem mesmo uma criança faria isso, mas para a vice-capitã dos Cavaleiros Sagrados, um dos grupos militares mais famosos do continente, era algo tão grande. No entanto, Licht falou tão seriamente que o coração de Louise quase vacilou por um momento.
Louise, com os olhos arregalados, percebeu que provavelmente era só uma brincadeira e suspirou.
— Sim, Vossa Santidade. Então farei isso de agora em diante.
— Perfeito. É uma promessa entre nós.
A palavra “nós” deixou sua garganta seca, e ela engoliu em seco, levantando os olhos.
A mão que segurava o pulso dela era grande, forte e cheia de calos, diferente daquela de um sacerdote, que normalmente só conhecia técnicas de autodefesa.
Pensando bem, ele tinha um bom físico que o tornava mais adequado como paladino do que como sacerdote. As delicadas feições faciais, era a única coisa que disfarçava esse fato.
Uma luz suave apareceu em sua mão, e a carne oca rapidamente se encheu, a pele se curou suavemente. Assim como a cor da luz parecia agitada, o poder divino que permeava seu corpo também continha calor. Louise começou a sentir o calor que se espalhou por todo o corpo, aumentando sua temperatura.
Louise soltou um longo suspiro, sentindo-se um pouco sem fôlego.
— Você poderia abrir a boca para mim?
— … Como?
Louise não conseguia acreditar no que ouvia. Boca… abrir…?
— Me contaram que Lady Ovella te deu um tapa. Ouvi tudo. Ela lhe deu um tapa tão forte que sua cabeça virou.
Parecia que alguém havia lhe contado toda a história por trás do incidente. A julgar pelo exagero de que a cabeça de alguém virou após levar um tapa, parece que essa pessoa não era Ovella.
— Felizmente, seus lábios parecem estar bem… Precisamos verificar se há algum ferimento na parte interna.
Ao dizer isso, ele pressionou gentilmente o lábio inferior dela com o dedo indicador, fazendo Louise congelar por um momento.
— Vamos, diga ‘Ah’.
Apesar do tom gentil, que lembrava o de quem está persuadindo uma criança, a intensidade do olhar dele ao encontrar os lábios dela parecia pesada e sombria, diferente de tudo que ela já havia experimentado antes.
Continua….